Alexandre Lucas: O Coletivo Camaradas e os comunistas

“… acusai-nos de querer abolir vossa propriedade. De fato, é isso que queremos…” (Trecho do Manifesto Comunista)

No princípio tudo era comum. A terra não tinha dono, as mulheres e homens eram livres e fraternos, os grupos constituam uma família. A busca pelo alimento, a transformação da natureza em ferramentas e objetos para uso humano, a espiritualidade e a produção simbólica (estética e artística) caracterizaram o cultivo e a propriedade coletiva da vida. Nos primórdios, tínhamos uma sociedade comunista.

Após o surgimento da propriedade privada, a produção simbólica passou a se constituir de forma estratificada numa sociedade marcada pela divisão em classes sociais distintas e antagônicas e em permanente luta, como nos alerta Marx e Engels no Manifesto Comunista: “Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestre de corporação e companheiro, numa palavra, opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada; uma guerra que terminou sempre, ou por uma transformação revolucionária da sociedade inteira, ou pela destruição das suas classes em luta”.

O combate à sociedade de classes e a estratificação da produção simbólica, a luta pela democratização das artes, da diversidade cultural e das ciências são bandeiras que comungaram historicamente de forma direta e indireta com as ideias dos comunistas.

Diversos foram os teóricos do campo marxista que produziram reflexões acerca da arte, da estética e da cultura, tendo como fio condutor a batalha contra o sistema capitalista e o reconhecimento destas questões como produções humanas, por conseguinte histórico-sociais.

A produção estética-artistica influenciada pelas ideias comunistas são presentes na história brasileira, podemos citar como exemplo, os trabalhos dos artistas/escritores: Rachel de Queiroz, Patativa do Assaré, Oswald Barroso, Rosemberg Cariry, Cacá Araújo, Salete Maria, Di Cavalcanti, Carlos Drummond de Andrade, Oswald de Andrade, Pagu, Jorge Amado, Augusto Boal, Graciliano Ramos, Cândido Portinari, Monteiro Lobato, Ruy Santos, Glauber Rocha, Jorge Mautner, Gianfrancesco Guarnieri, Martinho da Vida, Lecy Brandão, Lula Gonzaga, Mario Lago, Oscar Niemeyer, Alexandre Santini, Celio Turino, Haddad, Francisco Milani e milhares de brasileiras e brasileiros que comungam com a ideia de uma sociedade mais humana.

Podemos cita também no campo internacional Diego Rivera, Bertolt Brecht, Pablo Neruda, José Saramago, Walter Benjamin, Pablo Picasso, Frida Kahlo, Mayakovsky, Guy Debord, e outros milhares de pessoas do mundo inteiro.

Nenhum dos citados foram gênios ou seres dotados de poderes transcendentais, mas homens e mulheres que optaram em produzir simbolicamente, e, intelectualmente, refletindo contra a sociedade capitalista e sinalizando novos olhares sobre a produção e a acessibilidade estética e artística.

No Brasil, alguns optaram pela militância partidária nos partidos do campo progressista ligados aos interesses da classe do proletariado (PCdoB, PCB, PT, Etc.) e outros seguiram compartilhando com as ideias sem ter vinculação partidária.

A via de organização também foi um dos caminhos percorridos pelos artistas e intelectuais do campo progressista ligados de forma direta ou indireta aos ideais comunistas. Não é possível falar sobre a história artística e intelectual brasileira do século XX e XXI sem mencionar os comunistas.

Foram a partir das inquietações e reflexões sobre o sistema capitalista e na perspectiva de construção de um novo tipo de sociedade mais humana e fraterna que foi parido em 2007, o Coletivo Camaradas.

O Coletivo nasceu com o intuito de ser uma organização que reunisse artistas e não artistas com o objetivo de estudar a produção simbólica a partir de um viés marxista, e que desenvolvesse ações no campo da arte com uma preocupação de inclusão e comprometimento social do grande público, além de se inserir nas discussões de políticas públicas para cultura.

Desde que foi gestado, vem sendo esboçado e desenhando de forma a dialogar com as diversas forças políticas e de formular uma concepção estética e artística baseada no estudo, vivência e experimentação a partir de aportes teóricos marxistas e da arte contemporânea.

Essa contextualização serve para situar os “Camaradas” e sua ligação com os conceitos comunistas, como forma de reafirmar o caráter político e parcial da compreensão estética e artística que vem sendo arquitetada por esse grupo.

Por outro lado, vale esclarecer que essa compreensão e atitude políticas não caracterizam uma ligação partidária, bem como reconhece os partidos políticos como instrumentos importantes das classes sociais do país, tão quanto os movimentos sociais organizados.

Neste sentido, o Coletivo Camaradas agrega pessoas sem filiação partidária e partidários. Por conta de sua própria constituição teórica aproxima militantes políticos dos movimentos sociais e de partidos ligados às ideias que defendem a derrubada do poder capitalista e construção de uma sociedade de novo tipo, fraterna e socialmente justa, inevitavelmente, os partidos e movimentos ligados as ideias que atormentam a burguesia: os ideários e as ações dos comunistas.

É nessa perspectiva que declaramos abertamente que somos partidários de uma sociedade sem divisões de classes, em que a riqueza gerada possa ser sociamente dividida e os meios de produção pertençam ao conjunto da sociedade, bem como a produção simbólica e intelectual produzida historicamente pela humanidade possa ser um patrimônio comum a serviço da construção de uma sociedade em que impere a solidariedade e fraternidade como elos de humanização. Então, sendo assim, os camaradas são: Comunistas.

Alexandre Lucas é Coordenador do Coletivo Camaradas, pedagogo e artista/educador

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