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"É um safado!"

4. De volta ao PM João Dias: quando o denunciante acaba denunciado

O PM Ferreira esteve meio sumido no começo de novembro. Fora figura das manchetes dos jornais nas duas semanas seguintes a 15 de outubro, quando apareceu em Veja.

Esteve na primeira página de O Globo simulando um golpe de kung fu, esporte no qual foi campeão, no mesmo dia em que o ministro Silva pediria demissão do ministério, e voltou à primeira página do jornal no dia seguinte, depois que Silva se demitiu, dessa vez numa charge do desenhista Chico Caruso, que reproduziu, com seu traço habilidoso, a fotografia estampada pelo jornal no dia anterior, com a inovação de ter colocado o já ex-ministro prostrado no chão, como tendo sido derrubado por um golpe mortal do PM.

O repórter procurou Ferreira. Esteve em Sobradinho, cidade-satélite de Brasília, sua base eleitoral e de negócios. A partir de Sobradinho o PM foi candidato a deputado do DF pelo PCdoB. Lá ele tem a maior de suas academias de ginástica, a Thisway Fitness. Na primeira parada para tentar localizá-lo, uma barbearia, tanto o barbeiro como o rapaz que cortava o cabelo o conheciam e sabiam de seus negócios. Mas, na Fitness, as duas moças que atendem os clientes disseram que ele ultimamente pouco aparecera. Na Academia Império, saindo de Sobradinho em direção ao Plano Piloto, o centro do DF, um rapaz diz que o negócio agora é de seu pai, o ex-deputado Roniwon Santiago, que o comprou de Ferreira em abril do ano passado. Ele indica onde o PM mora, o Condomínio Vivendas Bela Vista, também na região.

Abril de 2010, na vida de Ferreira, parece ter sido um momento crítico. Ele foi preso no primeiro dia desse mês numa investigação da Polícia Civil do DF, que prendeu, simultaneamente, mais seis pessoas, aparentemente todas ligadas a seus negócios: sua mulher, Ana Paula; um de seus cinco irmãos, Carlos Roberto; Eduardo Tomaz, Demis Abreu e Flávio Carmo, funcionários ou representantes dele; e Miguel Santos Souza, empresário de certo porte no DF, dono de empresas que, segundo a polícia, forneceriam notas frias usadas por Ferreira no desvio de dinheiro do Ministério do Esporte. Essa investigação começara em 2008, de início muito lenta – e parece estranha.

Estranha porque era uma investigação de um possível crime federal, a ser feita, portanto, pela Polícia Federal (PF), e não pela Polícia Civil local. Estava sendo conduzida pelo delegado Giancarlos Zuliani, da Polícia Civil distrital, atendendo a um pedido da Promotoria de Justiça do DF e Territórios para investigar a ONG Novo Horizonte que tinha convênios com indícios de fraude nos ministérios da Ciência e Tecnologia e do Esporte. Em fins de junho de 2008, no âmbito desse inquérito, foi cumprido um mandado de busca e apreensão num escritório comercial da quadra 711 da Asa Norte de Brasília, numa das várias empresas de Santos Souza, um dos que viriam a ser presos com Ferreira dois anos depois, como vimos. A partir dessa apreensão, a polícia introduz no inquérito dois novos personagens que vão dar à história um aspecto político escandaloso. Eles testemunham contra Ferreira, mas também contra Queiroz, seu ex-colega de PCdoB e hoje governador do DF.

