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Grécia repete a história da Argentina, mas com novos credores

A comparação é recorrente. E não somente porque se trata da maior falência estatal da história recente. O drama grego comporta diversas semelhanças com a crise que levou a Argentina ao calote em 2001: desvalorização impossível, brutal degradação da competitividade, estouro da dívida pública, fraude fiscal, intervenção do Fundo Monetário Internacional (FMI)…

Tudo começou em 1991. Para acabar com a hiperinflação que corroía o país (5.000% em 1989!), o governo argentino decidiu atrelar o peso, a moeda local, ao dólar. Só para "mostrar aos mercados financeiros que seu sistema monetário não era forjado", explica Christine Rifflart, do Observatório Francês das Conjunturas Econômicas (OFCE).

Mas a atrelagem do peso ao dólar se transformou em fardo a partir de 1997, ano da crise asiática e brasileira: esses países desvalorizaram suas moedas para se recuperarem. Já a Argentina ficou presa pela paridade fixa entre sua divisa e o dólar. Sua competitividade caiu, as contas públicas se degradaram e a recessão veio em 1998.

Em novembro de 2000, o FMI impôs um plano de austeridade drástico… que agravou ainda mais a situação. Um círculo vicioso se instalou. Em 2001, o produto interno bruto (PIB) caiu 15%, o FMI exigiu novos cortes, antes de bloquear uma ajuda em dezembro de 2001… O país quase entrou em colapso, três presidentes se sucederam em dez dias. Buenos Aires declarou unilateralmente o calote de sua dívida e desatrelou o peso do dólar para se recuperar.

Com a desvalorização, a dívida pública, calculada em dólares, passou de 60% para 150% do PIB. O país iniciou então duras negociações com seus credores privados: em dois momentos, em 2005 e em 2010, a Argentina lhes impôs um desconto de 60% em média sobre seus títulos, e por fim 90% deles aceitaram essa oferta.

O país decidiu também pagar de uma vez, em 2005, sua dívida com o FMI, a fim de cortar definitivamente qualquer laço com a instituição internacional. Mas hoje ainda resta o saldo da dívida privada (10% do montante inicial) e US$ 9 bilhões de dívida bilateral pública, mas a proporção da dívida pública em relação ao PIB caiu para 45%.

Embora o paralelismo das causas que resultaram nas crises argentina e grega seja certo, Atenas não tem interesse necessariamente em seguir o exemplo de Buenos Aires. Primeiro porque a dívida grega hoje atinge 160% do PIB, quase três vezes a proporção constatada pela Argentina antes da desvalorização. E se Atenas saísse da zona do euro, essa proporção certamente dispararia…

Credores muito diferentes

Ademais, Buenos Aires pôde aproveitar um crescimento muito elevado ao longo dos anos 2000 para equilibrar seus orçamentos: com exceção de 2009 (+0,9%), o país sempre viu a atividade crescer pelo menos 6,8%. Um boom associado, sobretudo, a ganhos de competitividade, à ascensão econômica do vizinho brasileiro, ao protecionismo, mas também ao aumento dos preços das matérias-primas agrícolas no mundo, que representam 55% das exportações do país. Ora, se a crise argentina era a última de um ciclo que atingia os países emergentes, a que está atingindo a Grécia foi a primeira na Europa… E Atenas quase não tem produtos para exportar.

Outra diferença: a natureza dos credores. "Com a Grécia, o potencial de crise sistêmica é muito mais forte", acredita Carlos Quenan, pesquisador no Instituto de Estudos Avançados da América Latina e economista na Natixis. "A dívida argentina era muito dispersa, com investidores situados em todo o mundo. Já a dívida grega está muito mais concentrada nos bancos europeus."

Mas a Argentina tinha uma grande desvantagem: o país estava sozinho e não tinha de quem emprestar dinheiro em último caso, como a Grécia tem a Europa…

Dez anos depois, o país ainda não virou totalmente a página da crise: o acesso ao mercado internacional de capitais continua bloqueado, a inflação é amplamente subestimada pelas estatísticas oficiais, e a classe média do país ainda não recuperou sua condição de vida de antigamente…

Fonte: Le Monde
Tradução: do Uol, Lana Lim