“A capacidade de resistência dos militares é nula”

“As pressões militares contra a Comissão da Verdade da presidenta Dilma Rousseff indubitavelmente mostram sua debilidade e seu temor, apesar da aparente fortaleza. Essas pressões não demonstram força, mas o contrário” – esta é a avaliação do jornalista argentino Horacio Verbitsky.

Horacio Verbitsky

Ele foi entrevistado pelo jornalista Darío Pignotti, do portal Carta Maior, na Universidade Roma 3, na capital italiana, ao  Ele foi convidade para falar naquela universidade sobre a ditadura argentina e os vínculos econômicos e diplomáticos com setores de poder internacionais.

Verbitsky, especialista em política militar na América Latina, está certo de que “a capacidade de resistência dos militares é zero, é nula”, e que eles arrotam “um poder que não têm”, como já ocorreu em outros países. Ele estudou as transições democráticas na Argentina, Chile e Uruguai, chegando a conclusão de que “sempre houve pressões militares, algumas vezes até se semearam rumores de golpes contra os governos democraticamente eleitos, mas, no final, inexoravelmente, começou-se a abrir passagem para a verdade e a justiça. Não vejo porque o Brasil teria que ser diferente do resto de seus vizinhos”.

Ele pensa que “o Brasil, se avançar com decisão política, terminará se parecendo aos outros países sulamericanos, que já conseguiram bastante. Na Argentina, há mais de 200 condenações, no Uruguai, há 300 processos concluídos, no Chile outros 300, no Peru há várias ações, na Colômbia também. Eu me pergunto: por que razão não haverá processos no Brasil?”

E constata o óbvio: os militares brasileiros ainda se permitem, por meio de manifestos, desafiar as autoridades civis, o que não ocorre no resto do Cone Sul.

As ameaças frequentes de militares, ou de seus porta-vozes civis, contra a Comissão são a consequência natural de muitos anos de impunidade. É preciso lembrar que os militares brasileiros se retiraram do governo conservando todo seu poder, honra, intangibilidade e impunidade, situação que começa a mudar. Eles repetem a reação semelhante dos militares argentinos em 1983 (no fim da ditadura) e em 1985 (por ocasião do julgamento dos comandantes do regime). E também dos militares uruguaios há dois anos, ou dos militares chilenos quando começaram os processos judiciais. Mas se existe a vontade política do governo da presidenta em avançar com os processos estas reações não levarão a lugar algum, porque não têm nenhuma possibilidade de desestabilizar o governo democraticamente eleito, diz o especialista. Não há contexto nacional nem internacional, nem contexto econômico, nem social que permita um golpe militar e, na medida em que essa possibilidade está excluída, tudo o que fizerem será facilmente absorvido pela democracia, se o governo mantiver uma atitude firme, como a presidente Dilma tem mantido.

Se há dúvidas quanto à Comissão da Verdade no Brasil, diz ele, elas se referem ao comportamento dos civis, não dos militares. “Minha dúvida tem a ver com a vocação e a capacidade de pressão da sociedade civil para que haja verdade e justiça”. E compara a reação provocada na Argentina, quando Rodolfo Scilingo, um ex-marinheiro reconheceu perante Verbitsky ter jogado dezenas de presos políticos no mar, numa entrevista que deu origem ao livro “El vuelo”. No Brasil, ele não vê reação semelhante às confissões do ex-agente da repressão e ex-agente do DOPS, que confessou ter incinerado opositores à ditadura. No livro “El vuelo”, disse, “está publicada a confissão do capitão (da Marinha) Scilingo (agiu no campo de concentração chamado ESMA, onde cerca de 5 mil pessoas foram assassinadas) que jogava pessoas vivas no mar. Foi um livro editado em muitos lugares, traduzido em muitas línguas e devo dizer que o país onde teve menor repercussão foi o Brasil”, onde não provocou interesse. Chama a atenção, disse, “que este caso não tenha despertado curiosidade no público. E me parece que se o começo do caminho na direção da Justiça e da Verdade (sobre o que ocorreu sob o poder militar) demorou tanto no Brasil isso tem a ver com o fato de que não é uma reivindicação que surge com força desde o interior da sociedade civil”, mas sim das “vítimas, dos familiares das vítimas”, sem ser “assumido com força por setores significativos da sociedade”.

A ditadura foi mantida por um bloco de poder civil militar e muitos de seus laços ainda estão vivos – daí a preocupação que a busca da verdade causa tanto em militares como em civis que os apoiaram. As situações são semelhantes nos países do Cone Sul, pensa Verbitsky. “Falando de tudo o que há para esconder me parece que no Brasil há tanto para esconder como houve na Argentina, no Chile, no Uruguai. Os temores do bloco de poder, não só militar, são perfeitamente compreensíveis, eles têm que se preocupar. O que me importa é a cumplicidade civil ainda não desvelada”. Na Argentina a revelação da cumplicidade civil com a ditadura militar demorou. Só agora, “três décadas depois do fim da ditadura, está se avançando sobre as cumplicidades civis, sobre os padres, os empresários, os juízes… É um processo que, inexoravelmente, vai ocorrer, e aqueles que ficarem incomodados que se saiba o que fizeram terão que se resignar e se acostumar com a ideia de que isso não tem volta. Isso é inexorável. Como farão para impedi-lo se as instituições funcionam, se a Justiça funciona, se há um contexto internacional no qual o Brasil é membro do sistema interamericano de direitos humanos pelo qual está obrigado a agir nesta direção?”

(Resumo feito pela redação; a íntegra da entrevista pode ser lida no portal Carta Maior).