Sem categoria

MPF cumprirá sua obrigação na busca pela verdade, diz procurador

A denúncia criminal do Ministério Público Federal (MPF) contra o coronel da reserva do Exército Sebastião Curió Rodrigues de Moura, conhecido como Major Curió, pelo crime de sequestro qualificado contra cinco militantes, capturados durante a repressão à Guerrilha do Araguaia criou a primeira possibilidade real da condenação de um torturador do período da ditadura militar (1964-1985) no país.

Por Mariana Viel

Lamentavelmente, na sexta-feira (16) a Justiça Federal do Pará negou o pedido do MPF. Em entrevista ao Vermelho, o procurador–chefe da República no Estado do Pará, Ubiratan Cazetta, diz que a negativa estava entre as possibilidades previamente consideradas pelo MPF. Ele explica que a questão da busca pela verdade e da condenação dos torturadores dos anos de chumbo é envolta em uma grande complexidade e uma série de conceitos pré-definidos.

Entre os argumentos contrários à possíveis condenações de militares, está a concepção de que a Lei da Anistia teria apagado de uma vez por toda essa questão e que isso faria parte de um processo de conciliação nacional. “Essa é uma ideia muito forte e que faz com que às vezes outros argumentos não sejam nem mesmo considerados. É fácil ver isso tanto na decisão [juiz João Cesar Otoni de Matos, da Vara Federal de Marabá], como no editorial da Folha de S.Paulo de domingo (18) — que afirma isso com todas as letras. É uma discussão que traz uma série de conceitos que precisam ser vistos com muito cuidado”.

O procurador da República explica que a questão específica da Guerrilha do Araguaia é objeto de atuação do MPF há mais de 10 anos. “Fizemos incursões em campo para tentar localizar as ossadas e colhemos diversos depoimentos. Em 2009 foi instaurado um inquérito civil público para acompanhar a questão desses cinco desaparecidos [Maria Célia Corrêa (Rosinha), Hélio Luiz Navarro Magalhães (Edinho), Daniel Ribeiro Callado (Doca), Antônio de Pádua Costa (Piauí) e Telma Regina Cordeira (Lia)] — dos quais se tem uma base documental mais forte que indica a prisão deles pelas forças militares”.

Segundo Cazetta, em 2011 as discussões sobre essa questão foram intensificadas em razão da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos que obrigou o Brasil a uma série de medidas, entre elas buscar a investigação e responsabilização na justiça comum das pessoas envolvidas com essa questão da repressão no período militar. “Também no ano passado acompanhamos duas decisões do Supremo em extradições pedidas pela Argentina e pelo Uruguai em que o STF acabou afirmando que naqueles casos específicos — que a não localização dos corpos — indicava a permanência dos crimes de sequestros. Com esse conjunto de coisas começamos a estudar a ação, montamos a estrutura — basicamente fundada nas decisões do próprio Supremo Tribunal Federal — e construímos a denúncia que foi apresentada na semana passada e rejeitada pelo juiz de Marabá”.

Para o procurador, o debate sobre a ação está apenas começando. Ele explica que provavelmente o próximo passo do MPF será um recurso — chamado de embargo de declaração — para que o juiz possa completar sua decisão. O MPF argumenta que a decisão não apreciou ao menos duas questões importantes: a questão da eficácia e validade da Corte Interamericana no Brasil e a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade.

“Nenhum desses dois temas foram abordados embora fossem objeto da nossa manifestação. Apreciado esse embargo vamos recorrer para o Tribunal Regional Federal da Primeira Região em Brasília pedindo o recebimento da denúncia”.

Cazetta diz que a partir desse ponto existem duas possibilidades: o Tribunal receber a denúncia, que faria o processo voltar para Marabá. A outra possibilidade é o TRF manter a decisão do juiz de Marabá. “Nessa hipótese, provavelmente vamos levar o assunto para o Supremo Tribunal Federal, num recurso para novamente discutir a questão do requerimento, buscando uma coerência do Supremo em relação às suas decisões anteriores [sobre as extradições requeridas pela Argentina e pelo Uruguai]”.

Debate público

Ao mesmo tempo em que a luta pela criminalização dos torturadores busca uma solução jurídica e definitiva para as atrocidades cometidas por agentes da repressão no período da ditadura, o debate público dessas questões exerce um papel fundamental no processo de consolidação da democracia brasileira.

O procurador considera que a possibilidade de debater esses temas e de chamar a sociedade para essas questões já representa um ganho. “Não estamos usando a ação penal para esse debate exclusivamente, mas ele é um dos produtos importantes. Saímos um pouco dessa aceitação passiva que foi a Anistia, sem que os fatos tenham sido trazidos à tona. A simples discussão, sem dúvida nenhuma, já é um ganho porque fazemos com que a sociedade tenha a capacidade de se posicionar”.

Lei da Anistia

Em relação à reabertura do debate sobre o alcance da Lei de Anistia — que está na pauta desta quinta-feira (22) do STF —, Cazetta diz que a possibilidade do Supremo retroceder da decisão de 2010, que confirmou a anistia àqueles que cometerem crimes políticos no período na ditadura militar, é improvável.

“Há a possibilidade teórica, mas é muito pouco provável. O tipo e recurso que está sendo utilizado [o embargo de declaração] não é propriamente para mudar decisões. Ele busca permitir que alguns argumentos sejam melhor discutidos. Mas em tese pode ocorrer”.

O procurador reafirma ainda o compromisso do MPF com o esclarecimento dos crimes ainda mantidos em obscuras páginas do passado recente do nosso país. “Vamos cumprir nossa obrigação, tanto institucional quanto a decorrente dessa condenação do Brasil na Corte Interamericana e vamos buscar a construção nesse momento de exposição da verdade”.