Desaparecidos políticos são “eleitores fantasmas" no Chile

Mais de mil presos políticos da ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1990) que figuram como desaparecidos há mais de 20 anos tiveram seus nomes incluídos no registro eleitoral oficial este ano, segundo denúncia realizada na tarde desta terça-feira (22) pela AFDD (Associação das Famílias de Detidos e Desaparecidos).

O caso veio à luz após uma denúncia da educadora Érika Hennings, ex-militante do MIR (Movimento de Esquerda Revolucionária) que foi presa no dia 30 de julho de 1974, junto com seu esposo, Alfonso Chanfreau, também militante, que nunca mais foi encontrado. Através de sua conta de twitter, Erika publicou uma reprodução do registro do seu marido desaparecido no cadastro eleitoral.

Imagem mostra a ficha de inscrição de Alfonso Chanfreau no site do Servel

Em entrevista a Opera Mundi, Érika contou que sua filha, Natalia Chanfreau, “estava conferindo seu registro eleitoral no site do Servel, quando procurou pelo sobrenome e encontrou o nome do pai, e depois de encontrar aquela surpresa, passamos a buscar outros nomes de desaparecidos que conhecemos, e encontramos vários outros inscritos”.

Horas depois de realizada a denúncia, a presidenta da AFDD, Lorenza Pizarro, se reuniu com os diretores do Servel (Serviço Nacional Eleitoral do Chile), que admitiu o problema, mas que não o considerou um erro, porque o Registro Civil não as considera mortas. Portanto, segundo ela, é impossível inabilitá-las. Segundo a subdiretora do Servel, Elizabeth Cabrera, o organismo “não pode excluir nomes sem uma base legal, é preciso um atestado de óbito, uma sentença judicial oficial ou uma resolução do Sistema de Registro Civil que os considere mortos”.

A versão de Cabrera se baseia no fato de que este ano entrou em vigor a lei de inscrição eleitoral automática. Até a última eleição, somente as pessoas inscritas voluntariamente nos registros eleitorais estavam aptas para votar. Com a nova lei, as pessoas ainda não registradas poderão fazer sua inscrição no mesmo dia das eleições e já estarão automaticamente habilitadas para votar.

Segundo Érika Hennings, o principal problema da explicação do Servel está no fato de que, pelo que ela constatou ao consultar outros familiares de desaparecidos, grande parte dos inscritos no serviço eleitoral aparecem registrados com endereços eleitorais diferentes dos que registravam em vida.

“Meu marido e eu, por exemplo, vivíamos na comuna de San Miguel antes da detenção, e no próprio Registro Civil (de onde o Servel diz ter recolhido as informações para inscrever os desaparecidos) ainda aparece como residência dele o endereço em San Miguel. Segundo o Servel, no entanto, ele está inscrito como eleitor na comuna de Estación Central”, relatou Érika, que disse ter encontrado a mesma situação ao consultar outras famílias conhecidas.

Uma dor que volta

Um dos casos mais emblemáticos descobertos por Érika é o do médico Enrique Huerta Corvalán, que trabalhava no Palácio de La Moneda e esteve ao lado do deposto presidente Salvador Allende durante o bombardeio à sede presidencial, que iniciou o golpe de Estado, no dia 11 de setembro de 1973. Huerta Corvalán saiu vivo do palácio naquela tarde, como prisioneiro das forças golpistas, e nunca mais foi encontrado. Hoje, o médico que residia em Ñuñoa – comuna do setor leste de Santiago, na zona central chilena – aparece como eleitor registrado na cidade de Coquimbo, localizada no litoral norte do país, a 440 km da capital.

Inscrição de Enrique Huerta Corvalán na cidade de Coquimbo

Lorena Pizarro saiu da reunião com o Servel sem dar declarações pessoais. Por meio de um comunicado oficial, a AFDD afirmou que, independente das explicações entregues pelo Servel, o principal problema é que “o Estado chileno insiste em não enfrentar a situação legal de milhares de pessoas que foram assassinadas pelo próprio Estado e que cuja desaparição foi forçada, para encobrir esses crimes, fazendo ressurgir a dor das famílias a cada episódio como este”.

A nota também diz que a Associação não pretende pedir cabeças dos diretores do Servel, e sim exigir uma postura mais clara do Estado chileno com respeito à situação legal dos desaparecidos.

Segundo os relatórios Rettig (1990) e Valech (2003), que surgiram de comissões criadas para determinar a identidade e o paradeiro de vitimas da repressão, além das responsabilidades penais pelas violações aos direitos humanos (como "comissões da verdade" chilenas), a ditadura de Augusto Pinochet prendeu 40.280 opositores, dos quais cerca de 2.300 foram oficialmente declarados como assassinados e outros 1.200 figuram como desaparecidos.

Cabe destacar que o Chile realizará eleições municipais no próximo mês de outubro. Em 2013, haverá eleições presidenciais.

Fonte: Ópera Mundi