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Hélder Castro: Glória aos gregos

Amanhã, o primeiro-ministro, este ou outro, proibirá o riso. Em nome do aumento da produtividade nacional. E depois, o que se seguirá?

Por Hélder Castro

Os governantes lusos parecem ter vocação para acumular disparates. Os portugueses, a braços com um empréstimo de 78 bilhões de euros contraído o ano passado, com uma dívida pública que é 110 por cento maior que a soma de todas as riquezas produzidas pelo país, e com o futuro hipotecado pelos desmandos de governantes pouco sensíveis, em geral, ao interesse coletivo e muito menos ao nacional, estão agora proibidos de brincar ao Carnaval.

Quando, em 1993, o então primeiro-ministro Cavaco Silva, do Partido Social Democrata, decidiu que não haveria “tolerância de ponto” para os funcionários públicos se divertirem na quadra carnavalesca, o país ficou mais triste. Afinal, até a vetusta Igreja católica havia percebido nos idos da Idade Média que o seu rebanho precisava ter uma folguinha no ano para folguedos.

Quase duas décadas depois, na onda da profunda crise econômica e financeira, o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, também do PSD, o que me parece ser só uma coincidência, replica o disparate.

Numa época em que o capitalismo, para sobreviver, procura reinventar, com maior ou menor dose de criatividade e sucesso, tudo o que se possa imaginar para manter os trabalhadores relativamente felizes e sossegados, o governo português decide que a terça-feira de Carnaval não será dia de folguedos, mas sim um dia de trabalho, de preferência sob um céu de nuvens cinzentas.

Portugal vive tempos difíceis, de apertar o cinto – o que, aliás, a maioria da classe média nacional nunca deixou de fazer -, mas não seria um “feriado”, ainda que facultativo, que aumentaria a penúria nacional.

Passos Coelho justifica que não seria aceitável manter a folga do Carnaval depois de ter cortado outros feriados. O raciocínio é linear e confirma a propensão do primeiro-ministro para os excessos.

O problema de Portugal não é ter mais feriados que outros países, que não os tinha. O problema de Portugal não é os portugueses trabalharem menos que os outros cidadãos europeus. O problema de Portugal não é os seus cidadãos serem menos aptos ou capazes. O problema de Portugal é ser governado, geração após geração, por elites econômicas e políticas egoístas e pouco sérias, acasteladas num sistema de representatividade falho e pouco democrático.

Amanhã, o primeiro-ministro, este ou outro, proibirá o riso. Em nome do aumento da produtividade nacional. E, depois, o que se seguirá? Por mim, glória aos gregos que, não sendo nenhum poço de virtudes, pelo menos quebram a louça e não levam para casa desaforos.

Fonte: África 21