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Michelle Amaral: o silêncio como arma de intimidação

Não restam dúvidas de que a abertura da Copa do Mundo de 2014 no Brasil será em Itaquera, na zona leste de São Paulo, assim como seis jogos do mundial. A construção do estádio do Corinthians, que será palco do torneio na capital paulista, está a todo vapor, com previsão de conclusão para o final de 2013.

Por Michelle Amaral*

Para a realização da Copa em Itaquera, além dos incentivos fiscais por parte dos governos municipal e estadual e o financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para a construção do estádio, o poder público promoverá profundas alterações na região, principalmente na estrutura viária, de modo a facilitar o acesso ao palco do mundial.

Avenidas terão que ser alargadas, e serão construídos túneis, viadutos e ligações entre o Aeroporto Internacional de Guarulhos e o estádio. Também estão sendo feitos o Parque Linear Rio Verde e o Polo Institucional de Itaquera, ao lado da arena do Corinthians.

Há incerteza, contudo, sobre o futuro das comunidades localizadas onde essas obras serão realizadas. De acordo com Glória Orlando, do Comitê Copa Pra Quem, em torno de 15 comunidades da zona leste de São Paulo poderão ser afetadas. Trata-se de favelas localizadas no entorno do estádio e ao longo das principais vias da região.

Sem informações

Tita Reis, também integrante do Comitê, afirma que o número de comunidades é baseado em informações obtidas através de uma investigação feita pelos moradores da região junto às secretarias municipais que estarão envolvidas nas obras, porque não houve, até o momento, um posicionamento oficial do poder público sobre o futuro dessa população. “Eles mostram um desenho onde vão ser feitas essas obras, todas em cima das comunidades. Mas qual é o projeto para elas?”, indaga.

Tita relata que a única secretaria que chegou a falar sobre a remoção das famílias foi a do Verde e do Meio Ambiente, por conta da construção do Parque Linear Rio Verde. No entanto, a realocação dos moradores deve ser feita pela Secretaria de Habitação que, segundo ele, ainda não se pronunciou.

Clodoaldo Rocha de Oliveira, morador da Comunidade Caititu, localizada entre os bairros de Itaquera e São Miguel, conta que a insegurança das populações dessas comunidades ameaçadas de remoção é muito grande. “A gente tem tentado buscar informações junto à subprefeitura, mas nunca consegue, porque não dão as informações”, afirma.

Oliveira conta que sua família vive na comunidade há mais de 15 anos e que alguns moradores chegaram a ser comunicados sobre a remoção, sob a alegação de que as casas estão construídas em área de risco. A comunidade foi formada a partir de 1975 ao longo da avenida Caititu, à beira de um córrego, em um terreno público.

De acordo com a Secretaria de Habitação, existem 130 imóveis no local. No entanto, segundo o levantamento do Comitê, a Caititu deverá ser removida para a construção de uma alça de acesso da avenida Jacú Pêssego até a Radial Leste, a fim de facilitar o acesso do aeroporto de Guarulhos ao estádio.

Falta assistência

Glória reclama da falta de assistência às famílias, que não têm encontrado nos órgãos responsáveis as informações e o auxílio necessário. “Muitas famílias já vêm sendo ameaçadas, mas não têm suporte nenhum”, afirma.

Segundo ela, os moradores chegaram a procurar ajuda da Defensoria Pública de São Paulo, que os orientou a fazer um cadastro das famílias das comunidades que podem ser removidas. “Fizemos o cadastro de centenas de famílias e, quando a gente foi entregar em um desses atendimentos com a unidade móvel, os defensores não pegaram, disseram que não tinham onde guardar”, descreve.

A Defensoria Pública, por sua vez, através da assessoria de imprensa, informou que o cadastro não foi recolhido porque, como não existe ainda uma notificação oficial sobre a remoção das famílias, não há como dar encaminhamento a um processo. “Caso haja notificação por parte da Prefeitura sobre essas remoções, as famílias podem procurar a Defensoria”, afirmou a assessoria de imprensa.

