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Ediria: meu tempo é hoje!

Como no meu tempo? Meu tempo é hoje! Esta foi a reação de Ediria Carneiro, já bastante idosa, a alguém que queria saber como eram as coisas “no seu tempo”.

Por José Carlos Ruy

Aquela reação ajuda a definir, e compreender, esta mulher que foi uma lutadora do povo brasileiro e uma artista antenada com as contradições contemporâneas. Militante comunista durante 66 anos, que se filiou ao Partido Comunista do Brasil em 1945, foi uma artista sofisticada que nunca se rendeu ou aceitou soluções fáceis, fossem formais, fossem políticas.

Dona de um sorriso fácil e uma Inteligência viva e rápida, sua presença transmitia alegria. Gostava de conversar e muitas vezes contava coisas que – lição herdada das décadas de clandestinidade e de resistência – logo em seguida advertia: isso não é para contar! Isso não é para escrever!

Viveu uma vida intensa, como artista e como companheira de toda a vida do dirigente comunista João Amazonas, e era com uma ponta de orgulho que se referia aos anos de sacrifícios, lutas e enfrentamentos, e aos quais se referia com bom humor. Daí, com certeza, sua jovialidade permanente mesmo quando, já com muitos anos acumulados, às vezes parecia frágil e cansada.

Usou sua arte como ferramenta para construir o belo – uma arte difícil, que exigia força física, a arte de criar em metal matrizes de gravuras muitas vezes inquietas, peças que revelam a vontade de desenvolver a arte como linguagem e expressão.

Quando não pôde mais trabalhar com as pesadas prensas de seu fazer artístico originário e a saúde impunha a prudência no manuseio dos elementos químicos próprios desse trabalho criativo, não se rendeu mas trocou os meios de expressão, passando a usar agora pincel e tinta dos quais saíram suas últimas obras. Se o lado formal do fazer artístico era uma preocupação permanente, a expressão das contradições da vida humana era o conteúdo quase natural da obra desta artista plástica comunista. Seus últimos quadros trazem, no traço do pincel e da tinta, as marcas nítidas da gravurista em metal que foi a vida toda.
 
E contam histórias de luta, de resistência, de sonhos e desejos de mulheres, trabalhadores, jovens, de pessoas simples como ela foi e que, como ela, sonham com um mundo grandioso de fraternidade e de paz. Um mundo socialista. Essa é a marca no mundo e o legado que deixou. E sua memória permanecerá viva entre os que lutam e que, hoje, quando ela se foi, padecem de um forte sentimento de orfandade.