Dilma: Nações devem ir além do proposto na declaração da Rio+20

A resolução oficial da Rio+20 deve ser o mesmo rascunho apresentado pelo Brasil na última terça-feira. Neste último dia da Conferência organizada pela ONU, o texto "O Futuro que Queremos" será a síntese dos compromissos firmados pelas nações presentes. Ao fazer um balanço dos dias de debates, a presidenta Dilma Rousseff afirmou que foram construídos consensos históricos no que foi possível.

“É o ponto de partida e não de chegada. As nações chegaram até ali, não significa que os países não podem ter suas próprias políticas”. Para Dilma, a partir deste momento, as nações devem avançar. “Ninguém pode ficar aquém, todos devem e podem ir além dessa posição. Isso significa que a próxima conferência tem que dar um passo à frente", afirmou em uma coletiva de imprensa.

A presidenta ainda destacou a dificuldade de fechar acordos sobre financiamento para ações de desenvolvimento sustentável: "Os países tem estágios diferenciados de consciência e de compromisso, mas temos questões que devem avançar. Uma forma de se evoluir é colocar na pauta o financiamento. Os países desenvolvidos não querem, então tem que respeitar quem não quer. Até onde estamos é onde chegamos em conjunto", ressaltou. Para a presidenta, o documento traz avanços sobre desenvolvimento no ambiente e na erradicação da pobreza.

"Eu vejo com normalidade a reação da sociedade civil; o que está acontecendo aqui é um a conferência de países soberanos", afirmou a presidenta ao ressaltar que o mundo vive hoje uma multilateralidade. Dilma se referia às críticas apresentadas pela Cúpula dos Povos ao resultado expresso no documento.

Os representantes da Cúpula afirmaram que a Conferência fracassou na tentativa de propor caminhos e ações, e defenderam a criação de um dia mundial de greve geral.

As críticas estão no documento final da Cúpula, que também chega ao fim após mais de dez dias de debates e palestras entre diversos grupos da sociedade civil. "Hoje afirmamos que, além de confirmar nossa análise, ocorreram retrocessos significativos em relação aos direitos humanos já reconhecidos. A Rio+20 repete o falido roteiro de falsas soluções defendidas pelos mesmos atores que provocaram a crise global", diz um trecho da declaração.

"À medida que essa crise se aprofunda, mais as corporações avançam contra os direitos dos povos, a democracia e a natureza, sequestrando os bens comuns da humanidade para salvar o sistema econômico-financeiro", diz outro trecho da nota.

Negociação

O negociador chefe do Brasil, André Correa do Lago, admite que faltaram grandes pontos de avanço, mas que este foi o consenso possível. O embaixador destaca o papel dos países em desenvolvimento na nossa geopolítica internacional. Para ele, a manutenção do princípio das "responsabilidades comuns, porém diferenciadas" é essencial para garantir que as nações mais pobres cresçam da sua maneira. Segundo Lago, é o princípio que permite que o Brasil tome voluntariamente a meta de diminuir o desmatamento em 80% até 2020 ou que a China seja o segundo país do mundo que mais investe em energia renovável.

O negociador destaca que o reconhecimento de que é "crucial" atingir as metas da Assistência Oficial ao Desenvolvimento (ODA, em inglês), na qual os países ricos devem investir 0,7% de seu PIB até 2015 nos países em desenvolvimento. Até agora, só 5 países cumpriram: Dinamarca, Holanda, Luxemburgo, Noruega e Suécia.

A secretária de Estado americana Hillary Clinton elogiou a liderança do Brasil na produção de um documento que traz “um avanço real para o desenvolvimento sustentável”. Ela afirmou que o documento contém muitos princípios e propostas importantes, mas destacou os exemplos de novas formas de pensar que surgiram ao longo da conferência. “Deve-se dizer do Rio, como dizia Steve Jobs, que as pessoas não apenas saíram pensando grande, mas pensando diferente”, afirmou.

Hillary fechou a discreta participação dos EUA na Rio+20 com um discurso no qual o que mais chamou atenção foi a defesa dos direitos reprodutivos da mulher, reabrindo uma polêmica surgida com a substituição dessa expressão por “saúde reprodutiva” da mulher, por pressão do Vaticano. A polêmica havia irritado a presidente Dilma Rousseff, que na quinta-feira recusou pedido de encontro bilateral com Hillary.

Na área ambiental, a secretária anunciou uma inexpressiva ajuda de US$ 20 milhões para projetos de energia limpa na África. A secretária de Estado afirmou que o governo dos EUA “continuará a trabalhar para assegurar que esses direitos sejam respeitados em todos os tratados internacionais”.