Clodoaldo ressalta, entretanto, que as ameaças de remoção já começaram a se concretizar e, mesmo assim, as famílias não estão recebendo assistência. Por conta da ampliação da Nova Radial Leste, várias famílias estão sendo removidas de forma arbitrária de suas casas na comunidade da Vila Progresso pela Subprefeitura de Itaquera.

Jogo de empurra

Segundo Glória, existem muitos projetos de desenvolvimento para a região do entorno do estádio, mas que não visam o futuro das comunidades ameaçadas de remoção. “As secretarias apresentam projetos de desenvolvimento e progresso da região, mas nunca falam das desapropriações”, afirma. De acordo com Tita, os órgãos da administração municipal “ficam num jogo de empurra e até agora não apresentaram nada para a população que será atingida pelas obras da Copa”.

Uma das favelas que deverá ser removida é a Comunidade da Paz. Segundo Valter de Almeida Costa, coordenador do movimento Nossa Itaquera, em torno de 300 famílias vivem na comunidade, criada a partir de 1991. Na área ocupada será feita a ligação entre o Parque Linear Rio Verde e o Polo Institucional de Itaquera, ambos em construção.

Costa relata que os imóveis localizados onde o primeiro trecho do parque está sendo construído eram regularizados; assim, houve uma negociação do poder público com os proprietários para as desapropriações. Já com as famílias que moram na Comunidade da Paz, segundo ele, espera-se que o tratamento não seja o mesmo. “Nessa primeira fase houve um comportamento, na próxima fase o comportamento será absolutamente diferente. Com a ocupação não há conversa”, sustenta.

Segundo o sociólogo e integrante do Comitê Copa Pra Quem, Tiarajú Pablo D’Andrea, “o morador da favela não tem força política nenhuma para fazer valer o seu direito de uso do solo”, por isso “a política é muito mais autoritária com ele”.

No dia 2 de fevereiro, os moradores da Comunidade da Paz, juntamente com o movimento Comunidades Unidas da Zona Leste, realizaram um ato em frente à Subprefeitura de Itaquera. O objetivo da ação foi cobrar do subprefeito Paulo Cesar Máximo um posicionamento sobre o futuro da comunidade, prometido há um ano. “Ele disse que precisava de exatamente um mês para fazer um levantamento e falar para as famílias o que vai acontecer. Daqui a um mês voltaremos para cobrar essas informações”, afirma Glória.

Questionada sobre o destino dessas famílias, a Subprefeitura de Itaquera, por meio da assessoria de imprensa, orientou a reportagem a procurar a Prefeitura de São Paulo para obter tais informações. A prefeitura, por sua vez, não respondeu aos questionamentos até o fechamento desta edição.

Política do silêncio

De acordo com D’Andrea, a falta de informações da administração municipal sobre o futuro dessas comunidades segue a tônica do governo de Gilberto Kassab (PSD) de não dar voz à população de baixa renda, a fim de que esta não possa reivindicar seus direitos. “A prefeitura exerce o poder por meio do silêncio. O que torna ainda mais violenta sua ação contra a população, porque não referenda essa população como sendo digna de interlocução”, analisa.

O sociólogo avalia, ainda, que os governos estadual e municipal utilizarão o atraso das obras da Copa do Mundo para justificar remoções arbitrárias dessas comunidades, por isso estão demorando tanto para dar um posicionamento às famílias. “Se essa população já não é ouvida agora, imagina faltando um ano para a Copa do Mundo, quando as coisas vão estar em cima da hora?”, pondera.

Segundo ele, “o poder público age com essa lógica do atraso, porque quanto mais atrasado está, haverá mais pressões internacionais para as obras serem concluídas, o que vai se reverter em pressão dentro do Brasil e justificar todo um estado de exceção”.

*Michelle Amaral é jornalista.

Fonte: Brasil de Fato.