Renato Rabelo: Lições dos 90 anos de lutas do PCdoB

O seminário "PCdoB 90 anos: história, legado, lições e alternativa socialista", realizado nos dias 20 e 21 de abril, foi encerrado com uma palestra do presidente nacional do Partido, Renato Rabelo. Ele extraiu as lições políticas e ideológicas e falou das perspectivas da legenda comunista. O Vermelho publica a íntegra da intervenção.

O movimento revolucionário ainda vive o impacto da derrota estratégica e da mudança profunda na correlação de forças que favoreceu o imperialismo-capitalismo. Entretanto, a fase mais aguda transcorrida desde o início da década de 1990 vai cedendo lugar a um novo período histórico que desponta e se desenvolve, possibilitando o descortino de como renovar a alternativa socialista e viabilizando a abertura de maior acúmulo no sentido revolucionário.

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Hoje, pela ótica do PCdoB, o novo período histórico é marcado, predominantemente:

1. Pela mais profunda crise estrutural do capitalismo, iniciada em 2007-2008; 
2. Por um mundo em mudança gradativa no seu sistema de poder;
3. pela abertura na história do Brasil de um novo ciclo político a partir de 2002, com a vitória de Lula à presidência da República;
4. e pela nova situação política que vive o continente latino-americano – há mais de uma década – com o ascenso do movimento democrático e anti-imperialista.

Tudo isso se dá numa quadra histórica que acumulou gigantesca e inédita base material moderna, que manifesta tendências simultâneas, sendo fronteira de um tempo e limiar de uma nova época que pode irromper. As relações de produção e de distribuição dominantes, capitalistas, se tornam cada vez mais impotentes para liberar essa vasta força material e imaterial em proveito de toda a humanidade.

Esse insólito e atual período histórico coloca os povos e as nações diante de uma encruzilhada de rumos a seguir. O rumo que prevalecerá desse entroncamento histórico para uma nova época está relacionado com o desfecho da luta ideológica e política, que tem como centro a definição e o embate por uma nova alternativa necessária e viável.

Decorrente desta circunstância, ou surgem formas novas de ação política – que sejam capazes de impulsionar e conformar a organização das forças sociais e políticas que poderão ser a força motriz de uma transformação revolucionária – ou prevalecerão o sistema e a ordem atual capitalista por longo tempo histórico, condicionando outras e mais profundas crises, provocando um processo de estagnação e de retrocesso histórico.

Novas alternativas à crise sistêmica do capitalismo poderão vicejar. Os países que mantiveram a perspectiva socialista (China, Vietnã e Cuba, entre outros, e os que abrem caminho atualmente, como a Venezuela) buscam soluções próprias para garantir a continuidade do caminho socialista, assumindo diferentes combinações de formas de produção, para o incremento das forças produtivas, sob domínio do poder da democracia popular, originário da revolução. Criam, assim, expressões novas ao socialismo contemporâneo.

O Programa de 2009 é o resultado de um grande esforço do Partido para responder à questão central imposta pelo entroncamento histórico da atualidade: a alternativa a ser seguida, a nova luta pelo socialismo, nas condições do Brasil.

Assim sendo, o Programa atual de 2009 consegue se inserir na história política brasileira, indicando uma perspectiva avançada de porvir (o Rumo), ao assinalar que o avanço da nação brasileira na quadra histórica atual exige um “terceiro grande salto civilizacional”. E indica um caminho para alcançar esse objetivo maior, através da concretização de um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento, inserido no curso político atual.

O Partido Comunista do Brasil é imprescindível para o novo tempo e a nova luta pelo socialismo. Munido de pensamento estratégico e revolucionário e com tática combativa, ampla e flexível. É preciso sistematizar a partir da própria experiência os ensinamentos básicos da extensa experiência partidária que servem de GUIAS para forjar esse Partido.

1 – A luta incessante pela existência de um Partido Comunista contemporâneo e influente, de feição e prática revolucionárias, garantia para os embates mais importantes e decisivos da luta política e de massas no rumo da mudança revolucionária.

O Partido Comunista do Brasil é uma marca destacada da luta política avançada e mudancista na história do Brasil, uma exigência histórica do desenvolvimento da sociedade brasileira, e se entrelaça com a história política do país no século 20 e início do século 21.

Entretanto, em sua trajetória, tem sido instável e passageira a presença, no Brasil, de um partido comunista forte, grande e influente no seio dos trabalhadores e do povo, condutor de uma perspectiva revolucionária. As causas estão nas singularidades da luta revolucionária no Brasil, considerando-se a formação do Partido, as características das classes dominantes, e o papel da Internacional Comunista e do Comintern na conformação do movimento comunista do século 20.

