Martin Wolf: O que Hollande deve dizer à Alemanha

A seguir, o Portal Vermelho republica artigo do editor e principal comentarista econômico do Financial Times, Martin Wolf. O Vermelho não se identifica com as propostas apresentadas pelo comentarista, mas considera válida a publicação do artigo dada a maneira precisa como Wolf descreve o cenário econômico europeu e as insanáveis contradições no seio da União Europeia.

As eleições na França e Grécia nos dizem que a austeridade começa a cansar. Não é de surpreender. Para muitos países não há saída plausível da depressão, deflação e desespero. A união cambial teria desmoronado, se fosse um acordo de taxa de câmbio fixa normal, como o padrão-ouro nos anos 30 e o sistema Bretton Woods, nos anos 1970. A questão é se o fato de ser uma união monetária servirá para algo mais do que adiar tal desmoronamento. A chance derradeira de trazer as mudanças necessárias recai sobre os ombros de François Hollande, o recém-eleito presidente da França. Hollande diz que sua missão é dar à Europa "uma dimensão de crescimento e prosperidade". Sendo assim, será que ele tem condições de alcançar meta tão louvável?

O aperto fiscal não melhora os resultados de economias em retração. A austeridade, portanto, está produzindo meramente mais austeridade. De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), a relação entre endividamento público bruto e o Produto Interno Bruto (PIB) terá aumentado, não diminuído, em todos os anos entre 2008 e 2013 na Irlanda, Itália, Espanha e Portugal. Terá diminuído brevemente na Grécia, mas apenas graças à reestruturação de suas dívidas.

Os dados mais assustadores são os do desemprego. A proporção de jovens, na faixa entre 15 e 25 anos, atualmente sem ocupação é de 51% na Grécia e Espanha, de 36% em Portugal e Itália e de 30% na Irlanda. A França está em situação melhor, mas mesmo lá o quadro é desolador, com um em cada cinco jovens sem trabalho. É plausível que as pessoas aceitem essa situação de forma indefinida? Não. Muito mais provável é a repetição dos votos de protesto que vimos nessas eleições. Em pouco mais de um ano, Nicolas Sarkozy foi o oitavo líder de um país da região do euro a ser varrido do governo.

A união cambial foi um plano francês. Foi François Mitterrand quem assinou o tratado de Maastricht. A tarefa do novo presidente é transformar hostilidade em esperança. Ele pode até fracassar, mas só ele entre os líderes europeus tem o desejo e a capacidade para tentar.

Mudança à vista?

As perspectivas econômicas são pobres. O FMI prevê para este ano encolhimento das economias, em termos reais, da Grécia, Itália, Portugal e Espanha, com a Irlanda crescendo apenas 0,5%. Para 2013, de forma otimista, projeta-se crescimento próximo a zero para esses primeiros quatro países. Isso é politicamente perigoso. A emergência de partidos ainda mais extremistas e a sensação cada vez maior de desconfiança parecem inevitáveis. Isso também é economicamente perigoso: quantos dos jovens mais brilhantes agora procuram emigrar?

Algo precisa mudar. Todos os caminhos, contudo, parecem estar bloqueados. O presidente do Bundesbank, Jens Weidmann, argumentou no Financial Times que a política monetária chegou a seus limites, se não já os excedeu. Na ausência de solidariedade fiscal, os países-membros que enfrentam taxas de juros insustentavelmente altas não têm espaço de manobra, enquanto a união cambial carece de um agente fiscal federal. Com isso restam as "políticas estruturais", que é o que os líderes da região do euro querem dizer com política de crescimento. A ideia, no entanto, de que tais reformas trarão um rápido retorno ao crescimento é absurda. No médio prazo, vão aumentar o desemprego, acelerar a deflação e elevar os encargos reais com as dívidas. No cenário dos anos 80, levou mais de dez anos para que se sentisse os benefícios das reformas de Margaret Thatcher no Reino Unido.

Como indica o artigo de Josef Joffe no Financial Times, muitos alemães acreditam que o recente relativo sucesso de seu país deve-se às reformas adotadas no governo de Gerhard Schröder. Isso também é um absurdo. A Alemanha é um caso de crescimento puxado pelas exportações. O que tornou isso possível foi, em parte, o fato de a Alemanha ter uma base industrial espetacular. Também se beneficiou de ondas desenfreadas de expansão alimentadas por crédito em outros países. Há alguma chance de a Alemanha agora devolver esse favor? Quase nenhuma, é a resposta.

A frase mais importante no artigo de Weidmann talvez seja a seguinte: "A política monetária na região do euro é orientada em direção à união monetária como um todo; uma posição muito expansionista da Alemanha, portanto, precisa ser tratada por outros instrumentos [de caráter] nacional". Em resumo: se você sonha que a Alemanha vai permitir uma onda de expansão alimentada por crédito para elevar a inflação doméstica, pode esquecer. Até a crise, a inflação foi consistentemente maior na região do euro como um todo do que na Alemanha, em grande parte pelos índices altos na Espanha e Itália.

Como ressalta, Paul de Grauwe, agora na London School of Economics, o atual processo de ajuste é assimétrico: países em dificuldade se desinflacionam e países em boa situação não se inflacionam. Isso não é uma união monetária. É mais como um império.

Saída à francesa

O que, então, Hollande pode fazer? Primeiro, ele terá de esquecer quase todas suas promessas domésticas, não apenas porque elas não seriam de ajuda para a França, mas também porque, de outra forma, os líderes da Alemanha não o levarão a sério.

Depois, o novo presidente precisa embarcar em uma discussão séria com os líderes alemães sobre como eles esperam que a região do euro acabe com a crise. Ele deveria dar apoio genuíno às recentes declarações inteligentes de Wolfgang Schäuble, pedindo aumentos nos salários alemães. Então, deveria destacar que parece haver apenas cinco formas de acabar com tudo isso. A primeira e melhor seria um ajuste simétrico dos desequilíbrios acumulados antes da crise, juntamente com uma reforma nos países mais enfraquecidos. A segunda seria uma transferência permanente de recursos dos países superavitários para os deficitários. A terceira, uma dolorosa passagem da região do euro para uma situação de superávit externo – uma Alemanha ampliada, por assim dizer. A quarta seria na forma de depressões semipermanentes nos países mais fracos. A última seria o desmembramento parcial ou total da região do euro.

A única alternativa sensata é a primeira, mas esse não é o rumo que a região do euro segue atualmente. A austeridade precisa ser combinada com um ritmo realista de ajuste e reforma estrutural.

As chances de Hollande poder proporcionar uma perspectiva tão diferente são pequenas, mas a união cambial foi um plano francês. Foi François Mitterrand, seu antecessor socialista, quem assinou o tratado de Maastricht. Sua tarefa e meta precisam ser transformar a hostilidade em esperança. Ele pode até fracassar, mas só ele entre os líderes europeus tem o desejo e a capacidade para tentar.

Fonte: Valor Econômico
Tradução: Sabino Ahumada