Publicado 13/02/2012 12:22 | Editado 04/03/2020 16:30
Quero beber Neruda gota a gota. Em toda a sua mais fantástica poesia universal chilena. Subir nos Andes, a cordilheira altíssima, embriagar-me de absinto, cerveja e vinho de uva. Um porre homérico sob a sinergia poética e revolucionária de Neruda.
Quero, incontinenti, beber Neruda em toda a sua auspiciosa faina. Subir o topo mais alto do planeta e quem sabe, depois da cordilheira; fartar-me de uma poesia errante e aventureira. E assim, viajarei sobre as nuvens nas asas de todas as águias e dos pássaros das montanhas. De onde fatalmente chegarei ao Araripe do nosso Patativa. Porei os meus pés pela primeira vez no pico das bandeiras, da Neblina e o cume perigoso do Everest. Ascenderei ao sagrado píncaro do Nepal. E junto com Neruda amarei todas as mulheres das Américas andinas. Misturarei meu sangue com os das belas etnias das índias cordilheiras. Rezarei para Buda. Cantarei uma litania para todos os espíritos de luzes…
Serei a própria poesia de Neruda na sua dimensão mais autêntica, etérea e mundial. Vestir-me-ei por assim dizer, de um grande poeta universal. Encher-me-ei de livros.
Quero beber Neruda em grandes taças de italiano cristal. Salgar sua lavra em pergaminhos antigos e palimpsestos com o sal chileno tirado do solo pátrio daqueles desertos infernais.
Por fim, levarei todos eles comigo, envoltos em peles de lhanas e de búfalos africanos. Desafiarei o próprio Saara ocidental. Quero me fartar dos poemas de Neruda. Chorar seus versos mais fortes e comovidos em sua própria fonte, subindo as serras de todos os altiplanos do velho Chile. Chorar demasiadamente em todos os sentimentos idiomáticos e emoções humanas a sua poesia construtiva e sentimental. Sentir em meus dedos todas as expressões do mundo, assim como o sentimento de Drumond e de Garcia. Como ele próprio(Neruda) um dia, chorara mui profundamente em si mesmo, a trágica morte do seu socialista amigo Allende(suicídio ou assassinato?). Ah como dói, sentir todo o ódio e todo o asco a la Pinochet…
Quero contemplar o mundo numa perspectiva diferente, do alto dos Andes chilenos, embevecido pela poética afirmativa e forte de Neruda. Sentir o calor dos trópicos e o frio das minas do longo deserto do Atacama, mascando as sagradas folhas de coca extraídas pelas mãos delicadas das belas índias bolivianas, bem como das matas guerrilheiras da Colômbia. Ultrapassar a largos passos a linha imaginária dos trópicos e meridianos.
Banhar-me junto de Neruda nas águas mornas das ilhas Galápagos (mares e rios), vislumbrar o mesmo cenário inusitado de Darwin, já para as bandas do velho Equador. Onde o mestre se encantara um dia. Surpreender-me com todos os enigmas de Nazca no Peru e logo em seguida, me embrenhar na densa selva colombiana na direção tangente para a Venezuela.
Quero com o velho Neruda pisar, igualmente, o sagrado chão onde a CIA certa feita, matou covardemente Che Guevara – léguas tiranas manchadas de sangue guerrilheiro da província de La Higuera – inóspitas matas quase inda hoje abandonadas da Bolívia.
Quero este passeio sugestivo, sulmamericano com Neruda. Depois fumarmos juntos, um Havana adocicado romanticamente pela língua e a saliva das bonitas, educadas e românticas mulheres cubanas. Hálito guerrilheiros, mares bravios, sentimentos fugidios, segredos íntimos e indizíveis.
Cantar e dançar a sua boa música. Ler José Marti e desafiar toda a ignorância e a prepotência ianque de uma Miami falida. Quem sabe, sob vários goles do mais puro rum e de tequila, olharmos nos olhos as estátuas de Marti, Cami, Che e Simon Bolivar.
Dançar com todas as belas donzelas do Chile e das Américas, bebendo o supra-sumo da poesia chilena e universal de Pablo Neruda. Experimentar a sua velha boina na minha própria cabeça como o próprio solidéu de um papa diferente que viveu e toda a tragédia e o sofrimento da sua gente como na própria pele.
