Venezuela: De mochila na revolução (parte 2)
Apesar da importante vitória popular contra a grande burguesia imperialista em nosso país, ainda nos encontramos, no Brasil, em uma defensiva ideológica tal que, de longe, é impossivel imaginar em que outros estágios estejam as lutas populares dos nosos vizinhos.
Por Gaby Claus Fernandes*, da Venezuela, especial para o Vermelho
Publicado 02/08/2012 17:30
Contudo, a recente entrada da Venezuela no Mercosul – passando de um país de segundo plano em nossas relações internacionais, para um parceiro prioritário – demanda de nós um estudo e uma atenção muito especial para com os processos que aqui (na Venezuela, onde me encontro) estão em pleno desenvolvimento.
Venezuela: De mochila na revolução
Além da ampla participação popular no governo, com presenca de sindicalistas e ativistas do movimiento social e da elite intelectual comprometida, também o acúmulo de forças e a estratégia ofensiva do governo revolucionário têm se desdobrado em grande ofensiva ideologica na restruturação do poder político, que poderíamos comparar, muito de longe, em sua similaridade funcional, com a reforma política tão postergada no Brasil.
Contudo, o que está posto pela dialética deste pais em estado revolucionário nao é um debate superficial sobre aspectos da democracia burguesa a que nós nos limitamos. Aqui o apontamento é o da construção assumida de uma nova estrutura de poder, a construção real da democracia popular, do socialismo. A materialização desta nova etapa da revolução bolivariana é a construção das comunas.
Os conselhos comunais, diretorias formadas dentro da comunidade através da democracia participativa, assumem o papel dos antigos entes da estrutura republicana, restringindo progresivamente o poder dessas antigas instâncias, tais como prefeituras e governos estaduais, assim como de uma gama de outras instituições burguesas, para preencher de poder real as representações diretas do povo.
Esta situação se objetiva através da nova lei de orçamento, em que cerca de 30% de toda arrecadação federal (algo bem distinto dos irrisórios 2% dos orçamentos participativos praticados em algumas cidades brasileiras) se destina diretamente aos conselhos comunais, posibilitando que realizem seus projetos sem a interferência dos antigos poderes locais, uma desburocratização e descentralização impensáveis sob os marcos do capitalismo. Tanto que, em paralelo a isto, tem ocorrido significativa depuração dos quadros de governo do próprio PSUV, a exemplo do governador do Estado Monagas, el Gato Briceño, que, antes chavista de oportunidade, agora rompe com o governo, indo para a direita oposicoinista. Sua campanha pela reeleição estadual, raivosa pela significativa perda de poderes, traz como slogan "diga não ao comunismo!".
Nos últimos dias, estive metido com o dirigente comunitário Marco Cova em várias comunidades dos entornos de Maturin, para conhecer na prática a grande MIssão Vivendas, que tem como objetivo acabar com os ranchos (casas precárias) em todo o país, e que está mudando concretamente a paisagem social venezuelana.
Se alguém cético pensou por um instante que se trata de um projeto social similar aos que existem no Brasil, é melhor conhecer a coisa mais ao fundo. Primeiro, este tem sido um projeto consequente com uma ampla reforma agrária, em que os antigos colonos das fazendas se libertaram das condições de exploração e obtiveram acesso à terra. Então agora é um momento de construir a casa destas familias antes abandonadas, assim como extirpar manchas de miséria que ainda persistem nos entornos da metrópole.
Em segundo lugar, é um processo autogestionado. A verba e os critérios de contratação são enviados e as próprias comunas executam toda a obra, com mão de obra local e dinâmica comunitária. As casas têm valor de construção de cerca de 50 mil reais, dos quais o beneficiado paga apenas 10% durante vinte anos.
Em terceiro lugar, as metas são ousadas. O projeto pretende construir em dois anos, o que o imenso Brasil pretende realizar em quatro: 2 milhoes de moradias é a meta para este ano. Sem mencionar as dimensões políticas do projeto, que cobra organização popular permanente e empreende uma pedagógica campanha cujo objetivo é tirar nao só as pessoas de sua miséria física mas, dar-lhes aporte ideológico para seguir e ampliar a luta.
A missão Amor Maior, que pretende devolver a dignidade a todos os idosos venezuelanos, tem sido também uma clara demonstração de distinções entre políticas burguesas de assistencialismo localizado e da atenção integral aos seres humanos que só se vê no socialismo. A meta é retirar da miséria todo e qualquer ancião, de modo que, independentemente de qualquer papel, carimbo ou outra burocracia, todos os idosos serão beneficiados com uma pensão correspondente ao salário mínimo, sem choramingos de falência da previdência ou coisa do tipo. Antes da revolução, existiam cerca de 300 mil jubilados. Deve-se chegar em breve aos 2 milhões.
Não sem lógica, estes dias veio a público a revelação feita por Salvatore Mancuso, dirigente paramilitar colombiano preso nos EUA, e confirmada por Rafael Garcia, ex-integrante do DAS (departamento antidrogas da colombia), de que um segundo golpe de estado estava em execução em 2004, quando a inteligência do exército venezuelano prendeu 153 paramilitares que estavam amotinados em uma fazenda próxima a Caracas. A propriedade pertencia ao empresário direitista Robert Alonso, partícipe das preparações do golpe de abril de 2001, grande apoiador da candidatura opsicionista de Capriles.
Antes que algum ingênuo pretencioso cético diga que o que se passa na Venezuela de Chávez é uma radicalização superficial pela simples falta de bom jogo de cintura, que o governo local tem sido estreito, ou que falta maturidade na condução do proceso de reformas, antecipo a necessidade gritante de alguma humilde cautela na análise. Estando metido num governo amplo, em um proceso de reformas lentas e timidas, é muito confortável julgar à distância.
Contudo, vale afirmar que os fatos aqui deixam claro que a dialética posta é a da luta de classes em escala global como de fato é. Então o que está dado neste país irmão é a aberta construção daquilo que sempre sonhamos, o socialismo latino, de modo que uma visita por aqui pode dar um alento energético aos que se furtam a estereótipos sem correspondência com a vida. Como me disse Milagro Melano, dirigente comunal da comuna taguaya,”Acá no hay que volver ni para `tomar impulso”.
Sigo na vermelha estrada!
*Gaby Claus é escritor e militante internacionalista, em viagem pela Venezuela