Geraldo Nascimento Andrade surge primeiro. Seu nome aparece como o de um dirigente das empresas de fornecimento de notas frias que seriam, de fato, de Santos Souza. Mas ele nega isso no depoimento que dá ao delegado Zuliani em maio de 2009 e seu testemunho não desperta maior entusiasmo dos investigadores. O interesse surge com a introdução em cena da segunda figura, que parece ter caído do céu na história. Diz o relatório do delegado Zuliani: “Eis que, no mês de agosto de 2009, compareceu à sede da Deco (Delegacia Especial de Repressão ao Crime Organizado), de forma espontânea, a testemunha Michael Alexandre Vieira da Silva, dispondo-se a prestar informações sobre o desvio de recursos do programa Segundo Tempo”. Este é um dissidente do grupo de Ferreira. Quando preso, em abril de 2010, o PM disse que Vieira da Silva era um farsante que ele empregou em uma de suas academias e depois demitiu por falcatruas. Vieira da Silva, por sua vez, delatou o que seria o esquema de notas frias montado por Ferreira por meio das empresas de Santos Souza para fraudar o Ministério do Esporte.

Com o depoimento de Vieira da Silva, o delegado Zuliani reexaminou as notas apreendidas em 2008 e voltou a inquirir Nascimento Andrade, que admitiu, então, participar como “laranja” de um conjunto de empresas de notas frias de Santos Souza. Depois da prisão de Ferreira, a Polícia Civil colocou Vieira da Silva e Nascimento Andrade num programa de proteção de testemunhas.

Os dois, no entanto, não desapareceram. Ao contrário: apareceram no programa eleitoral de Weslian Roriz, candidata ao governo do DF contra Queiroz. Weslian, como se sabe, substituiu, na disputa pelo governo do DF, o marido, Joaquim Roriz, depois que este foi cassado pela Justiça Eleitoral. Nascimento Andrade disse ter visto um dos funcionários de Ferreira, Eduardo Tomaz, entregar R$ 265 mil a Queiroz, em frente a uma concessionária da Honda em Sobradinho. Afirmou ainda ser o atual governador o verdadeiro beneficiário do sistema de fraude com o dinheiro dos convênios do Ministério do Esporte.

Nos depoimentos dados na época, Ferreira negou a participação de Queiroz em qualquer esquema e, já durante a campanha eleitoral de 2010, Queiroz disse que a denúncia era parte do esquema corrompido existente no DF e ligado a Roriz e a José Roberto Arruda, ex-governador, preso pela polícia e, depois, também cassado, como Roriz. Quando a denúncia ressurgiu, o já governador reafirmou que estava sendo vítima de uma armação por parte dos que derrotara nas urnas.

Ferreira, no entanto, mudou de tom. De certo modo, ao mesmo tempo em que procurou jogar a culpa central no ex-ministro Silva, adotou uma postura de ameaças veladas a Queiroz. Passou a dizer que era muito próximo do governador, que ajudara na sua eleição. Disse a vários jornalistas que Queiroz teria demitido um amigo seu que fora nomeado para a presidência da Corretora BRB, do banco oficial do governo do DF.

Para falar com o PM o repórter deixou o número de seu telefone celular na administração do Condomínio Vivendas Bela Vista, depois de ter tocado várias vezes a campainha da casa onde, segundo vizinhos, ele ainda mora. A construção tem certa imponência, no terreno de mil metros quadrados que é padrão no condomínio, onde mora gente da classe média alta do DF. Depois, na Câmara Distrital, em Brasília, procurou conhecer a história do PM com dois deputados, Chico Vigilante, do PT, e o delegado Marcio Michel, do Partido Social Liberal (PSL).

“Doutor Michel”, como é conhecido o deputado do PSL, conhece Ferreira desde criança. Também é de Sobradinho, como Ferreira, mas, ao contrário do PM, que foi derrotado em 2006, em 2010 Doutor Michel se elegeu com votos de lá e da corporação na qual trabalhava, a Polícia Civil do DF. Doutor Michel confirma para o repórter as linhas gerais do perfil de Ferreira: campeão de kung fu, empresário do setor de fitness, figura central do inquérito da Polícia Civil do DF a partir do qual ficou preso por quatro dias no início de abril de 2010.

