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O povo árabe tem que participar das decisões do seu destino

Esta foi a principal conclusão de Marie Nassif-Debs, alta dirigente do Partido Comunista Libanês (PCL), ao defender a implementação das adiadas reformas sociais nos países árabes durante palestra nesta quinta-feira (12) na sede central do PCdoB, em São Paulo.

Por Christiane Marcondes, da Redação do Vermelho

Ricardo "Alemão" Abreu, Marie Nassif-Debs e Kháled Fayez Mahassen

Com auditório lotado, Marie expôs a sua visão da atual situação do Oriente Médio, identificando na região o que chamou de “a terceira guerra mundial” sob o comando da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), dos Estados Unidos e da União Europeia.

À mesa, com Nassif-Debs, estavam Ricardo “Alemão” Abreu, secretário de Relações Internacionais do PCdoB, como anfitrião da casa, e o pré-candidato a vereador pelo PCdoB, Kháled Fayez Mahassen, como moderador. 

O Dr. Ghassan Obeid, cônsul-geral da República Árabe da Síria, e Eduardo Elias, diretor da Federação de Entidades Árabe Brasileiras (Fearab) estavam entre as lideranças das comunidades árabes presentes ao evento, organizado pelas secretarias de Relações Internacionais e da Mulher do PCdoB, pela Fundação Mauricio Grabois e a revista Sawtak.

Nassif-Debs destacou a importância estratégica e econômica das zonas de conflito: lá estão 40% das reservas mundiais de petróleo, além de uma quantidade significativa de gás, e por lá passam cerca de 60% das rotas para a China, Europa e Austrália. Já há 12 anos, as potências ocidentais conceberam o que Marie chamou de o plano “Novo Oriente Médio”, que objetiva dominar esse espaço por meio da geração de conflitos.

Essa manipulação política ganhou velocidade no último ano, com todas as contrarrevoluções, comandadas pelos Estados Unidos, “que tentam anular os ganhos das revoluções da primavera árabe, também chamada de outono árabe por alguns estudiosos”. Líbia e Tunísia, citou, são países onde houve revoluções e ainda assim se mantêm sob o jugo de interesses dos EUA.

Base na Turquia

Um fato determinante para as novas ofensivas imperialistas foi uma reunião da Otan, realizada em Lisboa em 2011, na qual o grupo decidiu transferir o seu quartel-general para a Turquia, o que foi concretizado cerca de um ano antes de começarem os conflitos na Síria. Paralelamente, ocorrem os distúrbios no Líbano, como tentativa de recomeçar guerra civil, e as conquistas do Egito entram em xeque, com o país correndo o risco de voltar ao jogo dos Estados Unidos.

O domínio do Oriente visa exterminar forças de resistência à política dos Estados Unidos e seus aliados, projeto ambicioso para o qual contribui outro fator desestabilizador na região, que é o atraso histórico nas reformas, tanto na Síria como na Líbia, no sentido de atender anseios populares, enfatiza Nassif-Debs.

A comunista disse que o capitalismo tenta se organizar para superar crise que o próprio sistema criou, avançando em direção ao Oriente para dividir e recriar novos mercados dispostos a servir interesses imperialistas.

Para dar um exemplo, Nassif-Debs citou um episódio em que um grupo de iraquianos se encontrou com o presidente dos Estados Unidos e Obama propôs que eles criassem um país independente dentro do seu próprio território, podendo assim impor suas convicções políticas.

Segundo a palestrante, os Estados Unidos derrotaram o Iraque e conseguiram dividi-lo entre xiitas e sunitas, manipulando os sunitas – que estão também na Arábia Saudita, Emirados Árabes e Jordânia – num crescente, para que ampliem sua extensão geográfica e enfrentem o Irã, segundo a palestrante.

Economia capitalista

Marie foi contundente em sua argumentação: “Não há como vencer essa briga se contra-atacarmos apenas militarmente, mantendo o mesmo sistema econômico que o do Ocidente”.

Acrescentou ainda que o PCL considera que o ataque ao imperialismo não pode ser feito apenas através de alianças curtas, entre governos, mas exige o envolvimento popular e, para isso, tornam-se fundamentais a mobilização militar e a efetivação das adiadas reformas. “Não há outro modo de fazer esse enfrentamento”.

Com relação às negociações para a criação do Estado Palestino, Marie considera que o boicote de Estados Unidos, Israel e Europa sejam um dos principais entraves. Outro impedimento é a presença ostensiva de Israel, estado que foi criado e posicionado naquela região para fomentar discórdia e violência. Não só: ela aprofunda a análise e afirma que o PCL tem a crença de que a solução não acontecerá a partir de negociações. Marie frisou: “Tem que haver uma posição coesa por parte da Palestina e apoio do povo árabe”.

Explicou também que o retrocesso no processo de criação do Estado Palestino deve-se ao acirramento dos conflitos locais, que nada mais são do que “distrações” plantadas com a finalidade de desviar a atenção mundial da questão central e colaborar com os interesses do sionismo, corrente que está se favorecendo, também, com as eleições nos Estados Unidos.

Democracia essencial

Enquanto isso, contrapôs, o Oriente Médio enfrenta ameaças à Síria, com chance de que essas ameaças cheguem ao Líbano, e o início de contrarrevolução na Tunísia, a partir de conflitos entre facções religiosas.

“As forças que poderiam confrontar os ataques imperialistas estão desunidas. Antes das revoluções, houve uma reunião com representantes de 22 partidos de esquerda para criar uma frente de resistência às potências ocidentais, mas não se chegou a um consenso, o grupo se dividiu e a iniciativa não atingiu seus objetivos”, conta.

Há 20 anos, recordou Marie, “nosso movimento de libertação não conseguiu fazer mudanças importantes no sistema econômico e também não conseguiu implementar a democracia essencial para que o povo participe das decisões do seu destino”.

Apesar do atraso histórico, Nassif-Debs disse que não está pessimista, ela acredita realmente que os povos árabes estão no rumo da libertação, mas o caminho passa pelas reformas. A comunista concluiu: “Temos que ter paciência, nem toda mudança acontece em linha reta”.