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Francesco Maringió :O ano do Dragão

A economia chinesa parece estar sofrendo uma brusca marcha a ré. Mas será mesmo assim? Para compreender isso devemos fazer um esforço de raciocínio “à maneira asiática”: buscamos um mundo novo, do qual, se formos capazes, poderemos tirar enormes vantagens. O ano do dragão é um teste também para nós.

Por Francesco Maringió

1 – A festividade mais importante de todo o extremo oriente envolve milhões de pessoas: é o ano novo chinês, que este ano começou no dia 23 de janeiro e, durante 15 dias, ocorrem festejos até o dia da festa da lanterna. Faz parte da tradição nesse período viajar às aldeias de origem e encontrar os familiares. O “protagonista” da festa de 2012 é o dragão, símbolo por excelência da cultura chinesa e signo zodiacal ao qual é associado o ano novo, coincidência que aumentará notavelmente os deslocamentos (e os nascimentos). Um cálculo impreciso fala de 3 bilhões de viagens nestes dias.

2 – Segundo o Banco da China, embora 2012 seja o ano do dragão – alegoria de prosperidade e fortuna –o PIB chinês registrará performance inferior à dos anos precedentes: 8,8% contra 9,3% de 2011 e um constante crescimento de dois dígitos da década precedente. Em dezembro a inflação foi de 4,1%, sinalizando uma forte tendência de queda (era de 5,1% um mês antes e 6,5% em julho), enquanto os preços, na esteira dos aumentos das matérias primas e dos alimentos, cresceram além do teto de 4% fixado pelas autoridades (chegando a 5,4%). Nesse quadro, não há dúvidas de que a crise econômica jogou um papel não secundário: a China sempre baseou a sua força na exportação e hoje a conjuntura gera maiores incertezas precisamente a respeito dos parceiros comerciais de referência (Estados Unidos e União Europeia).

Os tradicionais vetores da economia chinesa (investimentos, exportações, consumo) estão revelando fadiga para se equipararem aos padrões das décadas passadas. Segundo o Centro de Pesquisa para o Desenvolvimento do Conselho de Estado, já existem sinais evidentes de que a taxa de crescimento na China será mais lenta nos próximos anos, precisamente como já ocorreu na Alemanha em finais dos anos 1960, no Japão, no início dos anos 1970, e na Coreia do Sul em finais dos anos 1990. Encontramos esta desaceleração em diversos campos. Em primeiro lugar nos investimentos em infraestrutura, o mais importante motor do crescimento, que está hoje em forte queda em comparação com os investimentos totais: em 2006 representava mais de 30%, enquanto em 2011 caiu a cerca de 22%. Em segundo lugar, caiu nos últimos anos o aporte fornecido ao PIB nacional pela taxa de crescimento das províncias e municipalidades da costa sudeste. Em terceiro lugar, adverte-se para uma forte preocupação por parte dos poupadores com respeito aos investimentos feitos no mercado imobiliário e nos portfólios financeiros dos governos locais.

3 – O sistema de pensamento tradicional do qual a própria figura do dragão é filha, é fruto de milênios de superposição e entrelaçamento de diversos pensamentos filosóficos e cânones culturais. O dragão é um animal mítico polimorfo, que inclui todos os demais da mitologia chinesa. Codificado graficamente pela primeira vez durante a Dinastia Song (960-1279) de Guo Ruonxu, é fruto da composição de nove animais tradicionais (camelo, carpa, veado, coelho, vaca, crocodilo, rã, tigre, águia). As escamas do corpo são da carpa, da qual há provavelmente uma reelaboração e da qual mantém as cores auspiciosas principais (ouro e vermelho). Tradicionalmente, a figura do dragão tem sido usada durante milênios pelos imperadores como principal emblema do poder imperial.

Na cultura ocidental os dragões são, contrariamente, associados à época medieval, aos castelos com fossos e cavaleiros e, sobretudo, são seres monstruosos que cospem fogo e aterrorizam tanto a terra como as fadas. Na tradição cristã, pois, o dragão torna-se a personificação do mal: “Deus enviou-me a você para livrá-lo do dragão, se você abraçar a fé em Cristo, receber o batismo, eu vou matar o monstro”, afirma São Jorge que, segundo a tradição, é aquele que matou o dragão, o arquétipo do "inimigo da humanidade".

