Juros: a lição que fica

É apenas o começo de uma travessia tateada desde o segundo mandato de Lula e que ganharia importante margem de manobra ideológica no colapso da ordem neoliberal, em 2008. Neste braço-de-ferro dos juros, superou-se a fronteira da ação meramente defensiva para se testar um movimento coordenado, e bem sucedido, de cerco e corte dos spreads bancários.

Em 15 dias o governo arregimentou os bancos estatais para um corte exemplar nos juros de até 50% em algumas linhas. Ato contínuo, traduziu-se esse movimento em vantagens para milhões de pessoas oferecendo-se aos correntistas da banca privada a oportunidade de trocar de banco e de dívida, em condições vantajosas. A Presidenta da República e o ministro da Fazenda fecharam o cerco contra o bunker argentário com um discurso ineditamente político, incisivo e inteligível à maioria da população. "Fundamentos técnicos" alegados para a persistência da usura foram esfarelados em praça pública.

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O dispositivo midiático conservador ainda tentou desqualificar a ofensiva classificada como "voluntarismo estatal". Rapidamente a exposição pública dos lucros astronômicos da banca privada –e o contraponto exercido pelos bancos estatais– acendeu a luz amarela nos centros de decisão das grandes instituições que concentram 80% dos depósitos e quase tanto dos financiamentos. A queda de braço era para valer; o governo não iria recuar.

A execração pública ganhava dimensão política na mídia alternativa e dela transbordaria fatalmente para a opinião pública. Na quarta-feira (18) veio o golpe de misericórdia: o Banco Central cortou outros 0,75% na taxa básica de juros, o que baratearia ainda mais o custo de captação gerando ganhos adicionais ao já abusivos spreads bancários. A defesa da usura tornou-se insustentável. A revoada baixista selou a eficácia da ação política do Estado na reordenação de um estratégico setor da economia.

Bancos funcionam como o coração da economia capitalista. São por assim dizer a infraestrutura básica do sistema garantindo o provimento do crédito e do financiamento indispensáveis ao conjunto da economia. Trata-se de um serviço público exercido por agentes privados cada vez mais cartelizados, diga-se, já que seis bancões dominam 80% do mercado, mas orientados pelo lucro privado.

O governo parece ter descoberto que essa alavanca poderosa não pode mais ser deixada à sua própria lógica. Porém, mais que isso: pode constatar que o Estado brasileiro, embora desidratado pelo ciclo neoliberal, ainda tem poder político e instrumental para enquadrar e coordenar os interesses mais poderosos do país. A maior lição dessa descoberta é que ela vale também para equacionar outras esferas e desafios.O saldo é inestimável. Não deve ser esquecido.

Fonte: Carta Maior