O julgamento do “mensalão”
O “mensalão” foi uma ferramenta para sangrar o mandato do presidente Lula em 2005 e 2006; agora, com a oposição em dificuldades, aparece como um soro para reanimar a direita e os conservadores.
Por José Carlos Ruy
Publicado 07/06/2012 11:34
Há um dito futebolístico segundo o qual time que está mal no jogo comemora até escanteio. A reação da mídia conservadora ante a perspectiva do início do julgamento do chamado “mensalão” enquadra-se nesse figurino: um notório serviçal dos barões da mídia comemorou, na manhã desta quarta feira, não o eventual resultado daquele julgamento – que confessa não imaginar qual será – mas a marcação da data do julgamento! É uma derrota para Lula e José Dirceu, disse o blogueiro da revista Veja Reinaldo Azevedo num comentário publicado nesta manhã.
Ontem (6) o Supremo Tribunal Federal definiu a data para o inicio do julgamento do processo: 1º de agosto. Isso foi possível depois de ter sido definido o rito do julgamento e depois da garantia do ministro Ricardo Lewandowski, revisor do processo, de que entregará seu voto em junho.
A primeira etapa do julgamento terá sessões nos dias úteis, até 14 de agosto (com exceção do dia 3 de agosto), nas quais serão apresentados o relatório que resume o caso e as alegações do Ministério Público e dos advogados de defesa dos 38 acusados. A segunda fase terá os votos dos ministros; as sessões ocorrerão apenas nas segundas, quartas e quintas, começando às 14 horas mas sem previsão do horário de encerramento pois seguirão o ritmo do voto de cada ministro. Embora não haja previsão de data para o final do julgamento, muitos acreditam que ele irá até o final de setembro.
O assanhamento da imprensa conservadora e da oposição de direita e neoliberal centrada no PSDB é compreensível. No momento em que o PSDB está sangrando, como reconheceu um importante cacique tucano, o senador paranaense Álvaro Dias, um “escanteio” vem mesmo bem a calhar. Ele abre a perspectiva de um espetáculo midiático para, esperam os tucanos e a oposição conservadora, ajudar a afastar o foco que recai sobre as graves acusações que envolvem destacados políticos de seu campo numa CPI, a do Cachoeira, que pode – ela sim – desvendar e punir vínculos entre criminosos, a mídia conservadora, e dirigentes e mandatários políticos do campo conservador.
O julgamento do chamado “mensalão”, esta farsa montada pelo conluio entre políticos da direita e a imprensa conservadora, poderá dominar a pauta midiática nos próximos meses. O “mensalão” foi, em sua origem, instrumento da “tática do cangaceiro” com que o PSDB e seus comparsas quiseram sangrar até a morte o governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva. Não deu certo. Não provocou – nem podia – o clamor popular que a direita imaginava, como sempre, poder repetir naquele episódio a atuação moralista hipócrita que havia marcado outros momentos da República, como o “mar de lama” que levou ao suicídio de Getúlio Vargas em 1954, ou a campanha contra as reformas de base de João Goulart, que levou ao golpe de estado de 1964.
O “mensalão” foi uma ferramenta política contra Lula, os partidos que apoiam seu projeto de mudança, e contra as transformações que o Brasil começava a viver. O apelido publicitário surgiu exatamente há sete anos, quando – em 6 de junho de 2005 – Roberto Jefferson, que era deputado do PTB, cunhou, em entrevista à Folha de S. Paulo, a expressão “mensalão” e acusou o governo Lula de desviar dinheiro público para o pagamento mensal de parlamentares que se alinhassem à base do governo.
A alegação ganhou força embora nunca tenha sido provada ou demonstrada a existência dos tais pagamentos mensais.
O que foi demonstrado e provado judicialmente atinge exatamente o campo direitista e neoliberal. Na véspera do anúncio do STF, do início do julgamento do chamado “mensalão”, a Justiça de Brasília proferiu a sentença que condenou (dia 5) a ex-deputada distrital Eurides Brito (PMDB) por improbidade administrativa e a devolver cerca de R$ 3,5 milhões desviados dos cofres públicos. Ela foi denunciada pela operação Caixa de Pandora, da Polícia Federal, que investigou o pagamento de propina a deputados aliados ao então governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda (DEM), no escândalo conhecido como mensalão do DEM. Ela foi condenada por ter recebido, entre 2006 e 2009, 31 parcelas mensais de 20 mil reais para apoiar o então governador tucano, uma mesada. A ex-deputada teve também seus direitos políticos cassados por dez anos.
Outro golpe severo contra a oposição de direita foi a condenação (dia 5), também às vésperas do anúncio pelo STF do início do julgamento do “mensalão”, do ex-prefeito do Rio de Janeiro, o destacado cacique do DEM César Maia, juntamente com ex-diretores Empresa Municipal de Urbanização (Rio Urbe). Todos por improbidade administrativa. Tiveram seus direitos políticos suspensos por cinco anos e foram condenados a devolver o dinheiro empregado ilicitamente.
A mídia conservadora e a direita neoliberal vão fazer de tudo para transformar o “escanteio” em gol nos meses que antecedem a eleição para prefeitos e vereadores. O “mensalão” serve agora não para sangrar um presidente como tentaram fazer com Lula em 2005 e 2006; serve de soro para um doente combalido que enfrenta o voto popular em condições difíceis.