Enquanto continuarmos a olhar o dragão chinês apenas com os nossos parâmetros culturais, dificilmente compreenderemos a importância de que se reveste este símbolo alegórico e nos cansaremos para compreender o significado daquela dança que tantas vezes vimos representada com o desfile do dragão de papel machê e tecido das comunidades chinesas no nosso país. Enquanto o dragão continuar a ser para nós uma longa serpente que cospe fogo, temível e maligna, dificilmente poderemos entrar em sintonia com os chineses. Porque para eles o dragão será sempre um animal associado com o Céu, ao passo que para nós com as profundezas.

4 – Depois desta digressão, retomemos o fio da meada: vistos os dados sobre a situação econômica em finais de 2011, estamos diante da crise do modelo de crescimento chinês? Segundo os nossos cânones, a resposta só pode ser afirmativa. Mas se nos esforçamos por aprender algo sobre o dragão e a diferença de enfoque entre nosso mundo e o oriente, talvez consigamos não confundir mais o Céu com as profundezas.

O que vivemos é uma mudança de fase importante: o ano do dragão será aquele em que a China registrará a passagem a uma fase de crescimento com velocidade intermediária. De um regime de desenvolvimento de dois dígitos se passará gradualmente a um crescimento anual del 6% a 7% por um período de 10, 15 ou mesmo 20 anos. A lição mais importante que a China aprendeu da crise financeira internacional é que o desenvolvimento da economia virtual (financeira) e o da economia real não podem ser reciprocamente vantajosos: a razão principal pela qual os países ocidentais não emergiram da crise é que a economia real, compreendida a produção, não cresce. A receita econômica chinesa prevê, ao contrário, testemunhar estrategicamente uma produção fortemente competitiva, desenvolvendo paralelamente a indústria dos serviços, e em particular a pesquisa e o desenvolvimento, a logística e os sistemas de informação, a fim de melhorar a eficiência produtiva.

Dificilmente o setor da infraestrutura poderá continuar a ter nos próximos anos o desempenho extraordinário das décadas passadas, porque este, como a indústria a que está ligada, como a de materiais ou as empresas de cimento, estão entrando na fase do seu pico histórico de demanda e capacidade produtiva. As próprias pequenas e médias empresas do sudeste chinês têm experimentado notáveis dificuldades por causa da contração da demanda, do aumento dos custos de produção e das dificuldades com o crédito, portanto não poderão crescer como no passado. Para responder a esta exigência, Pequim está se preparando para iniciar um período de desaceleração do crescimento e a reconfiguração do modelo de produção será baseada a partir de agora, em algumas grandes empresas com substancial ajuda na economia de escala, juntamente com uma miríade de pequenas e médias empresas com benefícios especializados. Por esta razão, a palavra de ordem de agora em diante será: qualidade, pesquisa e inovação tecnológica.

Depois do desenvolvimento acelerado e um crescimento expansivo na sequência da reforma e abertura de 1978, o novo Plano econômico (o 12º) pôs acento sobre o aumento da qualidade do próprio desenvolvimento: rebaixam-se as expectativas de crescimento para elevar a sua qualidade. É esta a herança política que Hu Jintao deixa a Xi Jinping, que este ano será eleito o novo presidente da República e secretário-geral do Partido Comunista Chinês, para reduzir os desequilíbrios (entre a cidade e o campo, entre as zonas costeiras e as regiões interioranas…) e promover um desenvolvimento harmônico da sociedade. E para isto se põe como objetivo o aumento do nível de proteção ambiental, a criação de 45 milhões de novos postos de trabalho, a construção de 36 milhões de casas populares e o soerguimento de um sistema de pensões e aposentadorias que cubra todos os camponeses chineses.

5 – O desafio deste gigantesco plano diz respeito também a nós. Enquanto no Ocidente continuarmos a ver no dragão chinês uma ameaça da qual devemos nos afastar, dificilmente conseguiremos enganchar o nosso carro à locomotiva do desenvolvimento asiático. Só uma discussão profunda dos nossos preconceitos ajudará a inverter a rota. Para a nossa política, portanto, o ano do dragão pode ser um importante teste, mas também uma iminente necessidade. Estaremos à altura?

*Membro da Direção Nacional do Partido dos Comunistas Italianos (PdCI), responsável pelas Relações Internacionais

Fonte: Marx 21