Ao largo da experiência brasileira, e da luta contra o revisionismo contemporâneo, após o 20º Congresso do PCUS, a reorganização do Partido Comunista do Brasil, em 1962, exprimiu, desde então, maior amadurecimento teórico, ideológico e político, reorientando o Partido para uma nova situação, com direção e condução mais consequentes.

Esse acúmulo em vários terrenos, continuado ao longo da década de 1960, foi a condição fundamental para orientá-lo no período mais difícil da sua história recente, o da ditadura militar (1964-1985). E também na tarefa de maior envergadura, que consistiu no enfrentamento dos novos desafios teóricos e ideológicos gestados no curso do colapso do socialismo na URSS e no Leste europeu, e do avanço e dominância global do capitalismo na sua etapa neoliberal.

Estes grandes desafios históricos exigiram do Partido respostas que afirmaram de maneira resoluta a identidade comunista e a opção pela alternativa revolucionária, socialista, questão nodal do tempo presente. Desafio que impôs o desenvolvimento e enriquecimento do pensamento estratégico e tático dos comunistas. O 8º Congresso do PCdoB, em 1992, centrou-se nesses temas candentes tornando-se um marco histórico para a orientação contemporânea do Partido.

No curso da história da humanidade, o socialismo vive sua infância. Hoje, é possível afirmar que a continuidade pela opção revolucionária, marxista, no século 21, e a renovação e retomada da alternativa socialista, compõem o binômio articulado de um mesmo sistema, que pode formar e desenvolver o partido comunista, contemporâneo, capaz de congregar forças políticas avançadas e amplas e alcançar extensa influência e prestígio entre os trabalhadores e o povo.

Ou seja, a um só tempo não se encerrando num gueto político – restrito à propaganda revolucionária, sem influência no curso político e nas massas –, nem se tornando um agrupamento possibilista e pragmático.

2 – O desenvolvimento e enriquecimento teórico e ideológico – baseados na ciência social mais avançada, o marxismo, e construído na prática social – são condições essenciais para a definição de uma política justa e coerente, de um programa e prática de alcance revolucionário.

Todavia, o colapso e desmantelamento da URSS e a dissolução do antigo bloco socialista exigem dos comunistas a imprescindível tarefa de defender e demonstrar que o socialismo é viável e uma necessidade histórica. Para isso, é necessário desenvolver e atualizar a teoria para aprender com as lições daquele notável empreendimento revolucionário e para responder aos novos fenômenos do atual período histórico.

A corrente histórica marxista-leninista não avançou nem se enriqueceu na interpretação dos fenômenos novos na construção do socialismo na URSS. As exigências crescentes que se impunham para o desenvolvimento do socialismo, sobretudo nos terrenos econômico e político, não tiveram respostas que o atualizassem e o reformassem e que superassem seu esgotamento e deformações, abrindo caminho para novas etapas da edificação socialista naquele país.

O marxismo-leninismo transformou-se em doutrina de Estado e deixou de se desenvolver em ligação com a realidade mutante, incapaz de refletir e descortinar soluções para as questões suscitadas no curso da construção da nova sociedade. Este modelo predominante na URSS influiu e orientou o movimento comunista mundial na mesma linha, impondo aos demais partidos comunistas um modelo único de socialismo.

A evolução dessa situação, que culminou com o fim da URSS, engendrou uma crise na teoria e na prática socialista, pois levou a uma derrota estratégica da revolução proletária. Desde então, os comunistas e revolucionários se empenham para superar a crise teórica e prática, que se traduz na exigência do desenvolvimento do marxismo no século 21. Procuram responder a esta exigência, atualizando a teoria revolucionária, num esforço de renovação da sua linha básica para o atual período histórico.

Na atualidade, o trabalho teórico e ideológico do Partido concentra-se na busca de um domínio crescente da realidade mundial, das singularidades do capitalismo contemporâneo, na nova luta pelo socialismo e na tarefa de desvendar em profundidade a realidade brasileira. Desafios que empreende em diálogo permanente com o pensamento marxista e progressista do país. Valoriza e procura alargar suas relações com a intelectualidade avançada.

Dessa maneira, atua para enriquecer e desenvolver o marxismo. O resultado desse esforço tem propiciado respostas criadoras e originais na formulação da estratégia e da tática, e da construção do Partido, em face das exigências do tempo presente sobre como enfrentar a luta pelo socialismo nas condições do mundo e do Brasil.

3 – Garantir a relação dialética e intrínseca entre a formação do Partido, da sua direção, e a conquista das massas trabalhadoras e populares, intervindo nos grandes acontecimentos políticos, é o modo determinante para o Partido cumprir sua tarefa revolucionária.

O afastamento e isolamento do Partido, dos seus dirigentes e das suas organizações nas suas relações com o povo é um grave sintoma de burocratismo, sectarismo e rota para a degenerescência. Por outro lado, o aprofundamento da vinculação do Partido com o povo torna-o poderoso. Assim demonstra a experiência dos partidos revolucionários que venceram e consolidaram a revolução.

