Direita poderá fraudar eleições de 2013 no Paraguai, diz Ferreiro
A cúpula que orbita em torno do ex-presidente Fernando Lugo considera quase impossível que ele volte ao poder após o golpe de Estado parlamentar que o destituiu há uma semana. “Agora, do ponto de vista pragmático, é necessário pensar na disputa de 2013”, chancela Mario Ferreiro, um dos principais nomes para concorrer às eleições pela Frente Ampla, em entrevista exclusiva concedida ao Vermelho.
Por Vanessa Silva, enviada especial do Vermelho a Assunção
Publicado 29/06/2012 19:43

Pesquisas iniciais de opinião pública indicam que Ferreiro está em terceiro lugar na intenção de voto dos paraguaios. Levantamento feito pelo politólogo Marchelo Lachi revela que ele tem 15,7% das intenções. Com relação aos pré-candidatos mais bem colocados, há quase um empate técnico. Horacio Cartes, do Partido Colorado, tem 16,8%, e Efrain Alegre, do Partido Liberal, 18,3%. São seis os pré-candidatos à presidência pela Frente Ampla: Mario Ferreiro, Esperanza Martines, Sixto Pereira, Lopez Perito, Fernando Camacho e Luis Bareiro Spain.
Portal Vermelho: Mario, você é um comunicador, como e quando ingressou na política?
Mario Ferreiro: Eu trabalhei na TV por 32 anos em dois canais, também em oito rádios e três diários. Deixei a TV há três meses. Agora, sempre um comunicador está muito próximo dos acontecimentos, a vida toda muito próximo de situações de pobreza, das desigualdades sociais. (…) Por outro lado, tenho uma tradição familiar que sempre teve a ver com a política. Meus pais foram exilados na Revolução de 1947 e dois dos meus irmãos militaram na política. (…) Então conversando com amigos da Frente Ampla eu ofereci minha popularidade e aceitação como uma possibilidade real de poder ganhar as eleições [de 2013].
Portal Vermelho: Você ainda terá que passar pelas internas, ou isso já é uma espécie de consenso na Frente Ampla? Lugo vai realmente encabeçar a lista de senadores?
MF: Até antes de junho, o processo que estávamos fazendo na Frente Ampla, que é composta por 20 partidos e movimentos, era fazer plenárias e finalmente, se não chegássemos a um acordo, realizar a interna. Com o golpe, no dia 22, o cenário mudou. Lugo pode aparecer como candidato, coisa que não era possível antes. (…) Agora, mais do que nunca, é preciso ter uma unidade entre todos os setores progressistas. (…) A partir desse novo acontecimento, [a primeira coisa que fizemos foi montar] uma equipe política que está trabalhando em duas coisas: uma lista única de senadores, cujo número 1 é Fernando Lugo, e uma chapa presidencial com candidato a presidente e vice de comum acordo entre eles.
Portal Vermelho: E como considera que serão essas eleições? A Frente Ampla tem chances?
MF: Com a lista sábana [espécie de votação com lista fechada] o número 1 entra com certeza. Então Lugo será senador. Estará sentado por cinco anos, com as mesmas pessoas que o derrubaram. Por outro lado, acreditamos que pela quantidade de gente indignada, podemos ganhar a presidência da República. (…) O panorama para 2013 é bastante confuso. Porque tem de um lado o Partido Colorado [com um candidato], do outro os Liberais, em possível aliança com UNAC, Pátria Querida, que teriam outro candidato, e Frente Ampla. Pode ser que nos números prévios esses três candidatos tenham quase um empate técnico.
Portal Vermelho: Frente a este cenário em que poderíamos ter três candidatos virtualmente empatados, qual é a possibilidade de essas eleições serem fraudadas para favorecer um ou outro?
MF: Na realidade, o maior déficit da Frente Ampla é a falta de fiscalizadores. Os partidos tradicionais têm sempre um fiscal em cada mesa. O Paraguai tem 214 distritos. Alguns deles muito distantes das cidades. É muito custoso ter uma pessoa que controle voto por voto. (…) Então pode haver uma espécie de acordo entre Liberais e Colorados para dividir esses votos. Isso é um perigo. E convenhamos que parte da história desse golpe de Estado está relacionada com a urgência de controlar o Estado e, portanto, controlar o processo eleitoral até abril do ano que vem.
Portal Vermelho: Com Lugo encabeçando esta lista, a Frente Ampla levará vários senadores ao Congresso…
MF: Certamente. Mas tem outro elemento interessante: Lugo, liberado das funções do governo, poderá fazer campanha todos os dias, poderá percorrer o país e ele tem muita habilidade para isso, muita química com as pessoas. O fenômeno Lugo de 2008 tem muito a ver com o carisma que ele tem com as pessoas do povo. (…) Então Lugo em campanha é muito mais efetivo do que Lugo fechado no Palácio dos López. Mas não se pode descartar que tentem deter a candidatura dele ao Senado, tratando de levar a questão à Justiça [para impedir] sua candidatura…
Portal Vermelho: Existe o receio de que até 2013 esse governo mude a Constituição e possa impossibilitar as próximas eleições?
