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Esporte: a suada disputa pelo ouro

O ouro em questão não se refere apenas às medalhas que o atleta recebe no pódio da vitória, mas à busca incessante por patrocínio. Com a criação do Ministério do Esporte, em 2003, o heroísmo dos nossos primeiros campeões vem sendo substituído pelo apoio financeiro do Bolsa Atleta, lei que “revolucionou o esporte no Brasil”, segundo os beneficiários. Outra iniciativa de destaque do Ministério é o Talento Esportivo, que identifica vocações nas populações carentes.

A marca dos primeiros atletas brasileiros que entraram para o ranking dos melhores no mundo era a persistência, mais que disciplina. Persistência que envolvia não só dedicação aos treinos como também a garra de levantar mundos e fundos para participar de competições no Brasil e no Exterior.

A luta fora das quadras e campos era inglória, muitos talentos desistiam. Não espanta que nossos principais campeões de décadas passadas tenham saído, majoritariamente, de modalidades de elite, como o tiro, vela e tênis.

O idealismo e a paixão moviam atletas como a tenista Maria Esther Bueno, que começou cedo e certamente teve que recorrer a recursos próprios para construir a brilhante carreira, que a imortalizou entre as únicas oito mulheres do mundo a vencer três vezes em Wimbledon e nos Estados Unidos.

Há exceções a essa regra, como Adhemar Ferreira no atletismo, primeiro brasileiro a levar duas medalhas de ouro e o inventor da consagrada volta olímpica, em 1952. Apesar da origem pobre, ele conseguiu destaque treinando e competindo pelo São Paulo, mas a vida não foi fácil. Sobrecarregava-se trabalhando durante o dia e treinando à noite.

Estigmas e superações

Histórias como a de Adhemar, que dedicava menos que meio período ao esporte, tendem a ficar no passado desde que o Brasil passou a ter um ministério dedicado ao esporte. Um dos primeiros grandes feitos da instituição foi a criação do Bolsa Atleta, lei sancionada pelo então presidente Lula em 9 de julho de 2004. Vicente Parisi, pai do campeão em saltos ornamentais Hugo Parisi, considera que o programa “já salvou muitos atletas da aposentadoria precoce”.

O Talento Esportivo, outro dos programas do Ministério, colocou no mercado vocações insuspeitas, como a de Cleia Guilhon, única esgrimista negra da categoria de espadas no Brasil.

Descoberta em 2007, Guilhon tornou-se a terceira colocada no ranking nacional já no ano seguinte. No último mundial surpreendeu ao vencer uma chinesa que estava entre as melhores do mundo e chegar entre as 64 melhores. Cleia também foi 11˚ no mundial juvenil.

A jovem de 23 anos considera o esporte como uma possibilidade concreta de mudança de vida para brasileiros de todas as origens, reclama: “As pessoas vêem a esgrima como um esporte de rico, mas isso não passa de preconceito. Logo conseguiremos popularizar o esporte para que todos possam praticar”.

Hugo Parisi: “Nosso esporte é muito técnico, não contamos com a sorte”

A cinco meses da 25ª edição dos Jogos Olímpicos, que será disputada em Londres, na Inglaterra, a delegação brasileira já assegurou 161 vagas, em 22 modalidades esportivas. Do total de classificados, 30 são bolsistas do Ministério do Esporte. Hugo Parisi, com vaga na competição de saltos ornamentais, é um deles.

Hugo vê com bons olhos não só as suas chances em Londres como o cenário atual do esporte no Brasil: “O surgimento do programa revolucionou o meio esportivo. Uma segunda evolução foi a liberação para patrocínios em conjunto com o auxílio”.

Para Hugo, o Brasil “não só cresceu com este incentivo como continua crescendo”. Ele aponta outra conquista dos últimos oito anos: “O esporte está deixando de ser visto como lazer para ser encarado como profissão”.