O Partido e suas direções se forjam ligados de forma estreita às amplas camadas do povo intervindo nos acontecimentos políticos, sobretudo nos momentos decisivos. E a comprovação da justeza e coerência da política do Partido é feita e demonstrada nessa atuação junto com as massas no curso político.

No estágio atual da construção do PCdoB, o conteúdo preciso da ligação com as massas está na exigência maior de fazer progredir o empreendimento básico de conquistar a maioria, especialmente dos trabalhadores, e do povo, para seu projeto programático.

O Partido não é majoritário, ou hegemônico, entre os trabalhadores e o povo. Devemos ter em conta que para construir um partido de ampla ação política de massas, deve-se distinguir entre o que está nítido e até superado para a vanguarda, daquilo que está realmente compreendido e valorado pela classe trabalhadora e o povo em geral (predominância da ideologia e política burguesa). A luta pela unidade dos movimentos sociais em todos os níveis é uma marca de nossa atuação.

 Não há transferência automática e simplista da consciência da vanguarda para as massas. É preciso conhecer, então, o ponto de partida da ação política, o nível da batalha da luta de classes para que se possa aglutinar maior parcela das massas na luta, sem abdicar da política traçada.

É no ardor da sua prática e sob o impacto de acontecimentos políticos momentosos que os trabalhadores e o povo assimilam a necessidade da via revolucionária, cabendo à vanguarda ajudá-los a percorrer e aprender com sua própria experiência.

Para ganhar maiores parcelas das massas para o projeto do Partido é preciso realizar acordos e alianças políticas duradouras ou pontuais. Não basta o Partido atuar sozinho.

O capitalismo gera a estratificação das classes dominantes e dominadas, proliferando grupos e correntes, que podem defender posições democráticas, com influência distinta sobre setores significativos do povo. A justa linha frentista do Partido permite uma relação política mais ampla com camadas do povo antes inacessíveis.

4 – O Partido Comunista do Brasil deve ser forjado em firme unidade de ação baseada em uma política justa, comprovada no curso dos acontecimentos políticos. Esta política é elaborada no aprofundamento do método democrático e participativo, no estímulo à criatividade e à livre expressão das opiniões individuais, na atividade prática mobilizadora, sob a condução de um único centro dirigente.

Na atualidade, o PCdoB manteve sua coesão numa nova etapa marcada por novos desafios e responsabilidades assumidas tanto no que tange sua participação em todas as esferas de governo, quanto na reformulação programática, no novo Estatuto, políticas de quadros.

A construção da unidade do Partido se realiza tendo o centralismo democrático como princípio diretor da organização partidária, em sintonia com a experiência e o tempo presente. Demonstra, assim, que as ideias justas resultam da ampla participação e livre manifestação dos quadros e militantes.

O novo Estatuto do PCdoB é expressão da linha de afirmação de princípios e revolvimento de métodos antigos dificultadores da plena manifestação e criação de novas ideias. Se fortalece o papel da Comissão Política Nacional como órgão de direção geral e centro gravitacional da elaboração política.

O voto secreto na eleição de integrantes da direção e de delegados para eventos partidários, a atualização e alternância de funções desempenhadas no âmbito das direções partidárias, reforça a tendência de democratização e revitalização da vida partidária.

A história do PCdoB dá conta de que a unidade é forjada por uma linha justa, alimentada com ampla participação dos quadros e militantes numa relação de debate e avanço de ideias.

 5 – Quem constrói e reúne os meios e as condições para montar e organizar o Partido são seus quadros. Uma vez definida a linha política, eles tornam-se fator decisivo para a aplicação das decisões assumidas.

Não há modelo único de política quadros. A política de quadros atualizada tem levado o Partido a dar novas respostas à questão da formação e do papel de uma infinidade de tipos de quadros, sendo esse trabalho a essência da construção e organização partidária. 

O Partido vem realizando grande esforço no sentido de dar respostas na formação e forja de quadros que atuam nas múltiplas frentes das inúmeras atividades do Partido. Tem logrado a formação e a promoção de muitos quadros e lideranças destacadas entre jovens e mulheres.

A recente montagem do Departamento Nacional de Quadros da Secretaria Nacional de Organização assentou uma nova etapa na condução e especialização sistêmica da estrutura de quadros do Partido, que se desenvolve dentro da nova visão da política de quadros.

A Escola Nacional de Quadros tem conseguido alcançar novo estágio na formação política e propaganda das ideias do Partido. Se formulou uma nova versão básica, atualizada, do Curso do Programa Socialista. Para o nível superior vem se apresentando uma coletânea de Estudos Estratégicos do Partido, para subsidiar o estudo e a elaboração dos quadros de atuação nacional.