Eterno Beatle, Ringo diz que gosta de Tom e Vinícius
Aos 71 anos, carregando na bagagem a “responsa” de ter integrado banda mais famosa de todos os tempos, os Beatles, Ringo Starr não parece preocupado em dar muitas explicações. Nem mesmo à imprensa. Em turnê pelo Brasil – ele se apresenta em Brasília, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, nesta sexta-feira (18) –, o baterista só responde às perguntas que quer e do jeito que quer.
Publicado 18/11/2011 18:09
Pelo menos em entrevista ao 247, foi curto e grosso. Não comentou sobre os dois discos mais importantes da carreira solo, os elogiados Ringo (1973) e Goodnight Vienna (1974) e não quis falar sobre o filho e também baterista Zak Starkey. “Não comento sobre isso”, desvencilha-se.
Quando perguntado por que demorou tanto tempo a se apresentar no país, não esconde o desconforto, entre risos, de responder à questão pela enésima vez. “Nunca me convidaram.”
Mostrando certa intimidade com o Brasil, pelo menos no campo musical, Ringo Starr diz que o ritmo brasileiro é envolvente. Cita nomes importantes da nossa música que gosta de ouvir quando sobra tempo. E que nomes. “Não sou um conhecedor da música brasileira, mas a batida é contagiante”, admite. “Gosto de Tom Jobim, Vinicius de Moraes, bossa nova…”, revela.
Depois de passar pela Argentina, pelo Chile e pelo México, o artista desembarca em Brasília com sua All Starr Band após apresentações em São Paulo (duas noites), Rio de Janeiro e Belo Horizonte, encerrando a turnê brasileira no Recife, no dia 20.
Amparado por músicos afinadíssimos e uma banda boa de palco, Ringo Starr esbanja a habitual simpatia em cena conhecida dos fãs, com seus largos sorrisos e o famoso aceno com os dedos em forma de “V”, símbolo do movimento hippie de paz e amor.
Com as baquetas em punho, Ringo desanca em sua bateria sucessos da carreira solo, como It Don’t Come Easy e Photograph – ambas do elogiado álbum Ringo –, e claro, os hits que imortalizou no fab four, entre eles I Wanna Be Your Man, Yellow Submarine e With a Little Help from my Friends.
Ciente do prestígio conquistado ao lado dos amigos John, Paul e George, ao longo de dez preciosos anos de existência daquela que foi a banda mais importante do planeta, sempre que pode, entre uma canção e outra, Ringo tira sarro da histeria em torno do quarteto de Liverpool perguntando à plateia: “Qual é o meu nome?” Ao receber como resposta um eufórico: “Ringo!”, não perde a piada. “Como eu amo isso”, se diverte.
“Eu fiz parte desse grupo. Sou um Beatle e também contribuí para o sucesso dessa banda”, frisou, em entrevista ao 247. Então não duvide. O show a que você, que está em Brasília, vai assistir nesta noite no Centro de Convenções Ulysses Guimarães será de um Beatle.
Reputação
Quando um jornalista perguntou a John Lennon se Ringo Starr era um dos melhores bateristas do rock, o autor de Imagine não perdeu a piada. “O Ringo? Mas ele não é nem o melhor baterista dos Beatles!” A brincadeira, hoje antológica, diz muito sobre a reputação de Richard Starkey nos anos 1960. Na época, ele era tratado mais como um ídolo pop e menos como um músico habilidoso. Uma injustiça que o tempo tratou de corrigir. Músicos como Phil Collins e Phil Rudd (AC/DC) se declaram fãs de Starr. “Os trechos de bateria de uma canção como A day in the life são complexos. Hoje em dia, um baterista não saberia como fazer”, comentou Collins. Na história da música pop, poucos artistas se tornaram tão populares.
Ringo sempre riu de si mesmo — temperamento que produziu uma série de estigmas em torno de um “popstar” irônico, generoso, que parecia tratar o rock como uma brincadeira. Numa época em que bandas criavam arte, era uma imagem dissonante. Um estado de inadequação que, por sinal, não parecia incomum para um rapaz que, desde adolescente, destoava do ambiente em que vivia. Quando criança, entrou em coma após uma cirurgia para tirar o apêndice. Pouco tempo depois, na adolescência, perdeu vários anos de escola ao ser abatido por uma pneumonia. E isso bem antes do início do “sonho beatle”— que começou como que por um golpe de sorte, num show em Hamburgo, Alemanha, em outubro de 1960.
Diz a lenda que, naquela época, George Harrison e Paul McCartney contavam os dias para dispensar o baterista Pete Best — que preferia ficar trancado no quarto quando os amigos de banda saíam para se divertir. Resolveram o dilema ao dividir o palco com Ringo, que, na época, integrava o grupo Rory Storm and the Hurricanes. Dois anos depois, tornou-se um beatle “oficial”, e assumiu o desafio com a energia que lhe era típica: nas primeiras gravações com o grupo, surpreendeu o produtor George Martin ao tocar bateria e percussão simultaneamente. “Nós achávamos que a banda não duraria. O Paul queria ser escritor, por exemplo”, contou, em entrevista ao The Daily Mail.
Dificuldade
Ringo, no entanto, sabia muito bem o que queria. Antes dos Beatles, ele era uma pequena celebridade de Liverpool. Nos shows, tinha até um segmento para que brilhasse: o “Starr-time”. Quando convocado para o quarteto, exercitou outros dons: interferia nas composições de Lennon e McCartney (colaborou em Eleanor Rigby, por exemplo), criou frases amalucadas que se transformaram em nomes de canções (como “tomorrow never knows” e “a hard day’s night”) e interpretou o narrador de faixas como Yellow submarine. Queria mais: no meio das gravações do “álbum branco”, lançado em 1968, abandonou o estúdio, inconformado com a dificuldade de emplacar composições próprias. No “exílio”, escreveu a ótima Octopus’s garden, que entrou no disco Abbey Road, de 1969.
Caminho solo
No ocaso dos Beatles, a carreira de Starr tomou uma direção não muito típica. Em vez de se isolar em projetos solitários — como fizeram Lennon e McCartney —, criou discos que soavam como reuniões informais de amigos. Em Ringo (1973), conseguiu agregar todos os ex-integrantes dos Beatles, ainda que não numa mesma música. Experimentou em diversas searas — do country aos standards da música pop — e, se não concebeu álbuns memoráveis (são 15, até agora), manteve intacta a condição de “mascote” preferido dos fãs de uma das maiores bandas de rock de todos os tempos. Nos shows com a All-Starr Band (que já teve 11 versões, desde o fim dos anos 1980), ele coloca em prática o lado altruísta: todos os músicos têm o mesmo direito ao holofote.
Casado há mais de 30 anos com a ex-“bondgirl” Barbara Bach, Ringo vive um cotidiano compatível com a nobreza do pop: entre duas mansões (uma em Los Angeles, a outra em Monte Carlo, Mônaco), é a 56ª pessoa mais rica do Reino Unido, com um patrimônio estimado em 150 milhões de libras. Muito inferior ao de Paul (475 milhões), mas engordado ano a ano pelos direitos autorais da antiga banda, do sonho que acabou nos anos 1970. “É difícil ser um beatle na minha idade, porque as pessoas não querem que você cresça”, afirmou, numa entrevista recente (e rara). No palco, nem parece que o tempo passou: a jovialidade de Ringo ainda permite ao fã o privilégio da ilusão.
Com agências