Memórias de um militante, ou “Cida Pedrosa vereadora do Recife”

Por Samarone Lima*

Nada mais ridículo que certos emails que recebo, de gente até esclarecida, propondo “não votar em nenhum político”, mostrando quanto eles ganham, os salários etc. Quando eu deixar de votar em alguém que é candidato a vereador, deputado estadual ou federal, senador, prefeito, governador, presidente, é porque estou a dizer – são todos iguais, corruptos, ladrões etc. Essa uniformização ridícula elimina algo fantástico, que é a diversidade humana e a nossa capacidade de escolha. Para mim, ninguém é igual, apesar das muitas semelhanças no modo de fazer política no Brasil.

Não sei de onde me ocorreu escrever sobre isso, já que sou mais dado a observar as coisas e personagens do cotidiano.

Sei sim. É que semana passada, li uma notinha na coluna do Scarpa, do Jornal do Commercio, informando que a poeta Cida Pedrosa vai se lançar candidata à vereadora do Recife, pelo PCdoB. Fiquei exultante.

Coincide com um texto que eu estava matutando em escrever. Era sobre o meu desejo de encontrar alguém do mundo das artes, da literatura, da poesia, para que muita gente, de forma colaborativa, gratuita, aberta, sincera, se engajasse na campanha. Eleger alguém pela força da militância, da organização desorganizada, o retorno aos tempos do velho bingo, das rifas, da venda de camiseta, feijoadas, festas para arrecadar dinheiro, distribuição de panfletos nos sinais etc. Já tinha alguns nomes para lançar, mas já fico com Cida, apesar de nem saber o número dela. Por telefone, ela confirmou que vai sair candidata sim. Terá uma legião de poetas para a campanha.

Então lembrei de minha jornada de militante. A primeira foi em 1985, quando morava em Fortaleza, e a Maria Luiza Fontenelle surgiu feito um comenta, iluminando a noite cearense. Na reta final da campanha, vi uma cidade elétrica, mobilizada, os comitês varando madrugadas, para produzir camisas, adesivos, panfletos, tudo na base de improviso, da força generosa das pessoas. Resultou numa boca de urna estrondosa, da qual participei durante todo o dia, nas proximidades do Colégio Rosa Gatorno, no Monte Castelo, ao lado do meu irmão Antônio José, o Tonho. Conseguimos muitos votos de indecisos e ficamos de olho para a Polícia não pegar a gente com as mochilas cheias de panfletos. Eu tinha 16 anos. Maria Luiza conseguiu dar uma das maiores viradas eleitorais da história do Ceará, e se tornou a primeira mulher prefeita de Fortaleza e do PT.

Foram muitas campanhas, não posso contar todas. Recordo uma, que foi particularmente emocionante. Em 2000, eu tinha voltado de São Paulo, estava no primeiro semestre como professor de “Técnicas de Reportagem”, da Universidade Católica de Pernambuco, e a campanha para prefeito do Recife pegou fogo, com o crescimento da mobilização em torno da campanha de João Paulo, juntando as forças de esquerda, contra Roberto Magalhães, que já era prefeito.

Pensei em ficar mais na minha, porque era professor, para não dizerem que eu estava tentando “fazer a cabeça” dos alunos, mas aos poucos, os próprios alunos foram chegando com camisas, bottons, adesivos, e começaram a cobrar uma posição minha. Acabei me engajando com eles, cabamos fazendo uma boca de urna sensacional. Lembro com uma enorme riqueza de detalhes a apuração, urna a urna, com a previsão de um resultado somente nos últimos votos. Peguei um ônibus à noitinha, vindo de algum lugar na Zona Norte do Recife, quando chegamos ao Bairro do Recife, um Policial Militar desceu. Estava com um fone de ouvido e me viu com a bandeira da campanha, adesivos, só disse o seguinte:

“Viramos”.

Foi uma festa linda, a vitória de João Paulo. Creio que foi uma das mais belas campanhas que o Recife viveu, desde o retorno à Democracia, porque milhares de pessoas trabalharam como militantes ativos, cheios de energia, beleza, era uma força que contagiava. Ao final da contagem, milhares de pessoas começaram a chegar para comemorar ao som de “Vermelho/Vermelhaço”, que foi a música da campanha. Foi uma embriaguez coletiva.

Claro que hoje dá pena, ver a briga ridícula do ex-prefeito João Paulo com o atual, João da Costa. É um insulto a todos os que lutaram para que o Recife fosse uma cidade melhor, mais humana, para que tivesse projetos bonitos, para que a criatividade ocupasse espaços em todos os andares do prédio da Prefeitura, para que todos os bairros fossem contemplados com algo generoso. Cada dia que abro os jornais e vejo os dois soltando farpas e fel, me sinto insultado.

Na eleição de João da Costa, tudo já estava muito estranho, não movi um dedo. Já previa um prefeito burocrático e apagado, como de fato é. Sempre achei que o candidato natural deveria ser o grande vice-prefeito Luciano Siqueira, que passou oito anos fazendo um trabalho preciosos, ao lado de João Paulo. Não deu, porque ele não é do PT. Apesar dos pesares, me orgulho muito de ter participado ativamente daquela campanha de 2000. Foi linda e importante para o Recife. Depois é que os Joões trataram de estragar tudo.

Pois bem. Eis que Cida Pedrosa surge, neste céu nublado que está a política em nossa cidade. Uma mulher danada, incansável, cheia de sonhos, projetos, uma pessoa que gosta de agregar, compartilhar, que ama a poesia, a literatura, que ama a vida. Sei que ela vai pensar nas bibliotecas, que vai lutar para que os jovens tenham acesso à boa literatura perto de casa, em lugares bonitos, confortáveis, que dêem vontade de ficar lá.

Não sei ainda seu projeto para trabalhar nos quatro anos como vereadora. Sei que sua campanha não terá como slogans nada como os ridículos “Seriedade e Competência” ou “Seriedade e Trabalho”. Mais sério que o semblante do senador Demóstenes Torres, pego no flagrante como um defensor ardoroso de um contraventor, não existe.

Cida vai, com certeza, levar poesia, beleza e dignidade para a Câmara dos Vereadores do Recife. Vai levar sua criatividade para a cidade ficar mais linda, verde, colorida, alegre.

Não sei ainda seu número, mas já ofereço minha militância gratuita, voluntária, aguerrida e esperançosa de sempre.

*Samarone Lima é jornalista e vive no Recife.