Fernando Peixoto, comunista e homem de teatro
Fernando Peixoto, escritor, teatrólogo, jornalista, professor e pensador (marxista) do teatro despediu-se da vida neste dia 15 de janeiro. Tinha 74 anos de idade e lutou contra um câncer. Foi um dos mais importantes homens de teatro brasileiros, encenador, teórico, crítico, tradutor de Brecht, entre outras coisas.
Publicado 20/01/2012 15:24

Comunista, fez da arte uma ferramenta para mudar o mundo. Nos anos 60, esteve entre os fundadores do Teatro Oficina, enfrentou a censura e a perseguição política. Vermelho publica, em sua homenagem, este texto que permite uma aproximação de seu pensamento sobre o teatro e a arte.
Por Victor Miranda Macedo Rodrigues (*)
O escritor, jornalista e encenador Fernando Peixoto foi, na década de 1970, responsável pela direção de importantes espetáculos teatrais deste período no que diz respeito à temática voltada para a reflexão dos rumos da sociedade brasileira e da luta em prol de uma arte engajada na luta pela democracia, contrapondo-se à censura imposta pelo Regime Militar. Destacam-se neste período as encenações de várias peças como: “Tambores na Noite” de Brecht, “Um Grito Parado no Ar” e “Ponto de Partida” de Guarnieri “Calabar”, de Chico Buarque e Ruy Guerra, censurada em 1973, “Caminho de Volta”, de Consuelo de Castro.
Nesta década, Fernando Peixoto, teve uma trajetória interessante, trabalhando em diversos grupos como Teatro São Pedro, Othon Bastos Produções Artísticas, sempre desenvolvendo um trabalho crítico e coerente com suas concepções cênicas, políticas e estéticas. Paralelamente, em revistas especializadas em teatro e jornais como Movimento e Opinião, foi um crítico constante e severo dos rumos teatrais brasileiros no que diz respeito à falta de criatividade e a ausência de temáticas que condizem com a realidade brasileira e com o descaso, por parte dos governantes, no incentivo à arte teatral.
Cabe lembrar que o dramaturgo Bertolt Brecht será sempre uma referência em seus trabalhos de direção. Já em meados da década de 1960 iniciou uma pesquisa sistemática sobre o dramaturgo alemão e, nos anos decorrentes, lançou vários estudos sobre Brecht e seu teatro dialético. Foi também um dos organizadores da publicação das obras completas dele aqui no Brasil.
Considerando sua preocupação na busca de uma comunicação dinâmica e transformadora com o público, tendo em vista seus dilemas e contradições, esta, também, nos permite refletir sobre sua trajetória em relação às temáticas presentes nas peças e sobre o seu trabalho de direção.
Neste sentido o estudo da encenação da peça “Caminho de Volta” de Consuelo de Castro ocorrida em 1974 no Teatro Aliança Francesa, em São Paulo, pela Companhia Othon Bastos Produções Artísticas possibilita apreender sobre várias questões temáticas presentes na peça, relacionando-as com a própria conjuntura social do país. A autora ao eleger como personagem principal classe média brasileira, alfabetizada e intelectualizada, põe em perspectiva uma “nova” situação conjuntural que se arma na década de 1970: a análise coerente das novas lutas que vão surgindo, não por uma sociedade igualitária nos moldes do Socialismo, mas sim, uma luta por poder e influência no mercado competitivo da lógica Capitalista. Vale lembrar que o enredo da peça se passa em um escritório de uma agência de publicidade onde patrão e empregados se vêem no mesmo barco, cada um em sua perspectiva, na luta pela sobrevivência, sem saberem ao certo qual o inimigo que devem combater. Neste ponto a peça propõe uma reflexão interessante pelo fato de, ao invés de fazer simplificações extremistas e maniqueístas, trazer ao palco traços de uma realidade conflituosa e plural.
Paralelamente, podemos refletir sobre o trabalho de construção do espetáculo tendo como premissas as opções cênicas do diretor Fernando Peixoto. Nesta parte temos como base três textos escritos por ele no trabalho de produção da peça acima citada: “A música no caminho” e “A carta que Joel não recebeu” publicados no livro “Teatro em Pedaços” em 1979 e o texto: “Os espetáculos que realizei, como nasceram”, presente no livro “Teatro em Questão”, lançado no ano de 1989.
Fernando Peixoto definiu seu trabalho de direção nos seguintes termos:
“é mergulhar de cabeça no desconhecido. Mergulhar nu, sem preconceitos, sem regras sagradas, sem medo, sem censura, sem conceitos intocáveis na cabeça. (…) Duas pessoas pensam melhor que uma. Quando você tem um elenco, um cenógrafo, um músico, assistentes, etc., ao redor de uma mesa, é babaquice tentar ficar impondo um ponto de vista. Interessa muito mais levantar todos os problemas da peça junto com todos. E ficar numa posição de coordenador. Nesta fase, tudo que estava na cabeça começa a aparecer pouco a pouco, os estímulos voltam a ser ativados e toda a loucura que eu penso antes começa a ser colocada em trilhos (1).
Nesta perspectiva, percebemos uma importante característica que irá marcar profundamente o trabalho do diretor que é a constante reelaboração do espetáculo, juntamente com a participação das pessoas que estão envolvidas na produção no debate e no levantamento de questões sobre o espetáculo. Este não se resume a um esquema pré-concebido. Porém, ao mesmo tempo, demonstra sua coerência quando afirma que o conceito de expressão artística “deve ser exercido com responsabilidade. E com alguns conceitozinhos antigos mas, estes sim, capazes de fornecer elementos para um método de concepção,(…). Sem o Marxismo eu não saberia dirigir, como pensar, como realizar” (2). A “dialética” torna-se uma ferramenta necessária na síntese destas experiências, uma componente importante no trabalho do encenador.
