Alexandre Lucas: Rupturas Pedagógicas e possibilidades artísticas

Por *Alexandre Lucas

É preciso romper com a “ordem e a disciplina” para pensar novas práticas pedagógicas no ensino de Artes, que possam nos remeter a conexão: estudo, vivência e experimentação. É preciso “ensinar” os alunos a subirem nas cadeiras todos os dias**. O que nos leva a refletir sobre o tipo de escola e educação que defendemos.

Primeiramente temos que descortinar o discurso de “educação de qualidade” como se a educação escolar fosse hegemônica no seu conceito, ou seja, só é possível pensar a educação escolar a partir das concepções pedagógicas, considerando que existem diferenças entre elas, o que obviamente repercutirá na finalidade e na interpretação da educação no âmbito da escola.

O espaço escolar é um universo de visões sociais de mundo. Idéias progressistas e reacionárias se compartilham e entram em conflito nos pensares e fazeres pedagógicos. O que configura a escola num ambiente de contradições e hibridismos camuflados e expostos, tornando-a instrumento de aprisionamento, enquadramento social, reprodução ideológica da classe dominante e em alguns casos, portal de libertação.

Uma das características fundamentais do papel social da escola, na perspectiva da Pedagogia Histórico-Crítica é ser um ambiente de socialização do conhecimento historicamente produzido e sistematizado, ou seja, o saber elaborado (ciência), enquanto elemento de ligação com e para a prática social. O que compreende o processo de socialização, assimilação e reelaboração do saber de forma ativa, tendo em vista que a sua proposição pedagógica visa aproximar a ligação entre os conteúdos e as realidades sociais/praticas sociais dos educandos.

Dentro deste aspecto, o ensino de Artes deve levar em consideração algumas questões importantes para o início de uma ruptura pedagógica, como: o ensino contextualizado com as demais áreas do conhecimento, tendo em vista, que a arte não se compreende por si só, mas a partir dos contextos sociais, culturais, políticos, filosóficos, sexuais, religiosos e econômicos e outro fator importante é a característica do “deslimite” da arte, enquanto conceitos, suportes e ações. O que requer uma abordagem sem preconceitos e sem estigmas a diversidade de produções estéticas e artísticas.

Após definir os conteúdos e os seus objetivos, o que é primário para definição de qualquer intervenção pedagógica deve se pensar num segundo plano na forma, ou seja, qual a estratégia para aproximar do educando o conhecimento que ele desconhece do que ele já conhece?

O como ensinar? Não pode ser uma receita, pois vamos reelaborando a prática pedagógica constantemente para atender as múltiplas e adversas condições de ensino-aprendizagem, o qual ocorre a partir de uma relação dialética entre a teoria e a prática surgindo deste conflito uma nova compreensão sobre a prática e vice-versa.

Quando me refiro em romper com os paradigmas dominantes no ensino de Artes aponto como um dos principais problemas, uma prática pedagógica e currículo descontextualizado com as práticas sociais dos educandos. É essencial uma inter-relação que garanta a unidade: conteúdo contextualizado, pratica social e processo pedagógico.

Essa questão diz respeito a algo que é essencial para o educando, ou seja, o que ele aprende tem que está conectado com a sua pratica social. Se o conteúdo não diz respeito a sua vida por quer estudar-lo? Esse é o grande desafio possibilitar que a ciência possa ser sistematizada para fins de ensino e que esteja intimamente ligado ao cotidiano dos alunos, o que irá ocorrer a partir da prática pedagógica.

Enquanto prática pedagógica socializo algumas experiências que não se colocam como modelos ou receitas, pois se assim fosse seria uma contradição de discursos. O que apresento são ações questionadoras, que colocam o professor de Artes em outro patamar, que talvez seja o mais adequado para sua prática de ensino. Entretanto, deve se atentar para não descuidar do aporte teórico e acabar definindo primeiro a forma e depois o conteúdo. O que deve ocorre de maneira inversa.

O que apresento é resultado de pesquisa e experimento empírico que venho desenvolvendo como pratica de ensino, a partir de um entendimento pedagógico de caráter progressista que coloca o ensino de Artes contextualizado com a vida. Para facilitar a compreensão denominarei essas praticas como: Aula Espetáculo; Aula Performance; Aula Vivência e Aula Experimentação.

As quais se caracterizam da seguinte forma:

Aula espetáculo – É preciso criar no aluno o encantamento pela arte, como algo vivo e que faz parte do seu cotidiano. Para isso é importante criar as condições de descontração, de riso, de reflexão e aproveitar o clima de “agitação e bagunça” como elemento de relacionar o que eles já sabem com o que desconhecem. O professor deverá funcionar como uma espécie de animador, contador de história e aproveitador de cada colocação dos alunos “o que eles têm pra dizer é importante” e deve ser resignificado mesmo quando foge do contexto do conteúdo, tendo em vista que cada colocação deles é fruta das suas praticas sociais;

Aula performance – É preciso criar constantemente o estranhamento através de situações performáticas, por exemplo, “**subir em cima das cadeiras com os alunos” e possibilitar a discussão em torno da arte enquanto resignificação da realidade. Salientando que os conteúdos devem orientar as situações inusitadas. Nesta prática o professor deve propor ações na qual ele esteja no mesmo patamar dos alunos, ou seja, as atividades propostas devem também ser realizadas pelo professor, ele deve propiciar o encorajamento dos alunos, através do exemplo.

Aula Vivência – É preciso aproximar os alunos dos espaços de circulação, produção e discussão de arte, estreitando a relação entre obra-ação/artista/público. Neste sentido o professor de Artes deve ser um pesquisador, observador, participador e assíduo fruidor da arte. É inadmissível o professor que leciona a disciplina de Artes não freqüentar o teatro ou a galeria.

Aula Experimentação – É preciso criar condições para que os educandos possam fazer experimentos estéticos e artísticos. O professor precisa instigar o processo criativo dos alunos/alunos dando total e irrestrita liberdade para que possam criar, entendendo que no pensar e fazer estético/artístico no existe regras ou limites. Esse tipo de aula não pode ser confundida com “ensinar a fazer arte” ou seguir um modelo. Primeiro não se ensina a fazer arte, o que se pode é ensinar uma técnica e segundo dentro desta proposta o papel do professor de Artes é provocar a discussão e reflexão sobre a ação ou a materialização de um produto, dando ao educando a oportunidade de se ver capaz de refletir e produzir.

Pensar essas rupturas pedagógicas nos coloca na defesa de outra realidade, na qual o ensino de Artes seja equiparado na pratica com as demais disciplinas e que seja abolida as incoerências pedagógicas promovidas pelas Secretarias Estaduais e Municipais de Educação que visando preencher a lotação dos professores complementam suas aulas com o ensino de Artes, o que acaba promovendo a lotação na desqualificação do processo de Ensino-Aprendizagem, tendo em vista que a maioria dos professores que lecionam Artes não tem nenhuma qualificação na área, seja graduação, especialização ou curso de extensão.

Encarar essa situação é reconhecer o papel político e pedagógico desse professor e a dimensão do ensino de Artes, enquanto processo ativo e contextualizado com as praticas sociais que se reverbera em rupturas necessárias para uma pratica pedagógica conseqüente e progressista.

* Alexandre Lucas é artista/educador e Coordenador do Coletivo Camaradas

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