Multidões apoiam estudantes e desafiam autoridades no Canadá

Dezenas de milhares de pessoas uniram-se aos estudantes do Quebec, no Canadá, em luta contra o aumento das mensalidades decidido pelas autoridades. Os protestos realizados durante toda a semana passada assumiram o caráter de desobediência civil pacífica depois das autoridades aprovarem uma norma que reprime com violência o direito de manifestação.

As mais recentes ações de massas ocorreram no final da tarde e noite de sábado em várias cidades da província francófona. Em Montreal, maior cidade da região e segunda maior do país, mas também na cidade de Quebec, capital da província, milhares de populares juntaram-se aos estudantes em marchas pacíficas que assumiram o caráter de desobediência civil, isto depois de o governo local ter aprovado uma norma que criminaliza brutalmente os protestos populares.

Organizações estudantis e sindicais apresentaram, entretanto, uma queixa na justiça contra a violenta Lei 78, aprovada no dia 18 de maio, que entre outras disposições obriga os promotores de iniciativas reivindicativas com mais de 50 pessoas a comunicarem às autoridades o percurso e a tempo exato de duração das mesmas, e institui multas entre 1 mil e 125 mil dólares canadenses, aplicáveis a participantes, líderes ou organizações que violem aquela norma ou levem a cabo piquetes junto a estabelecimentos de ensino que impeçam a entrada de fura-greves, por exemplo.

O objetivo do governo local de centro-direita, liderado por Jean Charest, era facilitar a dispersão dos protestos e a detenção dos estudantes que há mais de 100 dias estão em greve contra o aumento das mensalidades em 70%, isto apesar de nos últimos três meses já terem sido presos cerca de 2500 alunos e a cadência dos confrontos entre polícia e manifestantes ter-se agudizado de dia para dia.

O fato é que a aprovação da Lei 78 teve o efeito inverso ao pretendido pela administração Charest e levou a que a luta dos alunos universitários ganhasse a simpatia ativa de outros setores sociais, até agora majoritariamente favoráveis à subida das taxas de frequência no ensino superior, de acordo com pesquisas publicadas por meios de comunicação locais

Desde outubro de 1970, quando o executivo central de Ottawa decretou a lei marcial na província do Quebec para aplacar as movimentações separatistas, não se via tamanha multidão nas ruas.

Semana de combate

Na noite e madrugada de quarta-feira (23), só em Montreal, manifestaram-se 250 mil pessoas, num protesto ruidoso com panelas, buzinas, instrumentos musicais, tudo o que pudesse mexer com a paz social que as autoridades procuraram impor.

Populares ouvidos por agências noticiosas afirmaram que a Lei 78 foi o principal motivo que os levou às ruas, mas o aumento das mensalidades, os recentes escândalos de corrupção e as denúncias de supostos casos de apropriação e desbaratamento de fundos públicos acrescem à indignação para com a norma.

As marchas de quarta-feira (23)  terminaram com um saldo de quase 700 detidos nas cidades de Montreal e Quebec, a maioria dos quais foram libertados no dia seguinte, apesar de terem sido acusados e multados por desacato e participação nas batalhas campais com a polícia.

Os protestos de sábado (26) não degeneraram em confrontos e o governo provincial anunciou que iria sentar-se à mesa das negociações com os estudantes, mas foi avisando que nem o aumento das mensalidades nem a Lei 78 são passíveis de discussão.

Os estudantes, por seu lado, não parecem disponíveis para abdicar das suas reivindicações, e para além de reforçados com a entrada na luta da generalidade do povo do Quebec, contam com mais de 100 dias de experiência num combate tenaz pautado por quase 30 ações de massas.

O centésimo dia do início da greve dos estudantes foi, aliás, assinalado na terça-feira (22), invariavelmente com marchas que culminaram em confrontos e prisões.

A luta estudantil iniciou-se em 10 de novembro do ano passado, com uma paralisação de um dia, à qual aderiram 200 mil alunos, e uma manifestação em Montreal que reuniu cerca de 30 mil estudantes.

Em 23 de fevereiro, foi decretada a greve por tempo indeterminado que contaminou a esmagadora maioria das universidades e colégios. A persistência da jornada levou a administração do Quebec a suspender as aulas.

Crise imposta aos mesmos

O principal argumento do governo do Quebec para impor um aumento de 70% nas mensalidades é a crise mundial, argumento que, por estes dias, está a ser invocado não apenas para aplicar medidas contrárias aos interesses dos estudantes mas, também, aos interesses dos trabalhadores canadenses.

Na segunda-feira (28), cerca de 4800 engenheiros, maquinistas e controladores de tráfego da Canadian Pacific Railway (CPR) cumpriram o sexto dia de greve em defesa do fundo de pensões, ao qual a empresa pretende ter acesso para poder investir, segundo afirma.

Os trabalhadores e os seus representantes consideram a proposta um roubo aos seus descontos com o propósito de beneficiar os acionistas, e no domingo (27), romperam as negociações mediadas pela ministra do Trabalho, Lisa Pratt.

Pratt, entretanto, já admitiu convocar compulsoriamente para o trabalho os funcionários da CPR, argumentando que a linha que atravessa o território de Oeste a Leste é a "espinha dorsal" do país.

Ameaçados estão, igualmente, os trabalhadores da canadense Research In Motion (RIM). A fabricante dos famosos celulares BlackBerry admite despedir a partir de amanhã pelo menos dois mil funcionários.

"O total dos postos de trabalho fechados em todo o mundo pode, no entanto, ascender aos seis mil", disse fonte da empresa à Reuters.

Fonte: Avante!