Justiça reconhece: Drummond morreu sob tortura no DOI-Codi

Em decisão inédita, o juiz Guilherme Madeira Dezem, da 2ª Vara de Registros Públicos de S. Paulo, determinou a retificação do assentamento de óbito de João Batista Franco Drummond,  lavrado em 16 de outubro de 1976, alterando local da morte, "avenida 9 de julho" para dependências do “Doi-Codi do 2º Exército em São Paulo”. O militante comunista e dirigente do PCdoB morreu após ser preso, no episódio da Chacina da Lapa, e torturado pelos militares, há 35 anos.

Por Christiane Marcondes, do Vermelho

Drummond começou sua atuação política no movimento estudantil, em Minas Gerais, ainda como membro da organização de esquerda Ação Popular. Na Bahia, liderou a incorporação desta organização às fileiras do PCdoB. A direção nacional do Partido considera João Batista Franco Drummond um heroi do povo brasileiro e do PCdoB.

A causa da morte também foi alterada: de traumatismo craniano para “decorrência de torturas físicas”. O advogado Egmar José de Oliveira não esconde a alegria ao afirmar que a sentença representa um avanço: “O fundamento que o juiz utilizou para chegar à decisão é de natureza política. É uma inovação”, declarou.

Para o Dr. Marcelo Semer, juiz de direito em São Paulo e escritor, "a sentença proferida será certamente um paradigma".

Direito à memória e à verdade

Entre os dados do processo, lê-se a sentença do juiz Guilherme Madeira Dezem: “FUNDAMENTO E DECIDO. A questão do local do óbito encontra-se amplamente comprovada nos autos. Com efeito, a prova oral é segura em demonstrar que a vítima faleceu nas dependências do DOI/CODI II Exército, em São Paulo”.

É importante notar, inclusive, que não se trata de simples opção política pela via "a" ou "b", mas de manifestação do direito à memória e à verdade, tanto que na comissão que julgou este caso havia membro das Forças Armadas e que votou favoravelmente à pretensão da autora. (…)”, colocou o juiz no processo.

Leia também:
Uma dor assim pungente não há de ser impunemente
Bertolino: a verdade sobre a morte de João Batista
 

Práticas créis serão punidas a qualquer tempo

Quanto ao segundo ponto, alterar a causa mortis, assim se manifestou o magistrado: “Entendo que se trata do principal tema a ser observado neste caso: analisar o que efetivamente pode integrar a certidão de óbito como causa mortis. Aqui, a posição do representante do Ministério Público mostra-se dotada de estrita técnica e para a maioria dos casos envolvendo esta questão, não tenho dúvidas que a solução seja de improcedência. (…) No entanto, há detalhe neste caso que o torna diferente de todos os outros existentes no país. Este caso liga-se ao chamado Direito à Memória e à Verdade e, acima de tudo, liga-se à relação do sistema jurídico interno com a Proteção Internacional dos Direitos Humanos. No Caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) vs. Brasil, houve a condenação do Estado brasileiro em 24.11.2010”.

Mais adiante, no texto, o juiz Guilherme Madeira Dezem cita o colega Roberto de Figueiredo Caldas em importante advertência relacionada: "É preciso ultrapassar o positivismo exacerbado, pois só assim se entrará em um novo período de respeito aos direitos da pessoa, contribuindo para acabar com o círculo de impunidade no Brasil. É preciso mostrar que a Justiça age de forma igualitária na punição de quem quer que pratique graves crimes contra a humanidade, de modo que a imperatividade do Direito e da Justiça sirvam sempre para mostrar que práticas tão cruéis e desumanas jamais podem se repetir, jamais serão esquecidas e a qualquer tempo serão punidas."

Leia a decisão na íntegra: uma vitória do povo