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Cavalo de Guerra é competente aventura épica de Spielberg

Mais famoso e bem-sucedido rei de Hollywood, não é todo dia que Steven Spielberg resolve sentar na cadeira de diretor. São dois, três anos até ele achar um projeto que tenha a sua cara, enquanto persevera numa vertiginosa carreira de produtor. No final de 2010, em compensação, achou dois. O primeiro, "Cavalo de Guerra", está chegando aos cinemas brasileiros, com duas indicações ao Globo de Ouro: melhor filme e melhor trilha sonora. No final do mês, estreia o outro, "As Aventuras de Tintim".

Spielberg é o tipo do profissional do cinema que já tem tudo, todos os prêmios, toda a fama, tudo que alguém do ramo pode sonhar. Sobra, então, a paixão por lançar-se numa história que preencha os requisitos daquilo que move a sua sensibilidade e inegável competência.

De certa maneira, o diretor revisita "O Resgate do Soldado Ryan" (1998), seu melhor drama até aqui, numa carreira pontuada por maior perícia em aventuras ("Os Caçadores da Arca Perdida") e filmes com elementos fantásticos ("E.T.- O Extraterrestre", "Minority Report – A Nova Lei", "A.I. Inteligência Artificial", "O Mundo Perdido: Jurassic Park").

Com uma ambição que é também combustível para um contínuo esforço de auto-superação, Spielberg lança-se, em "Cavalo de Guerra", ao resgate de um cinemão à moda antiga, no bom sentido. Procura realizar aquele tipo de narrativa épica e arrebatadora que sintonize com todo tipo de público, de qualquer idade, de qualquer nação e que seja capaz de transcender qualquer barreira temporal.

O clima de nostalgia de uma história ambientada no começo do século 20, às vésperas da 1a Guerra Mundial, serve para sinalizar que aqui se falará de valores eternos – que alguns podem até ter esquecido, mas cuja validade o filme se encarregará de testar.

Baseados no bestseller de 1982 do inglês Michael Morpurgo, os roteiristas Lee Hall ("Billy Elliott") e Richard Curtis ("Quatro Casamentos e um Funeral") recriam para a tela uma história que, na essência, resume-se à irrompível ligação entre um jovem, Albert (o novato inglês Jeremy Irvine), e seu cavalo, Joey.

Albert é o filho único de um casal de agricultores, Ted (Peter Mullan) e Rosie (Emily Watson), que arrendou uma pequena propriedade do rico Lyons (David Thewlis) nos arredores de Devon, Inglaterra. Para pagar o dono e poder arar a propriedade, a família precisa de um cavalo. Contra toda a lógica e para afrontar seu esnobe arrendatário, Ted acaba comprando um cavalo lindo, mais apropriado à montaria do que à lide agrícola. De quebra, torra as economias familiares.

A ousadia cai bem aos olhos do filho, que se encarregará de treinar Joey para enfrentar quase tudo, inclusive o arado – uma habilidade que salvará sua vida numa situação inusitada no futuro.

Sustentando o controle do ritmo da narrativa, Spielberg constrói solidamente esta relação de afeto entre Albert e o cavalo, que enfrentará desafios mortais na 1a Guerra, a última em que cavalos foram usados nas frentes de batalha da Europa. Uma guerra que ficou conhecida pela selvageria de suas trincheiras e que teve um saldo estimado em um milhão de mortos.

"Cavalo de Guerra" trata desta separação entre Albert e Joey, quando o cavalo é vendido por Ted para as tropas inglesas, e vai mudando de mãos, entre britânicos, alemães e franceses, ao longo do conflito. Todo tipo de peripécia e agrura espera este valoroso cavalo, que suporta o inominável esforço de carregar canhões por campos enlameados e resiste aos tiros e balas de canhão em diversos combates.

Albert, do seu lado, mantém-se firme em sua disposição de reencontrar seu cavalo, custe o que custar, por absurda que pareça esta intenção, no clima geral de destruição causado pela guerra. O rapaz alista-se como soldado e nunca perde a esperança de recuperar Joey, que se torna um símbolo daquilo que um ser humano não abre mão, sob risco de perder sua própria essência.

Por mais que o espectador seja duro, é virtualmente impossível resistir ao encantamento lançado por Spielberg numa história poderosa, impecavelmente filmada – em que ele recorre, mais uma vez, ao seu diretor de fotografia habitual, Janusz Kaminski ("A Lista de Schindler") -, montada (digitalmente, o que ocorre pela primeira vez na carreira de Spielberg) e encenada, com poucos, mas precisos efeitos visuais em ação (30 cenas no filme todo, especialmente nas impressionantes sequências de batalha).

Pode-se criticar, aqui e ali, um excesso – talvez o maior seja o uso da música, como sempre, de autoria do competente John Williams. Mas é inegável que "Cavalo de Guerra" recupera o melhor de uma tradição cinematográfica que visa envolver o espectador, tirá-lo do chão, mexer com suas emoções, contando com toda a pesquisa e recursos técnicos necessários, mas que não seriam nada se a história não fosse mesmo grandiosa e resplandecesse na pele dos atores. É um grande e talentoso elenco, afinado como uma orquestra. E o cavalo também é demais. 

Fonte: Cineweb