MF: A única proteção que temos contra isso é o fato de que essa coalizão está colada com saliva, é muito frágil. Então já estão brigando por cargos. (…) A famosa luta pelos lugares de poder não garante que eles vão se colocar de acordo porque o que na verdade querem é ganhar as eleições em 2013 e então modificar a Constituição.
Portal Vermelho: E como enfrentar todo o poder econômico que Horácio Cartes tem no Paraguai e também sua relação com o narcotráfico?
MF: O caso de Cartes é especial porque na realidade vai ser muito difícil para o Paraguai provar alguma irregularidade. Aqui a Justiça é muito particular, para não dizer uma palavra mais agressiva. Então a esperança que Cartes fique no caminho dentro do próprio Partido Colorado. [Mas talvez fosse bom] enfrentar um modelo como o de Cartes porque seria a outra cara do país. Seria perguntar ao país o que querem: um multimilionário com uma fortuna duvidosa, ou uma pessoa que veio do trabalho, um assalariado, locutor de rádio, ou no caso de Sixto Pereira, um campesino, de Esperanza Martines, uma médica. Essa é a ideia. O que dizer à população: eleja uma pessoa parecida com você ou uma pessoa poderosa, temível, de uma fortuna incalculável. Seria interessante isso.
Portal Vermelho: O que a esquerda aprendeu neste processo que vem desde 2008?
MF: Se as forças progressistas vierem a ganhar o governo, terão aprendido que é necessário mudar a Constituição. Esse foi o grande problema que tivemos. Com esta Constituição era pouco menos que inviável o governo de Lugo. Teve mais de 20 pedidos de julgamento político. É um milagre que tenha chegado quase quatro anos. Em todo caso é necessário pensar bem no que temos porque repetir o mesmo cenário seria terrível. O grande erro de 2008 foi que (…) todos os partidos de esquerda concorreram com seus candidatos, distribuímos energias, desperdiçamos votos. Por isso termina essa história com quatro votos no Senado e um só deputado. Na verdade sempre teve uma maioria para tirá-lo, mas durante quatro nos foram extorquindo o presidente. (…) Eu creio que Lugo se esgotou desse exercício. (…) Lugo governou com uma guilhotina no pescoço, sempre com a ameaça de ser deposto. Recentemente um documento do Wikileaks revelou que em 2009 a Embaixada norte-americana avisou a Washington que Federico Franco iria derrubar Lugo por julgamento político…
Portal Vermelho: Hoje na América Latina os golpes de Estado não se fazem mais com canhão, armas…
MF: Essa questão do ‘neogolpismo’ é muito interessante porque algumas pessoas consideram que o Paraguai é um balão de ensaio que depois poderá ser aplicado a todo o continente. É muito interessante o que está acontecendo. Por isso Mercosul, Parlasul e Unasul estão tão atentos. No Paraguai, é mais fácil de fazer porque é uma classe política muito tradicional, há um empresariado muito ligado à direita dura, meios de comunicação totalmente dominados por esse setor, um modelo agroexportador que ganha muito dinheiro e quer conservar seus privilégios. Então aqui havia todas as condições para se operar isso. Eu não sei se no Brasil, na Argentina, na Venezuela, ou no Equador terão tanta facilidade, creio que não. Mas hoje o retorno de Lugo é muito difícil, senão impossível.
Portal Vermelho: Lugo fez várias promessas que não cumpriu. Camponeses e indígenas ficaram descontentes e passaram a criticar o governo. Com essa correlação de força é muito difícil conseguir avanços no Congresso. O que pretende fazer?
MF: [A primeira coisa que iríamos trabalhar na campanha era] em 2008 conseguimos a mudança, agora temos que aprofundar, vamos aos planos que faltaram completar com Lugo por muita dificuldade. Evidentemente é necessário insistir nesta mensagem, mas também propor algo concreto, dizer às pessoas: vamos fazer desta maneira. (…) Do ponto de vista econômico, trabalhamos um plano de urgência e depois um plano de longo prazo, modificando a matriz produtiva do Paraguai. O país assim como está (…) não permite uma reforma agrária, tampouco uma melhor distribuição da riqueza. Paraguai sequer aplica o imposto de renda pessoal, a exportação rural quase não paga imposto. Milhões de dólares que saem do país sem nenhum controle. Então teria que sentar e ter coragem de mudar, explicar às pessoas e fazer essas mudanças. Lugo não pôde fazer porque certamente temia que acontecesse o que acabou acontecendo: um golpe de Estado. Mas isso [golpe] sempre fazem, cedo ou tarde. Então melhor fazer [essas mudanças] mais cedo. (…) Se possível já no primeiro dia.
Portal Vermelho: Garante que terá pulso firme para fazer tudo isso? Porque é uma guerra…
MF: Sim. A legitimidade que dá um triunfo eleitoral dá muita possibilidade para agir neste primeiro momento. (…) Aqui o triunfo de Lugo foi um terremoto político incalculável. Foi uma questão que sequer pudemos digerir muito bem porque parecia um sonho. [Temos que aprovar] uma nova Constituição, nova legislação, avançar com os planos sociais, aproveitar a simpatia internacional (…) [e fazer], não uma revolução bolivariana, como dizem os meios de comunicação, porque isso não tem nada a ver com a realidade paraguaia, mas uma transformação revolucionária da matriz produtiva do Paraguai.