Olhar de perto a sua inimitável caligrafia. Sentir seu jeito amigo e acolher em mim mesmo todos os seus conselhos. Voar decididamente sob o céu da Terra e da amada pátria de Neruda. Tecer longas conversas noite adentro com o poeta e todas as suas antigas namoradas. Depois, já pelas tantas da madrugada, vislumbrar nosso João Cabral deliciando-se com as touradas de Sevilha, Madrid e Barcelona. Sentir nas minhas próprias mãos todo o fogo ardente e feminino das provocantes e belas mulheres da Espanha. Ouvir demoradamente, bem de perto o instigante papo de Neruda como o pernambucano vate do Brasil. Em seguida, bebermos coletivamente todo o vinho possível que têm as noites da Espanha, da França e de Portugal.
Recitar para ele a tabacaria de Pessoa – o bom e imortal vate português, assim como a chorosa e emocionante poesia de Florbela Espanca. Quero este passeio inusitado com Neruda. Voar tranqüilo como que na calda mitológica do ‘pavão misterioso’ pelas ilhas e todos os arquipélagos das Américas.
Sonhar tantos e deveras os absurdos em meus desvarios literários. Abraçar minhas utopias com os meus braços cheios de conquistas e de metáforas. Sentir na minha língua e mãos a força e a ternura dos beijos de todas as musas que inspiraram Neruda pela vida.
Ler com o poeta do Chile em voz alta, até mesmo a minha própria prosa e os meus poemas prediletos na mais legítima tradução do idioma castelhano. Quero com Neruda encher-me de milhões de Amazonas para depois me esparramar poeticamente sobre a caatinga e toda a cultura dos meus sertões.
Sentir na minha boca sob os ventos alísios dos Andes toda a poética-sangue, suor e sal de Angola e Moçambique. Adentrar nesta viagem surrealista a Amazônica selva do Brasil e, deste modo ousado e sonhador, render sinceras homenagens póstumas à Plácido de Castro, Rondon e Chico Mendes no seu Xapuri ainda violento e matagal. Cantar, quem sabe, em versos e prosas para nosso Neruda visitante, numa canção nativa, a mais linda lavra de Thiago de Melo e Manuel de Barros, Cora coralina e Patativa.
Quero por fim, beber Neruda nesta noite fria. Viver para sempre nos Andes chilenos de onde o mundo e as pessoas nunca são tão grandes como se pensam e se imaginam pela vida afora. Subir o Nebo do mundo, e lá de cima nunca mais enxergar qualquer fronteira. Enxarcar-me de virtude, humanismo e solidariedade… Porque, somente a poesia é que tem o poder de engrandecer a vida e tudo o mais que no mundo exista. A poesia é que dá substância as idéias e corpo aos sentimentos. A vida é nada sem poesia…
Quero beber Neruda, assim como toda força e todo sangue ancestral contido na sua poesia. Poeta andino do Chile americano. Mestre imortal de todos os tempos – Neruda: o poeta-vinho das cordilheiras dos Andes. Vinho bom, maravilhoso e adocicado que uma vez bebi e desde, então nunca mais me esqueço. Quero enfim, beber Neruda e sobre as cordilheiras dos Andes gritar ao mundo, ao planeta, à fauna humana – de que sou feliz. E que, para sermos felizes temos que, de algum modo, sorver um pouco do sonho e do entusiasmo do velho poeta Neruda.
Sorver com meus lábios e língua todos os beijos doces das mulheres sul-americanas nerudianas. Matar minha sede ante o idioma e dialetos que há milênios nos aproximam como um presente dos anjos apaixonados de Deus. Quero degustar a poesia almiscareira, humana, afrodisíaca e cheirosa de Pablo Neruda. O poeta-mor das Américas andinas. Adormecer pra vida e acordar pro futuro no amanhã que há tempo me espera segundo o mapa-múndi poético de Neruda. Quem sabe, quando a poesia puder ser chamada simplesmente pelo nome fúlgido de mulher.
Toda a completude do mundo será uma eterna festa de luzes. Um verso altivo.Um instante eterno. Um poema, o qual por pura necessidade absoluta daremos inevitavelmente o nome de Neruda.
*José Cícero é Escrito, Pesquisador e Poeta