Para lembrar Carajás, 21 minutos de silêncio em meio a ocupações

Vinte e um minutos de silêncio. É dessa forma que integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) farão uma homenagem aos 21 agricultores mortos no Massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará. As homenagens acontecerão nas estradas em todo país que, após serem ocupadas, terão o fluxo interrompido às 8h da manhã desta terça-feira (17),quando se completam 16 anos do crime praticado pela Polícia Militar (PM).


Massacre de Eldorado dos Carajás (PA), em 1996/divulgação

O Abril Vermelho, como ficou conhecida a mobilização do movimento “Jornada Nacional de Lutas pela Reforma Agrária”, começou em 1997, um ano depois do crime, com uma grande marcha de trabalhadores de diversas regiões do país até a Capital Federal, onde cerca de 100 mil manifestantes se encontraram para exigir justiça, emprego e reforma agrária.

Neste ano, o MST realiza uma série de manifestações para pressionar o governo a atender a pauta de reivindicações do movimento. Segundo um balanço divulgado no final da tarde de segunda-feira (16), já tinham sido feitas 38 ocupações de terra, cinco em sedes do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), dezenas de trancamentos de estradas e acampamentos em 17 estados.

“O objetivo é somar mais de 100 ocupações em todas as regiões até o final deste mês. Muitos trabalhadores estão se somando à luta. O governo federal se comprometeu em agosto de 2011 a assentar as 180 mil famílias acampadas nas estradas brasileiras, mas até agora não concretizou. Não chega a 10% o número de assentados. Pior, houve um corte de 70% do orçamento do Incra deste ano. Veja se eles cortaram isso do Ministério da Agricultura”, alertou Rosana Fernandes, da Coordenação Nacional do MST, em entrevista ao Vermelho.

Dos R$ 13,2 bilhões do orçamento de 2012, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, foram cortados R$ 1,958 bilhão.

Ocupação no MDA

Segundo Rosana, pelo menos mais mil agricultores estão à caminho do acampamento do MST em Brasília (DF), onde cerca de 1.500 trabalhadores ocuparam o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) para denunciar a estagnação da Reforma Agrária e a diminuição de investimentos em desapropriações de terras no país por parte do governo federal.

Em nota, na página da internet do MDA, o ministro Pepe Vargas afirmou que “somente após a liberação do prédio do MDA pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) irá retomar as negociações iniciadas com o movimento no último dia 11 (quarta), junto com o secretário-geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho”.

Ainda de acordo com as declarações do ministro, ficou estabelecida uma agenda de negociações entre o governo federal e o movimento. O ministério, porém, divulgou que “providências jurídicas cabíveis para reintegração de posse” do prédio estavam sendo tomadas, mas “o ministério conta com o bom senso do MST no sentido de espontaneamente desocupar o prédio, para que possa ser dada continuidade a uma agenda de negociações já iniciada, dentro do espírito democrático e republicano que é a marca deste governo.”

Pauta ‘amarela’

A coordenadora nacional do MST ressaltou que as reivindicações continuam as mesmas de 2005, quando foram apresentadas ao governo. “É uma pauta antiga, consolidada em 2005, e já apresentada ao governo federal. Até estamos chamando essa pauta de pauta amarela de tão antiga que está ficando”, explicou Rosana, numa alusão ao papel que fica amarelado com o tempo.
Entre as reivindicações estão: assentamento das atuais 186 mil famílias acampadas do movimento, programa de desenvolvimento para os assentamentos como crédito agrícola, inclusive, uma nova linha de crédito específica para os assentados; revisão das dividas dos agricultores que têm dívidas e, por isso, não conseguem acessar outros créditos públicos; melhoria da infraestrutura dos assentamentos como a qualidade das escolas; liberação de mais recursos.

“O que tinha já era pouco. Agora, chegou ao ponto do governo Dilma se igualar ao de FHC (Fernando Henrique Cardoso) em relação ao orçamento. O primeiro ano do governo Dilma foi o pior nos últimos 16 anos”, lamentou a sem-terra, que atua na região de Santo Antônio de Goiás, em Goiânia.

Ela também rebateu as justificativas do governo de que teria mudado o foco das ações no campo, investindo menos em assentamentos e mais na estruturação e melhorias dos assentamentos já realizados.

Balanço do MST

O Nordeste é onde mais se concentram militantes do MST atualmente. Até por isso, a mobilização é maior nessa região, segundo balanço do movimento. Nesta semana, outras grandes mobilizações são esperadas nos 24 estados em que o MST atua. Até segunda-feira (16), haviam sido ocupadas seis fazendas improdutivas em Pernambuco. Na Bahia, foram 25 fazendas. No sul do estado, mais de mil trabalhadores ocupam quatro áreas (Alcobaça, Prado, Mucuri e Teixeira de Freitas), sendo três pertencentes à Suzano Celulose. Em Salvador, cerca de três mil integrantes de movimentos sociais do campo acamparam em frente à sede do Incra, no Centro Administrativo da Bahia (CAB) para cobrar a aceleração dos projetos de reforma agrária e medidas contra a estiagem que castiga o semiárido. Duzentos municípios já decretaram situação de emergência. É a pior seca nos últimos 30 anos.