Um outro aspecto que vale ressaltar é o diálogo que tenta manter com o público e, a importância deste para o encenador na busca incessante de uma comunicação franca e direta, necessária àqueles que o assistem:
“gostar ou não gostar é o que interessa, cada reação, positiva ou negativa (…). Isso interessa, é pra isso que a gente cria, (…), pra fazer o espetáculo tocar nas pessoas. Provocar a reflexão crítica, despertar emoções” (3);
Os três textos citados acima como base para nossa reflexão em torno da encenação da peça “Caminho de Volta” parte exatamente destas premissas que norteiam o trabalho de Fernando Peixoto. O primeiro texto “A música no caminho”, é um estudo sobre a função da música no espetáculo, transpondo os limites, normalmente estabelecidos, de ser uma simples ligação entre as cenas. A música neste caso entra como um “agente” ativo na encenação, “abrindo o texto”, propiciando uma percepção mais crítica do que é encenado. No caso da peça, ela seria um componente útil na busca do sentido que o diretor queria dar ao seu trabalho: da crítica à cultura ocidental e ao Capitalismo.
O segundo texto é uma carta enviada ao cenógrafo Joel de Carvalho que faleceu antes de recebê-la. Escrito de maneira confusa, uma espécie de brain storm, como ele próprio a definiu, uma série de hipóteses e alternativas, Fernando faz um exercício interessante de relacionar a temática da peça com a conjuntura política e econômica do país no intuito de pensar a cenografia do espetáculo,
“tentar estabelecer uma relação dialética entre um espaço cênico realista (é claro que um realismo seletivo, não uma reprodução minuciosa e naturalista) com um geral mais amplo, mais aberto, (…), uma definição visual de crise de produção ou do falso milagre econômico ( a verdade econômica brasileira de hoje, aparência e mentira), ou um painel de elementos criados por uma criatividade livre,
(…), como contraponto à mediocridade da criação na agência” (4).
Pelo fato de analisar as diferentes possibilidades de cenários a partir das temáticas, o diretor faz o levantamento de uma série de questões presentes no texto que nos auxiliam no exercício de pensar organicamente a estrutura da peça em diferentes níveis de debates e problematizações com a conjuntura em que é encenada:
“(…) acho que por trás de tudo está o Medo, todos os personagens, com certo desespero, se agarram a valores, mesmo que não os aceitem, tomados por um medo, a insegurança de uma vida econômica e social falsa e incerta, de um cotidiano massacrante, etc” (5).
Na busca de uma encenação lúcida e provocativa, Fernando Peixoto expõe uma série de problemas que ele encontra no texto como sua estrutura tradicional, que acaba sendo, inicialmente um entrave no desenvolvimento da construção da peça, e o próprio final escrito por Consuelo de Castro, que em sua opinião, peca pela falta de complexidade. Porém, a crítica neste caso não é feita pela simples razão de desmerecer e destruir o texto, mas sim, enriquecê-lo; na medida que o diretor se esforça e tem liberdade para isto no intuito de “situa-lo dentro de uma verdade histórica mais real”(6), outro importante ponto na compreensão do debate cênico proposto.
O terceiro texto, “Os espetáculos que realizei, como nasceram”, tem um caráter interessante pelo fato dele fazer uma série de reflexões sobre os espetáculos que produziu até o ano de 1986 e dá uma dimensão panorâmica de seu trabalho, marcado pelo esforço, pela luta e coerência na busca de um teatro compromissado com transformação da sociedade brasileira. De uma forma bem humorada relembra a produção da peça “Caminho de Volta”, pois estava se recuperando de uma hepatite, mas mesmo assim, assumiu a direção que antes estava cogitada para ser de Mário Masetti.
Nesta perspectiva, fechamos nosso trabalho com uma reflexão que Fernando Peixoto faz sobre a importância do fazer teatral no país, um trabalho consequente, lúcido e responsável:
“(…) eu acho que o teatro no Brasil, hoje, tem que ser profundamente teatral, enraizado na nossa cultura popular. E tem que ser didático, racional, político, objetivo e direto. Mas isso não que dizer que um artista tem que virar jesuíta ou asceta ou físico ou químico. (…) A gente tem que enfrentar a verdade razão instinto da nossa ciência” (7)
Notas
1) Peixoto, Fernando. Teatro em questão. São Paulo: Hucitec, 1989, p.122.
2) Ibidem, p. 125.
3) Ibidem, p. 123.
4) Peixoto, Fernando. Teatro em pedaços. São Paulo: Hucitec, 1979, p. 188.
5) Ibidem, p. 187.
6) Ibidem, p. 189.
7) Peixoto, Fernando. Teatro em questão. São Paulo Hucitec, 1989, pp. 124 e 125.
*Victor Miranda Macedo Rodrigues é autor da tese de mestrado em história ”Fernando Peixoto como crítico teatral na imprensa alternativa: Opinião (1973-1975) e Movimento (1975-1979). 2008. Universidade Federal de Uberlândia. Orientador: Rosangela Patriota Ramos. O texto aqui publicado integra os Anais do XVII Encontro Regional de História – O lugar da História. ANPUH/SPUNICAMP, Campinas, 6 a 10 de setembro de 2004. Cd-rom.