Jorgelina Cerritos: mulher que escreve a partir da voz da mulher

A dramaturga salvadorenha Jorgelina Cerritos, prêmio Casa das Américas 2010, define sua literatura como a de uma mulher escrevendo a partir da voz da mulher.

É que a voz do homem a ouvimos todos os dias, em nossa cultura legalizamos a expressão masculina mesmo através da palavra da mulher, comentou à Prensa Latina a também atriz do grupo teatral Os do quinto andar.

A entrevista teve lugar na cidade portuária de Cienfuegos, 250 quilômetros a sudeste de Havana, durante sua primeira visita a Cuba, neste caso como jurada do próprio prêmio que internacionalizou seu cotidiano literário.

Então fui percebendo que em todas as minhas obras existe uma mulher falando, ainda nas infantis há uma menina como comunicadora da ideia, enfatizou.

Quando escrevi "Do outro lado do mar" – a peça dramatúrgica premiada pela Casa das Américas durante a 51ª edição do mais reconhecido concurso literário da América Latina -, a primeira personagem que tive em minha frente foi o homem, Pescador, estava convencida, e assim comentei com meus colegas do grupo, recorda.

Mas quando eles a leram em seguida disseram: "A personagem é Dorotea". É que ela é a história, a dor, a precisada de redenção. Sua voz é a do auxílio, a do desespero, reforça sua tese a autora de outras sete peças como O colecionador e Respostas para um menu.

Interrogada a respeito de seu presumível feminismo, Cerritos disse: Passei 10 anos escrevendo teatro antes de dizer sou dramaturga. O verdadeiro é que existem tantas histórias de mulheres que precisam ser contadas, afirma a salvadorenha que faz teatro desde começos dos anos 90.

Memória histórica

Como muitos adultos de sua geração, Jorgelina se faz com frequência a pergunta: somos ou não meninos da guerra? Mas está segura de que a atmosfera de violência permanece intacta em sua memória em forma de toques de recolher, a mão insepulta de um morto ou essas coisas alaranjadas (paraquedas) caindo do céu.

Sobre a presença de tal ambiente político em sua obra, precisa que agora está adentrando-se naquele período. "Aliás, a obra que escrevo na atualidade com meu grupo enfoca esse momento histórico".

Desde 2005 anda-nos rondando a necessidade de falar da memória histórica. Então metemos-nos em uma investigação, fomos ao centro de San Salvador a ver com outros olhos a desordem que é essa área urbana patrimonial, antecipa.

Tem sido um processo longo que não sabíamos muito bem para onde nos ia levar, mas já temos o primeiro rascunho da peça, ainda sem título, mas sim conhecemos suas três personagens, explica a respeito da obra, coletiva no sentido da investigação, mas escrita por ela.

Imagino-me que será uma trilogia na qual me proponho ir do geral ao específico; na segunda peça vou contar sobre os desaparecidos, agrega.

Mas no meio de tal processo criativo sente-se assaltada por recorrentes perguntas: que é a verdade? Como podemos construir nossa memória e não chegamos à verdade? Será possível que possamos chegar? Onde está o ponto médio?

Uma mulher eloquente

Como em El Salvador não existem estudos superiores de Arte, salvo Artes Plásticas, Jorgelina Cerritos começou em oficinas universitárias de teatro; desde 1993 não tem parado de atuar, e depois, no ano 2000, começou a incursionar na dramaturgia.

"De fato sempre escrevi poesia, desde adolescente, e uma parte de minha formação literária devo a um diário pessoal que ainda guardo, mas a necessidade de plasmar em letras o que pensava ou sucedia ao meu redor estava presente".

"Depois comecei em oficinas literárias, de poesia especificamente, e sigo fazendo versos para meninos e adultos, quiçá goste mais dos destinados ao público infantil. A estas alturas reconheço que já não posso parar".

"Acho que com o tempo minha obra poética chegará a ser publicada, ainda que contraditoriamente não esteja trabalhando para isso, mas tenho uns poemas que me dizem: Mamãe busca-me nascer ao mundo editorial".

Com uma dramaturga que começa ter voz própria no palco teatral da região, é de interesse conhecer as influências que ela mesma reconhece em sua obra.

"García Lorca é das primeiras vozes que escuto da dramaturgia, depois vem o chileno Marco Antonio da Parra, com ele tenho estudado a parte ética do teatro, a partir da leitura de sua Carta a um jovem dramaturgo".

"Ali começo a encontrar todas essas ressonâncias do texto que quero escrever, esse em que ele convida a lançar ao precipício".

"Também está o argentino-equatoriano Arístides Vargas, quem tem passado com muitos espetáculos de seu grupo Má erva por El Salvador. Sua poética para mim é preciosa, gosto dessa maneira tão metafórica de falar da dor, da perda".

"É o desencanto que não te soa àquela coisa que te está rasgando a roupa, senão que estás encontrando a beleza para dizer isso. Faz dois anos tive a oportunidade de ir a Cali e tomar umas classes com ele".

"E não podem faltar os espanhóis Juan Mallorga e Sánchez Sinisterra, sobretudo o segundo, em quem encontrei a parte mais forte em minha formação dramatúrgica".

"Em 2006, mediante o projeto O Carromato cada país da América Central foi sede de uma especialidade artística. Eu ganhei uma bolsa de dramaturgia e estive em um mês escrevendo teatro com Sánchez Sinisterra, 20 horas ao dia".

Ao termo de um diálogo com uma jovem mulher que conversa com veemência, ela concorda com uma opinião do entrevistador: "Acho que o que me faz mais eloquente é a paixão".

Prensa Latina