Hugo diz que o Bolsa Atleta o sustenta, porque banca seus gastos e permite dedicação integral aos treinos, mas não consegue dimensionar se o programa foi determinante para sua escalada ao panteão olímpico: “Agora que sou atleta olímpico, fica difícil dizer se a ajuda do Bolsa Atleta teria feito grande diferença em minha carreira, mas tenho certeza de que quanto mais cedo o incentivo entrar na vida dos novos atletas, mais ele influenciará os melhores resultados”.

Esta também é a opinião do ministro do esporte, Aldo Rebelo, que quer levar as práticas esportivas já para os primeiros anos escolares. “Se analisarmos os países com melhores resultados em competições esportivas, veremos que a educação nessa área começa ainda na escola. Por isso precisamos investir mais nas nossas escolas, nas nossas crianças”, afirmou.
Procura-se treinador

Em 1991, Hugo, um garoto de sete anos, estreou no saltos, entrando na Escolinha do Defer, em Brasília, o treinador Giovani Casilo anunciou sua saída do esporte, justificando que a falta de apoio financeiro o levou a tomar a difícil decisão.

Uma iniciativa dos pais dos alunos o fez reconsiderar a idéia: eles decidiram criar uma associação para manter a Escolinha funcionando e a entidade assumiu o salário do treinador. Assim surgiu a Associação Brasiliense de Saltos Ornamentais – Abrasso, que resolveu o problema temporariamente, mas a crise nesse campo é contínua.

Hugo descreve o déficit técnico atual na sua modalidade: “O grande problema dos Saltos Ornamentais é que não há nenhum investimento em estrutura, capacitação técnica, organização…Quem quer fazer carreira de verdade tem que correr atrás e não é valorizado”.

Para esse problema, Aldo Rebelo apresentou uma solução, anunciando a criação do Bolsa Técnico, agora em março. Com ela, o incentivo financeiro passa a atender uma demanda antiga e fundamental para a performance do país: o investimento no suporte técnico, ou seja, em profissionais que contribuem para o desenvolvimento do atleta, como psicólogos, nutricionistas e técnicos.

Epopeia moderna

A vida de Hugo Parisi no esporte já virou livro, uma narrativa que aponta dificuldades e conquistas, certamente as primeiras superam as segundas, mas o atleta não desiste. Talentoso e com boas marcas, ele é considerado o melhor saltador do Brasil na sua categoria.

Com 27 anos de idade, já participou de duas olimpíadas, mas a medalha de ouro ainda não veio: “Conseguir uma medalha importante é difícil, ainda mais para um país que praticamente não conhece o que é saltos ornamentais. Eu me considero um atleta vitorioso, estou indo para minha terceira olimpíada e hoje sou 15˚ no ranking mundial de saltos ornamentais segundo a Federação Internacional de Natação (FINA)”.

Hugo avalia seu desempenho em relação à experiência: “Na minha primeira olimpíada, em 2004, eu era um atleta muito novo. Já na segunda tive uma evolução muito boa, fiquei uma posição atrás da mudança de fase. Agora, em Londres, quero conseguir meu melhor resultado. O país que domina a modalidade é a China, de lá vem nossa inspiração, sempre”.

Planos futuros

Um pouco de sorte ajuda? Hugo discorda: “Nosso esporte é muito técnico, o fator sorte existe, mas nem o consideramos. Para ser um grande atleta de saltos ornamentais é preciso que haja um bom investimento e bons técnicos”, garante.

Afinado com o mercado do esporte no Brasil, que oferece novas e cada vez mais diversificadas oportunidades para ex-atletas, Hugo já tem planos para depois de Londres e para a aposentadoria na modalidade.
 
“Depois de Londres quero tirar umas férias e recarregar as baterias, porque quero treinar para os Jogos Olímpicos do Brasil em 2016. Daí em diante quero investir numa nova fase em minha vida”. 

Qual será a "nova fase"? Hugo ainda não definiu, mas o tempo está do seu lado: a cada ano, com a consolidação do Ministério do Esporte, prestes a comemorar 10 anos, o mercado para os profissionais do setor cresce, oferecendo novas oportunidades de carreira. É ouro para o Brasil!

Por Christiane Marcondes, de São Paulo