Elias Ribeiro Pinto: Um furacão chamado Socorro

Para este 2012, que vai pela metade, ainda pretendo – tomando como chão o meu breve livro de crônicas que saiu pela coleção do Diário – reunir outros tantos textos publicados aqui na coluna, nestes já dez anos de existência, ampliando o volume anterior, mais que o dobrando de tamanho. E ainda vai sobrar uma boa maçaroca para outro livro.

Por Elias Ribeiro Pinto, no Diário do Pará

Aliás, outro livro que venho planejando é o de entrevistas, desde as que publiquei ainda no jornal “A Província do Pará” até as do Diário. A bem da verdade, e vergonhosamente, reconheço, venho planejando esse livro há mais de dez anos.

O problema, desorganizado como sou, é que um dia consigo reunir um lote dessas entrevistas, para perdê-las de vista no dia seguinte. A maioria – as mais antigas – ainda está na forma impressa, sem transcrição digital.

 Mas na semana passada ganhei um importante estímulo para enfim organizar esse bendito volume. Arrumando um dos quartos (os situados na ala noroeste da Mansarda Pinto), colhi, em meio ao matagal indócil, um buquê de entrevistas da época da Província, publicadas entre 1990 e 1992.

Estavam lá as entrevistas com Haroldo Maranhão (“O Pará não morreu. Viva o Acará!”), Age de Carvalho (“Em busca do épico perdido, o poeta-um”), Ruy Barata (“O poeta e seu ofício”), Jocelyn Brasil (“O garoto que quis salvar o Brasil”), Edyr Proença (“A voz que fala e canta para a planície”), Lúcio Flávio Pinto (“A malícia do jornalismo”), D. Alberto Ramos (“Si Deus pro nobis, quis contra nos?”) e Socorro Gomes (“Um furacão chamado Socorro”).

Há muitas outras daquela época, socadas pelos cantos da mansarda. Lembro, entre várias que não me ocorrem, as de Carlos Rocque, Paulinho Payakan, Vicente Cecim, Walter Bandeira, uma com o primeiro ombudsman da Folha de S.Paulo, Caio Túlio Costa (que ele considerou, em seu livro sobre a experiência como ombudsman, a melhor concedida a uma publicação impressa), uma conjunta com os cartunistas Luiz Pinto, Biratan Porto e Félix, com Max Martins, Edwaldo Martins… São longas entrevistas – cobririam umas quatro páginas de um jornal de hoje. Algumas são importantes por oferecer, para além das circunstâncias do momento, um painel da vida e obra dos entrevistados.

Também realizei outras tantas no Diário: com Jarbas Passarinho, além de personagens de fora de Belém, como os escritores Milton Hatoum (uma das mais abrangentes que ele já concedeu, segundo a opinião do próprio autor amazonense), Carlos Heitor Cony e Moacyr Scliar e o jornalista Sérgio Augusto.

A mais circunstancial de todas, irremediavelmente datada, dentre estas que tornei a recolher, é a com Socorro Gomes. Talvez poucos recordem, mas Socorro foi, em 1990, o maior fenômeno eleitoral paraense daquele ano, com 62 mil votos que a elegeram deputada federal.

A apresentação da entrevista começa assim: “O apartamento onde mora a deputada federal eleita Socorro Gomes é o avesso do que dá a entender seu patrimônio eleitoral: é pequeno, acanhado mesmo”. E prossegue, adiante: “Os que se acostumaram com sua vibrante presença no vídeo, pedindo voto para si e para as propostas do Partido Comunista do Brasil, o PCdoB, surpreender-se-iam com a timidez e a fragilidade da mulher que está sentada à minha frente, timidez e fragilidade que vão dando lugar, conforme a entrevista avança, a colocações incisivas, a pronunciamentos desassombrados”. Ao final da conversa, perguntei: “Já leste Marx?” A deputada hesitou: “Já li alguma coisa”. Insisti: “Alguma coisa… Só O Capital são cinco volumes, se não estou enganado…”. A comunista Socorro admitiu: “Pois é. É que O Capital eu não pego direito; quando surge necessidade eu vou, estudo, consulto”.

Falando nela, por onde anda Socorro Gomes, que um dia causou um furacão eleitoral?

Elias Ribeiro Pinto é jornalista e escritor