Também para pedir providências sobre a seca, pelo menos 1.500 militantes ocuparam o Palácio da Abolição, sede do governo do estado do Ceará. Eles também reivindicam o assentamento imediato de 2.000 famílias acampadas no estado.

A sede do Incra em Imperatriz, no sudeste do Maranhão, foi ocupada por cerca de 400 camponeses. Três mil e quinhentas famílias acampadas no estado aguardam assentamento. Algumas esperam há 14 anos pela definição da situação. Nos últimos quatro anos nenhuma área maranhense foi desapropriada.

Na segunda-feira, a sede do Incra da Paraíba também foi ocupada por 500 famílias camponesas. Foi entregue uma pauta de reivindicações ao superintendente, Lenildo Dias de Morais, como desapropriação de áreas, garantia de infraestrutura para assentamentos e liberação de linhas de créditos para as famílias camponesas. Mais de 100 famílias ocuparam duas áreas do sertão da Paraíba.

Em Rondônia, 700 sem-terra participaram da ocupação da sede do Incra de Ji-Paraná. Eles aguardavam até o final do dia que o superintendente do Incra, Luiz Flavio Carvalho Ribeiro, se posicione sobre a pauta de reivindicações entregue há 15 dias ao Instituto.

No Mato Grosso, 200 trabalhadores entraram na sede da Receita Federal, na noite de sábado, e montaram um acampamento na Praça Ulisses Guimarães, na Avenida Rubens de Mendonça, em frente ao Centro Político e Administrativo. Outros 400 bloquearam um trecho da BR-163, no norte.
Em Mato Grosso do Sul, 250 famílias ocuparam a Fazenda Boa Esperança, localizada às margens da rodovia MS-134, a cerca de 10 quilômetros da sede do município de Batayporã. Houve também um bloqueio nessa estrada.

No Rio Grande do Norte, a rodovia BR 30 foi trancada por 700 trabalhadores no início do mês para denunciar as ações do poder judiciário da região, que emitiu mandatos de despejos ilegais em três áreas de acampamentos do MST.

No Pará, a Juventude do MST montou seu 7° Acampamento Pedagógico “Oziel Alves”, desde o domingo (8) em Eldorado dos Carajás. Desde 2006, a juventude Sem-Terra do estado se reúne em memória às vítimas e cobram justiça. O acampamento vai até esta terça. Todos os dias os jovens fazem o fechamento da rodovia (BR-155) por 21 minutos, em memória ao massacre. No último dia do acampamento, 17 de abril (Dia Internacional da Luta Camponesa), acontece um ato político na chamada 'Curva do “S”.

Sul e Sudeste

Cerca de 300 famílias ocuparam duas áreas no Rio Grande do Sul, nos municípios de Sarandi e Santa Margarida do Sul. No interior de São Paulo, no Pontal do Paranapanema, 600 sem-terra ocupam a Fazenda São Domingos, no município de Sandovalina, que já foi ocupada diversas vezes e, em uma delas, houve um conflito que acabou na morte de sete trabalhadores rurais. O MST denuncia, ainda, um projeto do governado Geraldo Alckmin (PSDB) de legalizar a grilagem no extremo oeste paulista.

O prédio do Incra na cidade do Rio de Janeiro também foi ocupado por cerca de 300 integrantes. Os manifestantes reivindicam a efetivação da Reforma Agrária e o assentamento das famílias acampadas no estado.

No Paraná, mais de 500 camponeses montaram um acampamento na cidade de Curitiba e ocuparam parte das ruas da cidade na manhã desta segunda-feira, com uma marcha que seguiu até o Incra, onde entregaram uma pauta de reivindicações. Os trabalhadores rurais permanecerão na capital paranaense até sexta-feira (20), quando terão reuniões com várias entidades e secretarias estaduais.

No estado de Minas Gerais, cerca de 40 famílias ocupam a fazenda Palmeiras em Carmo do Paranaíba, desde o começo do mês. A área faz parte de um conglomerado de outras quatro propriedades pertencentes à massa solvente Ofirde Castro, que totalizam 800 hectares. Atualmente, 150 famílias do MST ocupam quatro das cinco áreas pertencentes ao grupo para pedir reforma agrária.

Até hoje, ninguém foi punido pela morte dos 21 trabalhadores em 1996. Abaixo, vídeo com denúncia do massacre e reivindicações do movimento.

Relembre o Massacre de Eldorado dos Carajás. Confira cronologia do caso aqui 

De São Paulo
Deborah Moreira