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Apolônio, herói do socialismo – e de três pátrias

A cerimônia que lotou o auditório do Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro, dia 8 (quarta feira) foi uma festa da qual, com certeza, o heróis de três pátrias, o comunista brasileiro Apolônio de Carvalho, teria gostado. Ali, ao som da Internacional – e na véspera de seu centenário – foi entregue para aquele acervo público o arquivo deste combatente pelo futuro, que deixou de viver em 2005.

Por José Carlos Ruy (*)

Lá estava sua companheira de vida inteira, a revolucionária Renée de Carvalho, nascida na França, tornada brasileira e heroína da democracia e do socialismo. Estavam seus filhos, e também amigos de sua longa vida de lutas, como Olga Sodré, filha do também centenário historiador marxista Nelson Werneck Sodré, amigo de Apolônio desde a Escola Militar, na década de 1920; o dirigente petista carioca Jorge Bitar; a advogada de presos políticos e amiga da família Ana Maria Müller; o jornalista Álvaro Caldas, companheiro de prisão de Apolônio sob a ditadura militar e trocado pela liberdade do embaixador alemão junto com ele e com outro militante do PCBR, o Carlos Eduardo Fayal de Lira (o embaixador fora sequestrado por um comando revolucionário para, justamente, libertar lutadores revolucionários que estavam sob tortura nos cárceres da ditadura). Lá estavam também Jaime Antunes, diretor do Arquivo Nacional; Uadi Damus, presidente da OAB; e a historiadora Marly Vianna.

Foi uma festa democrática e socialista. Não podia ser de outro jeito! Apolônio de Carvalho, nascido em 9 de fevereiro de 1912, envolveu-se na luta pelo progresso social e pelo socialismo quando era ainda um jovem oficial do Exército brasileiro: em 1935 ajudou a criar a Aliança Nacional Libertadora (ANL) no Rio Grande do Sul, e o preço dessa ousadia foi sua primeira experiência na prisão, em 1936, tendo sido além disso expulso do Exército pelo governo de Getúlio Vargas. Ao sair da cadeia, em julho de 1937,filiou ao Partido Comunista do Brasil, para continuar a luta.

E continuou: foi para a Espanha lutar pela República, nas Brigadas Internacionais, contra os fascistas de Francisco Franco. Ficou lá até 1939, quando foi para a França onde ficou preso até 1940; fugiu e, em Marselha, juntou-se à Resistência (em 1942) para lutar contra os nazistas que ocupavam o país e contra os fascistas locais que apoiavam os invasores. Distinguiu-se na luta e foi, mais tarde, reconhecido como herói da França e condecorado com a Legião de Honra. Naquele ano conheceu Renée, uma jovem militante comunista da Resistência, com quem se casou depois e foi a companheira de sua vida inteira, cuja saga está contada no livro "Uma história de lutas" que a historiadora Marly Vianna lança hoje, dia10, em Brasília.

Com o fim da Segunda Grande Guerra, a luta continuou no Brasil, nas fileiras do PCB, até 1967 quando, por profundas divergências com a direção comunista, Apolônio rompe com o partido e, juntamente com Mário Alves, Jacob Gorender e outros, funda o PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário).

Era o tempo da ditadura 1964 e Apolônio pagou outra vez, na prisão, a ousadia de sonhar com o futuro. Preso em 1970, com Mário Alves (assassinado sob tortura) e Jacob Gorender, é violentamente torturado; naqueles meses, seus filhos Raul e René-Louis também são presos. Em junho, Apolônio, com outros 39 presos políticos brasileiros, são trocados pela liberdade do embaixador alemão, e enviado para o exílio, em Argel (Argélia). Só voltará ao Brasil em 1979, depois da lei de Anistia. E volta à luta, agora ligado ao grupo de militantes e dirigentes operários e socialistas que fundaram o Partido dos Trabalhadores, do qual foi um dos fundadores.

A decisão de sua família, de doar o acervo que retrata esta vida de luta – e de sonhos – foi saudada por Jaime Antunes. “A doação assume uma outra importância pelo aspecto didático”, disse ele, “de que acervos da história brasileira precisam cumprir uma função social. E essa função é dada a documentos e arquivos quando são disponibilizados por uma instituição pública para um maior número de pessoas possível que têm interesse sobre esse tema ou sobre o período que retrata”.

(*) Com a ajuda inestimável de Marly Vianna