A crise capitalista e suas repercussões políticas

Esta é a segunda parte de artigo publicado no Portal Vermelho no domingo passado (29/04) com este mesmo título. Nele o autor argumentava sobre por que a crise financeira inaugurada em 2008 não é um fato isolado mas faz parte de um ciclo de transtornos desencadeados em 1973. Talvez um pouco antes.

Por Angel Guerra Cabrera

Neste ciclo se inscrevem a quebra do banco Leman Brothers e a da Islândia, detonadores da Grande Recessão da economia mundial, ainda não resolvida. O que há de novo dentro deste ciclo é o estouro das crises financeiras nos centros imperiais, sem falar deste doente crônico chamado Japão.

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A crise capitalista e suas repercussões políticas – Parte I
 

As crises anteriores de origem financeira dentro desta onda se manifestavam na periferia: dívida externa da América Latina (1982), México (1994-1995), “tigres” asiáticos (1997-1998), Rússia (1998), Brasil (1999), Turquia (2001) e Argentina (2002). Não é ocioso sublinhar que o capitalismo experimentou graves crises desde o século 19, embora a atual seja comparável apenas com a Grande Depressão de 1929 e ainda seja cedo para conhecer sua real magnitude.

Na ordem política, a Grande Recessão e as humilhantes derrotas militares dos Estados Unidos no Iraque e no Afeganistão têm acelerado muito as mudanças na correlação mundial de forças que se vinha gestando há mais de duas décadas. Comprovamos isso ao comparar o estancamento estadunidense e eurocomunitário com o acelerado crescimento econômico dos países emergentes e, em todo caso, a menor vulnerabilidade dos que rechaçam ou não acatam o dogma neoliberal. Estes têm aumentado consideravelmente sua participação na economia e na política mundial em detrimento daqueles.

Embora os Estados Unidos continuem sendo a maior economia do planeta, existe grande distância da hegemonia unipolar que mantinha a posteriori da queda soviética para a multipolaridade atual, com a consolidação de novos centros de poder econômico, político e militar. Isto explica a crescente atenção que todos os analistas geopolíticos sérios dão aos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Basta observar sua extensão territorial, população, taxa de crescimento de suas economias, de educação de seus jovens e o fato de que três deles possuem respeitáveis arsenais nucleares. A China já é a segunda economia mundial e o arsenal nuclear da Rússia é comparável ao dos Estados Unidos.

A partir de 2008 se acentuam e se tornam mais visíveis as discrepâncias dos Brics com Washington em numerosos temas econômicos e políticos. O caso mais notório é o da Siria, sobretudo quando a Rússia e a China, dão um enérgico alto lá à agressividade dos EUA e da Otan, impedindo ou dificultando muito o plano de aplicar à Síria o modelo “libio”.

Outro exemplo é a gravíssima ameaça de guerra criada desnecesariamente por Washington e Tel Aviv contra o Irã. Se essa ameaça chegou a desmantelar-se mediante uma saída política muito provavelmente ísto se deve à razoável proposta brasileiro-turco-iraniana contida na Declaração de Teerã. Patrocinada pelos Brics, foi ganhando consenso internacional. Os Brics, convém não sublimá-los, também apresentam sérios problemas que devem resolver para manter sua posição.

Os Estados Unidos resistirão por todos os meios a aceitar a diminuição de sua tirania sobre o mundo. A pesar de seus gigantescos e ultramodernos arsenais, vê-se frequentemente levado à condição de ser um entre outros interlocutores importantes e em algunas ocasiões a ser prescindido na tomada de decisão sobre certas questões estratégicas internacionais, como é o crescente intercâmbio comercial dos Brics entre si e destes com o Irã e outros países em suas moedas nacionais, prescindindo do dólar.

Quando em matéria de lutas sociais parecia não mover-se uma folha no planeta, começou a vislumbrar-se uma luz no fim do túnel na América Latina e Caribe em meados dos anos 1990 com o vigoroso ressurgimiento dos movimentos populares do Rio Bravo à Patagônia. Os movimentos entronizaram governos contrários ao dogma neoliberal na Venezuela, no Brasil, na Argentina, Bolivia, Equador, Uruguai, Paraguai, Nicarágua e algumas pequenas ilhas do Caribe anglófono que, cada um com suas características, põem ênfase na expansão do mercado interno, na atenção aos problemas sociais e na unidade e integração regional.

Ferozmente bloqueada, Cuba, com suas brilhantes conquistas sociais e trasformações em curso, continua sendo uma referência mundial. Se se tratasse somente da América Latina, poderíamos quase assegurar que a crise sairá pela esquerda, mas não é necesariamente assim no resto do mundo. Falaremos disso em outro artigo.

Fonte: La Jornada