O deputado diz que a Polícia Civil distrital tem Ferreira como suspeito de ter matado um de seus agentes, Luiz Carlos, conhecido por “‘Clark”, que estaria investigando “o grupo” do PM. O deputado não conhece o inquérito da polícia e crê que ele desapareceu. O repórter depois acha o inquérito, mas outro, específico sobre a morte do policial investigador. Doutor Michel diz não ter como ajudar.

Seguindo sugestão do deputado Chico Vigilante, o repórter procura na internet o endereço de um site de fofocas sobre o caso. Encontra o do jornal O Impacto, de Santarém (PA), que traz o artigo “Operação Shaolin: um policial civil do DF morto e muito escândalo a caminho” e a seguinte apresentação: “Cadáver da Operação Shaolin assombra Palácio do Planalto e governador do DF, Agnelo Queiroz”. Aparentemente, o autor do artigo – Mino Pedrosa, que já foi do semanário IstoÉ – faz parte dos que fazem campanha contra o governador do DF. Ele diz que Ferreira é um homem violento, pode ter sido o assassino de “Clark”, o investigador, e ainda teria, com um golpe de kung fu, quebrado também o pulso de Vieira da Silva. Pedrosa diz que Ferreira fez isso para tentar impedi-lo de denunciar Queiroz como chefe da quadrilha de desvio de dinheiro do Ministério do Esporte.

Ferreira é mesmo o monstro que agora muitos, especialmente os inimigos de Queiroz, como Pedrosa, tentam apresentar? O próprio Ferreira sugeriu ser um homem violento. Eis como contou para a revista Veja uma incursão que fez no Ministério do Esporte em abril de 2008: “Eu fui lá armado e dei umas pancadas nele. Dei várias coronhadas e ainda virei a mesa em cima dele. Eles me traíram”. Ferreira está se referindo a Júlio Cesar Filgueira, responsável, então, por tocar, no Ministério do Esporte, o PST [Programa Segundo Tempo – NR].

Tanto Filgueira como o Ministério do Esporte negam que tenha existido a agressão e dizem que não há qualquer registro de ocorrência desse tipo no ministério. Ferreira disse a Veja que o fato de não ter havido registro da ocorrência é prova de que havia um esquema: o registro não teria sido feito porque isso ajudaria a detonar o esquema. Visto de outra forma, isso sugere que o PM pode estar manipulando uma suposta fama de ser violento. O deputado Doutor Michel, a pedido de RB, resume a biografia de Ferreira: “É um safado”. O repórter tem de levar tudo isso em conta e espera, no segundo capítulo de sua história, além de encontrar o PM, ter uma opinião mais bem pesquisada sobre o que ele fez.

Do inquérito da Polícia do DF, direto para a campanha

Michael Alexandre Vieira da Silva (acima) e Geraldo Nascimento Andrade depuseram em inquérito da Polícia Civil de Brasília, no começo de 2010, acusando Agnelo Queiroz de receber dinheiro desviado dos convênios feitos pelo PM João Dias com o Ministério do Esporte. E seus depoimentos, pouco depois, apareceram na campanha da adversária de Queiroz, na disputa pelo governo do DF, Weslian Roriz, que substituíra seu marido, Joaquim Roriz, cassado pela Justiça. O inquérito é estranho. É a Polícia Federal, e não a Polícia Civil, que tem a competência para investigar o desvio de verbas federais. Quando preso, em abril de 2010, o PM disse que Vieira da Silva era um farsante que ele empregou em uma de suas academias e depois demitiu por falcatruas.

Vieira da Silva, por sua vez, delatou o que seria o esquema de notas frias montado por Ferreira por meio das empresas de Santos Souza para fraudar o Ministério do Esporte. Com o depoimento de Vieira da Silva, o delegado Zuliani reexaminou as notas apreendidas em 2008 e voltou a inquirir Nascimento Andrade, que admitiu, então, participar como “laranja” de um conjunto de empresas de notas frias de Santos Souza. Depois da prisão de Ferreira, a Polícia Civil colocou Vieira da Silva e Nascimento Andrade num programa de proteção de testemunhas.