WikiLeaks revela que EUA queriam adiar Rio+20

Tanto a gestão do ex-presidente dos EUA George W. Bush como a do atual chefe de Estado americano, Barack Obama, se mostraram contrárias à ideia do Brasil de convocar a Rio+20.

Telegramas da diplomacia norte-americana obtidos pelo site WikiLeaks revelam que a Casa Branca qualificou a cúpula como "precipitada", questionou a utilidade do encontro e os gastos que envolveria e ainda tentou convencer outros governos de realizar uma conferência apenas em 2017. Obama, para justificar sua resistência, usou exatamente os argumentos de Bush, segundo mostram os documentos.

O conteúdo dos telegramas revela que a resistência dos EUA à reunião ocorre desde 2008. Parte dos relatórios questionando a cúpula foram assinados por Hillary Clinton, secretária de Estado norte-americana e representante de Obama na Rio+20 esta semana.

Um telegrama de 31 de outubro de 2008 – assinado pela então secretária de Estado, Condoleezza Rice – deixa a entender que a ideia da realização do encontro veio do G-77, grupo de países em desenvolvimento. Naquele momento, não havia ainda um acordo de que a reunião ocorreria no Rio de Janeiro. "O presidente brasileiro (Luiz Inácio) Lula (da Silva) e o primeiro-ministro sul-coreano, Han (Duck-soo), propuseram sediar uma Rio20."

Segundo o documento, o governo sul-coreano teria pedido à Casa Branca apoio para que a cúpula ocorresse em Seul – e o Itamaraty também biscado ajuda de Washington.

Naquele momento, porém, a orientação de Condoleezza a sua missão perante a ONU era de tentar frear o projeto da reunião, alertando que 2012 não seria o momento. O principal argumento era de que uma agenda de trabalho já tinha sido estabelecida e seria concluída em 2017. Portanto, não haveria motivo para a convocação de uma nova reunião.

Prematura

Condoleezza sugeria que a representação norte-americana na ONU explicasse que os EUA "não eram contrários à cúpula em si, mas estavam preocupados com os recursos, tanto financeiros como humanos, que seriam exigidos".

"Temos dúvidas quanto à produtividade dessa cúpula nesse estágio, à luz de nossos compromissos em andamento sobre desenvolvimento sustentável." Segundo a ex-secretária de Estado, a diplomacia norte-americana deveria "enfatizar que o papel da Comissão para o Desenvolvimento Sustentável da ONU e seu ciclo de trabalho são prioridades importantes para os EUA". O cronograma da comissão da ONU previa para 2017 uma nova etapa de negociações.

Decepção

Obama assumiria a presidência norte-americana no início de 2009, dando ao mundo a esperança de que colocaria a questão ambiental no centro de sua agenda, reavaliando a política implementada por Bush, duramente criticada por ambientalistas. Mas em junho daquele ano, a secretária de Estado Hillary Clinton assinou uma carta que seria enviada para a ONU revelando que a resistência da nova administração em relação ao evento no Rio permanecia no governo dos EUA.

As Nações Unidas ainda estudavam a realização do evento e tinham pedido que delegações de todo o mundo fizessem seus comentários. Na época, não se falava de Rio+20, mas de um "possível evento de alto segmento" sobre o tema.

Diplomática, Hillary insistiu que os EUA estavam "dedicados na busca de desenvolvimento sustentável e acreditam fortemente na cooperação internacional". A norte-americana também elogiava os resultados das conferências de clima realizadas no passado. Mas, em grande parte, repetia quase que integralmente a posição adotada por Bush.

Hillary afirmou que, em 2003, a ONU havia estabelecido uma revisão da estratégia e uma análise de quanto o mundo caminhou – o que deveria ocorrer em 2017, no fim do calendário de trabalho estabelecido pela entidade.

"Continuamos a ter questões, incluindo qual seria a meta do encontro, como (a cúpula) adicionaria valor ao trabalho já existente em desenvolvimento sustentável, como evitaríamos que (o encontro) afete as conclusões do processo da Comissão para o Desenvolvimento Sustentável."

Adiamento

A secretária de Estado também chega à mesma conclusão que sua antecessora. "Se a meta dos dois eventos de alto nível é o mesmo, Estados-membros devem considerar adiar qualquer cúpula até 2017, quando teríamos uma oportunidade sem precedentes para reavaliar a história completa dos acordos de desenvolvimento sustentável e conquistas para que possamos nos informar sobre os próximos passos e embarcar em novas metas."

Até o argumento financeiro da gestão Bush voltou à tona. "Muitos governos, incluindo os EUA, não têm recursos e nem funcionários para preparar duas cúpulas em cinco anos." Segundo Hillary, Washington participaria dos debates sobre a conveniência de realizar a cúpula, mas o foco de Washington deveria ser "especialmente sobre a implementação de acordos já feitos".

Em outro telegrama, vindo de Moscou, diplomatas dos EUA questionam os russos sobre qual seria a posição do Kremlin.

Em agosto de 2009, outro telegrama assinado por Hillary voltou a levantar dúvidas sobre o evento. Era uma mensagem da Secretaria de Estado à missão norte-americana da ONU e tinha como objetivo começar a preparar o que seria o primeiro discurso de Obama na entidade, no mês seguinte.

"Nosso objetivo é mover-nos em direção a um mundo que supere a divisão histórica Norte/Sul criando oportunidades para uma ampla gama de Estados, incluindo aqueles do G-77 e do Movimento Não Alinhado, trabalhar de forma mais cooperativa com os EUA." Mas, sobre o meio ambiente, a visão foi de hesitação.