Seminário em São Paulo: muito além do crack

Acadêmicos da saúde e do direito participam do seminário "A Cracolândia muito além do crack”, entre 28 e 30 de maio, na Faculdade de Saúde Pública da USP, em São Paulo (SP). O encontro pretende debater as implicações e consequências da Operação Centro Legal da Polícia Militar deflagrada no dia 3 de janeiro, início de 2012, na região conhecida como Cracolândia. Em entrevista, o pesquisador Marcelo da Silveira Campos, adianta alguns pontos que serão debatidos no evento.

O seminário propõe discuir de maneira mais aprofundada o tema como a atenção do Estado aos usuários e usuárias de drogas no país, questões sociais que estão enraizadas no problema, criminalização social, saúde pública, entre outros que foram claramente desprezados no episódio e que para várias organizações merecem questionamentos e posicionamentos mais próximos da realidade brasileira.

O Seminário contará com mesas temáticas e uma mesa plenária, reunindo grupos de trabalhos na presença de expositores e mediadores para debater os seguintes assuntos: Políticas públicas de atenção ao grupo de drogas; Segurança pública e insegurança social; Economia e Direito: quem ganha e quem perde? e Avaliação da Operação na Cracolândia: interesse em disputa.

Marcelo da Silveira Campos, doutorando e pesquisador da USP, com o tema de doutorado desenvolvido no Impacto da Lei de Drogas no Sistema de Justiça em São Paulo, é sociólogo do Projeto Justiça Criminal e da Pastoral Carcerária Nacional e participará das discussões.

"A política em relação ao consumo de drogas no Brasil tem priorizado o aspecto da criminalização, da prisão de usuários que, inclusive, não está estabelecida na Nova Lei de Drogas em detrimento de políticas sociais, sobretudo políticas de saúde e de redução de danos para o usuário”, afirma Marcelo. Abaixo, a entrevista completa.

Adital: Como se avaliam as políticas públicas de atenção ao usuário de drogas no país?
Marcelo da Silveira Campos: A primeira constatação que algumas pesquisas importantes vêm mostrando se refere à questão da indistinção, da confusão que tem havido entre o usuário e traficante. Creio que esse é o primeiro ponto para nós pensarmos essa questão. Essa confusão tem trazido, sobretudo, como efeito da Nova Lei de Drogas, a lei 11.343, o encarceramento em massa de usuários e pequenos traficantes.

Desse ponto de vista, a política em relação ao consumo de drogas no Brasil tem priorizado o aspecto da criminalização, da prisão de usuários que, inclusive, não está estabelecida na Nova Lei de Drogas em detrimento de políticas sociais, sobretudo políticas de saúde e de redução de danos para o usuário.

Adital: Há campanhas de sensibilização e prevenção ao uso de drogas e, especificamente, para o crack?
MSC: O que eu sei do plano governamental que aconteceu em relação ao usuário de crack do Governo Federal é que, a princípio, focava a política de saúde e do tratamento. Não conheço iniciativas ao longo do Brasil, de sucesso, em relação ao usuário de crack. Esse plano de internação do Governo Federal, a gente tem que enfatizar, embora o plano continue com uma linguagem militarizada.

No caso do crack, o que a gente sabe é que os modelos de sucesso em relação ao usuário do crack têm como prioridade o tratamento ambulatorial na rua e não a internação, muito menos a internação compulsória, que é o que acontece no caso do Rio de Janeiro (RJ). Essas duas questões nós sabemos que não funcionam. O que é dito como sucesso, uma experiência que é bem sucedida, é o tratamento ambulatorial na rua. Porque esse tratamento deveria envolver diferentes atores de política pública, social e de saúde, no auxílio de assistente social, psicólogo, sociólogo, médicos, para a recuperação desse usuário.

Adital: Como você interpreta a ação deflagrada na região da Cracolândia? Você acha que ela foi abusiva?
MSC: A ação foi extremamente abusiva do ponto de vista em que ela priorizou uma ação da polícia militar e, novamente, não uma ação de política pública, social e de saúde. Então, essa militarização de um problema de saúde pública, a perspectiva e os dados que saíam em relação à incriminação, que é a prisão na Cracolândia, se refere a um tratamento militar a um problema de saúde pública. Isso não é um tratamento de polícia, seria um tratamento desses outros atores como dito antes e, em destaque, política de saúde e social.

Adital: Há dados recentes de prisões realizadas no país? O que eles significam?
MSC: Tenho dados de São Paulo (SP). Em 31/12/2010 nós tínhamos 170.829 mil pessoas presas. Em 31/12/2011, nós tínhamos 180.333 mil pessoas presas. Quer dizer, o crescimento no ano de 2011, de pessoas presas, foi de 9.504. Isso resulta numa média mensal de 792 pessoas presas e uma média diária de 26,4 prisões. Para se ter uma ideia do impacto no encarceramento e de como está sendo tratado esse usuário de crack, em 27/02/2012, quer dizer, em dois meses decorridos desse ano, nós tínhamos 185.872 pessoas encarceradas. Isso significa, em 2012, o crescimento em dois meses, lembrando que a ação da Cracolândia começou no dia 3 de janeiro de 2012 e, tivemos até o final de fevereiro e início de março, 5.539 novas prisões, que dá uma média diária de 95,5 pessoas presas.

Acredito que isso quer dizer alguma coisa, isso significa a prisão desses usuários na Cracolândia. Desse ponto de vista, a ação foi completamente desastrosa. Isso é uma consequência, mas pode-se falar em outras, de que o usuário de crack não tendo o seu problema e sua saúde respeitados, não tendo um mero espalhamento por outras áreas da cidade, então ele não é efetivamente tratado, mas deslocado, e isso é uma resposta muito midiática.

Adital: O que pode e deve ser feito para alterar essa realidade da Cracolândia e da redução do consumo de drogas no Brasil?
MSC: A primeira coisa que deve ser feita para mudar essa realidade é compreender que uma política de redução de consumo não pode estar separada de uma política que é relacionada a esse uso do encarceramento. Então, nós temos que pensar em modelos como os de Portugal, que estão muito bem sucedidos, ou seja, pensar em modelos de tratar o usuário de forma diferenciada. Penso que isso é o mais importante.

[Nós] temos que tratar essa questão como problema de política de saúde e olhar para experiências bem sucedidas e pensar seriamente essas questões, nessas experiências, debater esse processo de descriminalização de drogas para pensar na realidade brasileira que certamente não é igual a outras experiências, mas que ainda tem muito a aprender e colocar esse plano do usuário unido a políticas de saúde, que foi a ideia inicial da Nova Lei de Drogas, referente ao novo Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD). Mas a consequência dela, por não distinguir usuário e traficante e por continuar criminalizando o usuário, apesar de ser despenalizado, é criminalizado, e isso acarretou essas consequências.

Confira a programação completa aqui

Fonte: Adiltal