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Damásio: cérebro, seleção natural e consciência

Em seu novo livro, o neurocientista António Damásio dá novos passos no rumo de uma compreensão materialista da consciência e do cérebro.

Por Verônica Bercht

António Damásio

Já faz tempo que a consciência deixou de ser o atributo que nos separa dos nossos companheiros do vasto reino animal. A existência de comportamentos surpreendentes, que denotam alguma "consciência" em seres tão simples como as bactérias ou sofisticados como os gorilas, nossos primos-irmãos, é inegável. Qualquer pessoa que observou um formigueiro, o peixe no aquário, ou o gatinho ronronante há de concordar.

Mas em que elas são semelhantes? E como qualificar as diferenças entre a "consciência" de uma bactéria e a de um chimpanzé ou a nossa?

Quem encara o desafio de responder a essas questões é o neurocientista português António Damásio no livro E o cérebro criou o homem (São Paulo, Companhia das Letras, 2011). O título em português está longe de ser preciso e é uma brincadeira questionável para resolver a dificuldade de traduzir para o público em geral a complexidade do original em inglês Self comes to mind: constructing the conscious brain, de 2009.

Antônio Damásio é professor de neurociência na University of Southern California (EUA), e considerado um dos maiores especialistas contemporâneos numa área que sua pesquisa ajuda a desbravar: o cérebro, tema sobre o qual dedicou outros livros, entre os quais O Erro de Descartes, O Mistério da consciência; Em busca de Espinosa.

Corajoso, Damásio dá os primeiros passos para entender a origem da consciência já nas reações químicas dos primeiros seres vivos e como, através da ação da seleção natural, ela se constituiu nesse atributo que sabemos que todos portamos mas mal sabemos definir.

Esse é o tema dos dois primeiros capítulos de E o cérebro criou o homem, onde apresenta os princípios que norteiam a construção do que Damásio reluta em chamar de teoria, ou mesmo hipótese, e chama de "estrutura". Essa estrutura, que envolve homeostase, self, mente, cérebro, consciência e inconsciência, teria sido promovida pelo que ele chamou de regulação da vida: o conjunto de processos que surgiram nos seres vivos para garantir a manutenção da vida no organismo.

É realmente uma nova maneira de entender o que é a consciência, que coloca de cabeça para baixo a visão que temos de nós mesmos como portadores dessa conquista biológica. Vale a pena encarar o desafio de entendê-lo, pois mesmo que o autor se esmere em facilitar para o público geral, o assunto ainda está longe de ser trivial.

(*) Verônica Bercht é bióloga, jornalista científica e editora

Fonte: Galpão das Letras