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Quando parar é ir para a frente: Dieese reúne 30 anos de greve 

"Pois quem toca o trem pra frente/ também de repente/ pode o trem parar”, escreveu Chico Buarque em Linha de montagem (1980), uma homenagem do compositor ao ciclo de greves iniciado em 1978 na principal área industrial do país, o ABC paulista, após um intervalo de uma década sem nenhuma paralisação. O projeto “Arquivos das greves no Brasil: análises qualitativas e quantitativas da década de 1970 à de 2000” vai contar a história das greves no Brasil desde a redemocratização do país.

O projeto gerou um banco de dados completo das paralisações, das reivindicações feitas até o resultado final dos conflitos trabalhistas. Foram entrevistados 50 líderes sindicais desde os anos de 1960 e que irão gerar três volumes a serem lançados em 2013.

“O ciclo brasileiro de paralisações comportou-se de forma claramente vinculada às características e ao processo de transição política brasileira para a democracia”, explica o cientista político Eduardo Noronha, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e coordenador do projeto, feito em parceria com o Dieese e apoiado pela Fapesp.

“Deu-se pouca atenção à relação entre greves e processos políticos, sobrevalorizando as variáveis econômicas ou tratando as políticas de forma genérica, seja mostrando as greves como expressão de conflitos de classe ou político-partidários”, observa.

Segundo ele, a variação do volume de greves não se deve a mudanças menores nos indicadores de emprego, renda ou inflação, ou, no campo da política, às oportunidades de ampliação de demandas nos anos eleitorais. “Isso tudo influencia a explosão de paralisações, mas não basta para explicar os momentos de ruptura de um ciclo de greves”, diz.

Para Noronha, as greves fazem parte da trajetória brasileira de democratização, de amadurecimento da sociedade brasileira. “Aqui, as greves não eram só no espírito do ‘abaixo a ditadura’, mas queriam democracia nos lugares de trabalho. Claro que a luta por salários melhores era a grande motivação, mas havia também uma luta pela redução da falta de cidadania dentro das fábricas, onde operários eram desrespeitados. A ditadura também estava nos lugares de trabalho.”

E destaca que há registros de reivindicações grevistas que pediam a liberdade de ir ao banheiro sem consultar o capataz, entre outros direitos básicos. “As greves, claro, tinham uma dimensão política, mas não partidária. Os trabalhadores queriam um novo status na sociedade brasileira.”

Momentos ideais

A democratização nacional, após um longo período de autoritarismo, instabilidade econômica e superação do modelo desenvolvimentista, é, nota o pesquisador, a chave para entender a onda excepcional de greves. Afinal, desde o início do século 20 até o final da democracia populista, os sindicatos brasileiros não foram capazes de promover um ciclo de greves com impacto econômico.

O pesquisador lembra que transições políticas são momentos ideais para ações coletivas pelo crescimento do interesse da sociedade em geral em participar de manifestações públicas. Havia, então, uma insatisfação geral com o governo militar e a mídia comprou o discurso da democracia, incluindo a greve como um instrumento legítimo da sociedade rumo à democratização.

“Isso fez com que os marcos de alteração do comportamento grevista no país fossem simultâneos às alterações políticas e institucionais da transição, sendo os principais momentos de ruptura os de 1978, quando os metalúrgicos do ABC forçaram a sua incorporação ao projeto de ‘abertura’ dos governos Geisel e Figueiredo, e 1985, ano da posse do primeiro governo civil do pós-64.” Assim, fatos políticos abalaram ou incentivaram o movimento sindical.

De Brasília
Com informações do Dieese