Samuel Pinheiro Guimarães renuncia a cargo no Mercosul

Em meio a intensas negociações sobre o destino do Paraguai, o alto representante do Mercosul, Samuel Pinheiro Guimarães, renunciou nesta quinta-feira (28), em reunião do bloco em Mendoza (Argentina). Em uma espécie de discurso de despedida, o brasileiro citou como motivo para sua renúncia a falta de apoio a projetos apresentados por ele para o Mercosul. Não está claro se o tema do Paraguai influenciou a decisão.

Samuel Pinheiro Guimarães - SAE

Na semana passada, um rápido processo de impeachment depôs o então presidente paraguaio, Fernando Lugo. Em reação, o Paraguai teve sua participação no Mercosul suspensa.

O bloco deve definir que sanções aplicar ao país pelo que considerou uma "ruptura democrática".
Representantes do Uruguai e da Argentina se disseram surpresos com a renúncia do diplomata.

Pinheiro Guimarães, ex-secretário-geral do Itamaraty, assumiu o cargo no bloco em janeiro do ano passado, para um mandato de três anos.

Diplomata vê onda neogolpista na América do Sul

Foi golpe o que ocorreu no Paraguai. As classes tradicionais hegemônicas promovem um neogolpismo na América do Sul e a democracia está em risco na região. Fernando Lugo caiu porque queria fazer uma reforma agrária que contrariava interesses.

A visão é do diplomata brasileiro Samuel Pinheiro Guimarães Neto, que está deixando o cargo de alto representante do Mercosul. A entrevista foi dada antes de ele anunciar sua saída. Para ele, o novo presidente, Federico Franco, representa a oligarquia agrária, interesses ligados ao contrabando e é defensor de ligações mais estreitas com os EUA.

Folha de S.Paulo: Como o sr. define o que ocorreu no Paraguai?

Samuel Pinheiro Guimarães Neto: Foi golpe. Há um neogolpismo na América do Sul, promovido pelas classes tradicionais hegemônicas que enfrentam governos populares. Essas classes tradicionais, diante da vitória de candidatos progressistas, constroem toda uma teoria de que foram eleitos, mas não governam democraticamente; de que fazem políticas populistas; de que são contra a liberdade de imprensa (deles) e assim por diante.

Constroem e favorecem na sua mídia uma imagem de que tais governos são na realidade ditaduras e criam o clima para sua derrubada, com auxílio muitas vezes externo. O que está por trás da queda de Lugo? Os apoiadores dele afirmam que ele caiu porque contrariou fortes interesses.

Folha: Essa análise faz sentido?

Samuel Pinheiro Guimarães Neto: A reforma agrária pretendida pelo governo Lugo seria uma das principais razões para o golpe, assim como o início do movimento popular para reformar o sistema eleitoral de listas fechadas que beneficia oligarquias agrárias e corruptas ligadas ao "comércio" exterior.

Certamente, a queda de Lugo não contraria a política exterior americana, assim como a erosão do poder e da unidade do Mercosul e o enfraquecimento dos governos progressistas do Uruguai, do Brasil e da Argentina. O projeto dos EUA para a América do Sul não é o Mercosul, e sim as "mini-Alcas" bilaterais, Aliança do Pacifico.

Folha:
Quais são os interesses representados por Franco?
Samuel Pinheiro Guimarães Neto: Franco representa os interesses da oligarquia agrária, representados pelos partidos tradicionais, liberal e conservador, e os interesses ligados ao comércio exterior informal, ao contrabando.
Além disso, é conhecido defensor de relações mais estreitas do Paraguai com os EUA e da celebração de um acordo de livre-comércio.

Folha:
A reação popular ficou aquém do esperado?
Samuel Pinheiro Guimarães Neto: A reação dos movimentos populares, tomados de surpresa pelo golpe, não foi divulgada. Todavia, é certo que o apoio popular ao governo de Fernando Lugo no Paraguai é amplo e sua nova resistência ao golpe mobilizará esses movimentos.

Folha: A democracia está em risco na América Latina?
Samuel Pinheiro Guimarães Neto: Sim, permanentemente. A América Latina é o continente de maior concentração de renda do mundo. Em regimes democráticos, candidatos progressistas são eleitos para cargos majoritários (presidentes), enquanto os que representam as classes hegemônicas tradicionais controlam os Legislativos.

A tentativa de realizar programas sociais, que implicam distribuição de renda, encontra forte resistência e aí começam manobras do neogolpismo.

Publicado na Folha de S. Paulo