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Jô Moraes: Contribuição ao debate sobre emancipação

Por Jô Moraes*

Já no final de sua tão generosa vida, Loreta Valadares buscava ainda contribuir nos desafios que a corrente emancipacionista continua enfrentando. Loreta entendia que se fazia necessário intensificar o debate em torno do tema sobre o conceito de EMANCIPAÇÃO. Nos seus últimos meses de vida, toma-o com prioridade, refletida numa correspondência triangular que trocamos com Clara Araújo, no primeiro semestre de 2004: “Revendo A Questão Judaica (Marx, Manuscritos Econômico Filosóficos), escreve Loreta, deparei-me com as questões ‘quem deve emancipar?’, ‘quem deve ser emancipado?’, ‘que espécie de emancipação está em jogo?’, ‘que condições se fundam na essência da emancipação que se procura?’. Marx fala de emancipação sob diferentes ângulos, distinguindo a ‘emancipação política’ da ‘emancipação humana’ e da ‘confusão acrítica da emancipação política e da emancipação humana universal’. Diz que política é um progresso, mas não a forma final da emancipação humana”.

Ao colocar essas questões, Loreta buscava aclarar os caminhos da luta emancipadora da humanidade e, como decorrência, os caminhos para a emancipação de sua metade mulher. Emancipação para quem? Emancipação para os indivíduos? Emancipação para uma coletividade? E que significado assume a emancipação? A emancipação como conquista da liberdade? E como se realiza a liberdade? Para a tradição liberal, “liberdade é a ausência de interferência ou, ainda mais especificamente, de coerção. Sou livre para fazer aquilo que os outros não me impedem de fazer” (Bottomore). Mas é evidente que esse conceito reducionista comporta uma contradição: a liberdade de cada um é afetada pela liberdade de todos.

Os teóricos do socialismo, no entanto, confrontavam essa visão dando ao conceito de liberdade um sentido mais largo. É o mesmo autor que lembra: “Os marxistas tendem a ver a liberdade em termos de eliminação dos obstáculos…ao múltiplo desenvolvimento das possibilidades humanas e à criação de uma forma de associação digna da condição humana”. Para eles, a liberdade como auto-determinação é coletiva.

Quando se fala em emancipação das mulheres não se está falando da liberdade que a mulher quer ter relativa ao domínio sobre seu corpo ou a liberdade de trabalhar. Esta é uma conquista que, formalmente, nos marcos do direito, ela até pode alcançar. Quando se fala em emancipação, em liberdade, está se falando do controle humano sobre as forças da natureza e sobre as condições de vida da própria humanidade. Está se falando do controle que mulheres e homens poderão exercer sobre a própria natureza da humanidade, nas suas mais diferentes dimensões: econômicas, sociais, psicológicas, sexuais, étnicas e políticas.

Por isso, a emancipação para a mulher é a possibilidade de realizar sua atividade criadora de transformação da natureza, ou de reprodução da espécie, liberta das amarras, plena, livre da alienação que a separa dos instrumentos e do conhecimento da produção – e livre dos hábitos e costumes que intervêm na sua vida privada e a mantém presa às tarefas domésticas. Não se pode falar em emancipação para Joana, ou para as mulheres brancas ou para as mulheres operárias. A emancipação plena das mulheres “é um problema da emancipação social”, como afirma Clara Araújo, e só é possível através de uma tentativa coletiva que envolva homens e mulheres. Por isso, a necessidade de se compreender a construção de um novo projeto de sociedade – o socialismo – como caminho para se construir essa experiência cooperativa e organizada.

A dimensão da liberdade humana, de sua emancipação, não se realiza nas sociedades capitalistas presentes com todos os seus laços de opressão social, sexual e racial. Nem mesmo, de forma plena, no período da transição do capitalismo ao socialismo. Esse controle sobre as forças da natureza exige um elevado desenvolvimento material das sociedades e uma vontade social cooperativa e organizada.
Recolocando essas questões, Loreta contribui na compreensão dos objetivos estratégicos da luta emancipadora das mulheres. Na medida que as sociedades capitalistas modernas lhes dão relativa emancipação política, isto é, o reconhecimento formal de direitos, poder-se-ia dizer que a emancipação das mulheres se daria nos marcos mesmos das sociedades capitalistas. Mas, ao se referir à distinção que Marx fazia entre “a emancipação política e a emancipação humana”, ela alerta para que se possa compreender os limites da primeira.

Marx coloca em seus Manuscritos Econômicos Filosóficos (Martin Claret.2004.p.20): “Os limites da emancipação política aparecem imediatamente no fato de o Estado poder libertar-se de um constrangimento sem que o homem se encontre realmente liberto; de o Estado conseguir ser um Estado livre sem que o homem seja um homem livre”. Marx assume a crítica à noção liberal de emancipação política que se limita a defender a igualdade formal e esquece as desigualdades reais.
Se analisarmos a legislação de nosso país relativa à eliminação formal das discriminações contra as mulheres, poderíamos dizer que o Estado brasileiro, em certa medida, emancipou-se de seus preconceitos dando o status de igualdade a homens e mulheres. Qualquer trabalhadora brasileira, no entanto, sabe muito bem o que significa, na sua vida cotidiana, o artigo 7º, inciso XX, da Constituição Federal, onde se lê: “Proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei”, e o inciso XXV que indica: “Assistência gratuita aos filhos e dependentes, desde o nascimento até seis anos de idade, em creches e pré-escolas”. O Estado pode ter-se emancipado das desigualdades formais – poucas restrições legais ainda existem nos países de capitalismo mais avançado – mas as mulheres vivem um cotidiano pleno de sujeição. A própria bandeira de “liberdade para trabalhar”, desfraldada pelas operárias francesas, em 1789 – como diríamos hoje – o acesso ao trabalho – já conquistado com o desenvolvimento capitalista, trouxe limitados avanços na modificação do papel que a sociedade impôs à mulher.

As feministas emancipacionistas não podem limitar os objetivos de sua luta à conquista formal de direitos, à emancipação política. Devem ter como perspectiva a busca de um “novo modo de vida, nos marcos de um novo projeto de sociedade, o socialismo”, como diria o Professor Milton Barbosa, em sua aula sobre Fundamentos Filosóficos do Feminismo Emancipacionista, em curso, na UFBA. Ressalta o Professor Milton Barbosa: a par da luta por um novo sistema social – o socialismo – as emancipacionistas defenderão um novo modo de vida que implica: a) reordenamento das condições de vida (econômicas, sociais e ambientais); b) reconstrução do estilo de vida (hábitos, rotinas, tradições); e c) consolidação de uma nova concepção de vida (valores e idéias).

Ao mesmo tempo, as forças progressistas, sobretudo as revolucionárias terão que assumir a compreensão de que o debate sobre a emancipação feminina tem de ser compreendido como uma significativa parte da luta pela emancipação social. Não é uma pauta à parte, cuja dimensão política tem de ser valorizada. Esta questão é da essência mesma da luta pela emancipação da humanidade".

*Jô Moraes – Presidente do Comitê Estadual do PCdoB-MG