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Jorge Cadima: De crise em crise

A crise do capitalismo entrou numa espiral descendente de consequências imprevisíveis.

Por Jorge Cadima, em Avante!

"Nova recessão ameaça o globo, enquanto cresce a crise da dívida", titula Evans-Pritchard no Telegraph (10.11.11), escrevendo: "os estímulos fiscais e monetários dos últimos dois anos mascararam a patologia subjacente nas economias profundamente endividadas do Ocidente. Esta maquilhagem intensa acabou por desvanecer-se, deixando à mostra o terrível rosto que escondia. Estamos num momento delicado. O risco dum afundamento sincronizado na Europa, EUA e Ásia Oriental é já em si bastante mau. O que é assustador é enfrentar esta eventualidade quando o acelerador monetário tem estado carregado até ao fundo nos EUA, Reino Unido e Japão".

Ou seja: desde 2008 que boa parte dos centros de comando do capitalismo mundial criou dinheiro fictício a rodos para manter à tona de água a economia capitalista. Apesar disso, o doente dá sinais de se afundar.

Na eurozona, privilegiou-se a austeridade e cortes orçamentais dramáticos. O resultado é trágico. Os povos de muitos países estão a ser reduzidos à miséria, enquanto a economia e os estados são conduzidos à bancarrota. Mas a crise se alastra cada vez mais. Segundo o Sunday Telegraph (12.11.11), o Fundo de Estabilização Financeira Europeu (FEFE) criado para gerir os pacotes de ajuda à banca europeia não conseguiu vender esta semana a totalidade dos seus títulos a 10 anos.
 
O próprio Fundo teve de "comprar" uma parte. Ou seja, o mecanismo de "ajuda" já precisa de ajuda. Que o FEFE estava em maus lençóis ficou claro quando a Cúpula Europeia de finais de outubro decidiu pedir ajuda à China e restantes BRICS para o seu financiamento, mas viu o seu pedido rejeitado. A presidente do Brasil afirmou: "não tenho qualquer intenção de contribuir directamente para o FEFE. Se eles [UE] não estão dispostos a fazê-lo, porque haveria de ser eu?" (Telegraph, 6.11.11).

O desespero dos centros de comando do grande capital europeu é evidente. As sucessivas cúpulas (mesmo quando adiadas ou desdobradas) pouco decidem. O que decidem vale, regra geral, poucos dias. As hipóteses até ontem "impensáveis" são hoje abertamente discutidas. A crise econômica e social transforma-se em crise política.

Na semana passada assistimos a duas "mudanças de regime", na Grécia e Itália, conduzidas pelo centro europeu. As vítimas foram, em ambos os casos, fiéis executantes das políticas do grande capital. Mas a fraqueza ou hesitações (fruto da resistência popular) no cumprimento do seu papel pagam-se caro. A histeria que rodeou o anúncio dum plano de referendo na Grécia ou a hipótese de eleições antecipadas em Itália evidenciou que o quartel-general do "projeto europeu" tem horror à participação dos povos.

Já foi assim na imposição da Constituição Europeia/Tratado de Lisboa. Nem a aparência de democracia existe hoje na UE. É a ditadura aberta do grande capital e da UE supranacional. O novo primeiro-ministro indigitado de Itália, Monti, foi Comissário Europeu durante dez anos, mas é também presidente europeu da Comissão Trilateral, onde tem como colega o novo primeiro-ministro grego Papademos, ex-vice-presidente do Banco Central Europeu.

Monti é conselheiro da Goldman Sachs, instituição financeira que controla parte substancial do Governo dos EUA e de cujo corpo de diretores já fez parte o novo presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi. As crescentes contradições inter-imperialistas refletem o agravamento da crise.

O diretor de um jornal da família Berlusconi refere-se a Monti e Draghi dizendo: "Este é o bando de criminosos que nos trouxeram este desastre financeiro. É como pedir aos incendiários para apagar o fogo" (Financial Times, 13.11.11). E Evans-Pritchard pede aos EUA (e China) para "esmagarem" e "submeterem" a Alemanha (Telegraph, 9.11.11).

O grande capital está a atear fogo ao planeta. E é cada vez mais evidente que uma parte substancial dos seus centros de comando pondera desencadear uma calamitosa aventura militar de grande proporções. Nos últimos dias multiplicaram-se as ameaças abertas contra o Irã e a Síria, assim como alertas preocupados de quantos receiam as consequências imprevisíveis de uma tal aventura. Um capitalismo em agonia ameaça de novo a Humanidade com uma tragédia.