Outras Reações

As avaliações ao documento final variam de acordo com o público que analisa o evento, embora haja em comum a opinião de que faltou “ousadia” e “metas”. A senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), que é uma das representantes do Senado no evento, disse que na questão ambiental os representantes dos países estão andando em círculo.

A parlamentar amazonense destacou os esforços da diplomacia brasileira nas negociações, porém, criticou os representantes dos países desenvolvidos que, por conta da crise econômica, evitaram avançar na questão do financiamento. “Não avançou em nada até agora em termos de financiamento e nos meios de implementação das políticas de desenvolvimento sustentável”, criticou.

Ela fez referência à falta de compromisso com a criação de um fundo internacional de apoio ao desenvolvimento sustentável da ordem de US$30 bilhões. “Tudo recai sobre os países emergentes. Além de não recebermos qualquer contribuição, não digo esmola e nem ajuda, porque o Brasil quando mantém sua floresta em pé contribui com o equilíbrio do clima no planeta, somos chamados a dar mais. Enquanto isso, os países que destruíram seus recursos naturais não são cobrados”, afirmou.

Segundo ela, as decisões por mais tímidas que fossem deveriam ser tomadas em áreas como manejo de resíduos sólidos. “A avaliação que se faz hoje é que nas últimas duas décadas, desde a Eco-92, muito tem se falado e a preocupação com o meio ambiente aumentou, mas contraditoriamente a situação do ambiente no planeta continua se degradando”, lamentou.

Defesa do documento

A despeito de críticas ao documento final, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, ressaltou que a Rio+20 avançou em pontos estratégicos para o debate sobre um novo modelo de desenvolvimento, apesar da resistência dos representantes de países desenvolvidos em se comprometer com recursos financeiros e metas.

“É fácil falar que o documento da conferência é pouco ambicioso, mas ninguém se sentou à mesa para colocar dinheiro adicional. O que vi foram todos os países em desenvolvimento assumindo compromissos em relação à sustentabilidade e muitos países ricos não adicionando qualquer recurso para esse processo”, disse, fazendo coro às palavras da senadora amazonense.

Mas a ministra vê na criação de um fórum de alto nível sobre desenvolvimento sustentável na Organização das Nações Unidas (ONU) uma expectativa positiva de que o tema será tratado com maior relevância e comprometimento.

“A comissão (de Desenvolvimento Sustentável da ONU) se revelou insuficiente para a coordenação do desenvolvimento sustentável. Esperamos que o fórum de alto nível seja responsável pela avaliação e implementação dessas metas, mas também traga o debate para a centralidade da geopolítica internacional e do multilateralismo”, disse a ministra.

Izabella Teixeira admitiu que a Rio+20 foi realizada em um cenário de multilateralismo, no qual “é difícil construir consensos. O processo é complexo, porque precisamos falar e aprender a ouvir. O consenso alcançado na Rio+20 é global, mas não quer dizer que cada país não possa fazer mais do que o colocado aqui. Todos temos responsabilidade de avançar”.

Entidades

A avaliação da organização Amigos da Terra Internacional, uma das maiores organizações ambientalistas de base do mundo, é de críticas e acusações. O documento oficial da Rio+20, é “um atentado aos povos, porque é um documento vazio, sem alma e sem compromissos concretos com o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável”, disse a ativista da organização, Lúcia Ortiz.

Na avaliação de Lúcia Ortiz, é gritante a falta de compromisso dos chefes de Estado e de Governo para com o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável “em um momento em que se necessita, de fato, de medidas urgentes para que os governos possam prevenir e mudar os rumos que a humanidade está tomando”.

“O que a gente vê é a elaboração de um documento que ainda abre portas para a mercantilização dos bens comuns, sejam eles o ar, a biodiversidade e a água, ou mesmo a comunicação ou as diversidades culturais, que também estão sendo mercantilizadas em um processo onde a política está sendo substituída pela financeirização”, avalia.

A análise feita pelo Conselho Permanente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), após dois dias de debates do documento final é que a Rio+20 chega ao fim com um retrocesso quando se comparam seus resultados com os avanços obtidos na conferência anterior, a Eco 92.

Os bispos católicos questionaram principalmente o que classificaram de "desvio" dos dirigentes mundiais no trato da educação como instrumento capaz de resultar em relações novas e éticas com o meio ambiente. O secretário-geral da CNBB, dom Leonardo Steiner, disse que a economia verde defendida pelas autoridades governamentais foge do debate central de desenvolvimento de uma política ambiental que promova o crescimento sustentável.

“A Rio+20 indica uma resposta a essas questões com a chamada economia verde. Se esta, em alguma medida, significa a privatização e a mercantilização dos bens naturais, como a água, os solos, o ar, as energias e a biodiversidade, então ela é eticamente inaceitável”, diz o documento final do conselho.

Da redação em Brasília com agências