Manuela: "Porto Alegre precisa de uma gestão moderna e eficiente"

A candidata à Prefeitura de Porto Alegre, Manuela D’Ávila (PCdoB), é hoje o destaque do site Sul 21 para o qual concedeu entrevista, onde deixa mais uma vez claras suas novas ideias para solucionar antigos problemas da cidade. Propositiva, ela explica que irá priorizar a informatização do sistema de saúde e valorizar as ruas da cidade como forma de fomentar o turismo, tornar a capital mais atrativa para as pessoas e melhorar a mobilidade urbana.

Sul21: Se for eleita, a senhora pretende fazer valer a lei que determina que 20% do que a prefeitura arrecada com as multas de trânsito sejam aplicadas na construção de ciclovias?
Manuela: Sim. O plano clicloviário tem que ser acomodado com os outros modais. Existem muitos lugares em Porto Alegre que acomodam um número pequeno de famílias, o que faz com que o negócio “ônibus” não seja viável. Como fazer para que aquele cidadão não seja penalizado por morar num local pouco adensado? É preciso vincular o modal ônibus com o bicicleta. E para isso precisamos de outros equipamentos, não só a ciclovia. A minha maior preocupação com o plano cicloviário são as rotas dos trabalhadores. Sou ciclista de passeio e quero ter ciclovia para andar. Mas a minha prioridade são as pessoas que morrem e não entram num ônibus por falta de grana. São as prioridades, não as exclusividades.

Sul21: Há uma crítica quanto ao cerceamento para utilização de espaços da cidade por pessoas. Um dos focos de crítica é o largo Glênio Peres, onde a prefeitura autoriza que vire um estacionamento de carros todos os dias, a partir das 18h. A senhora é favorável a essa medida?
Manuela: Pretendo que a cidade tenha estacionamentos subterrâneos. É um negócio viável no mundo inteiro. Temos que ter espaço para as pessoas estacionarem no Centro nos finais de semana, fazendo com que a região seja mais visitada. Tem equipamentos que precisam ser valorizados no Centro. Se é o largo Glênio Peres… não necessariamente. Aquilo até causa prejuízo para alguns estabelecimentos do Mercado Público. A Feira do Peixe foi diminuída por causa daquilo. Não sou contra estacionamento no Largo Glênio Peres. Os carros precisam ter onde estacionar nos finais de semana para revitalizar o Centro histórico. Assim como a Feira do Peixe precisa de um espaço para acontecer. São interesses que precisam ser conciliados para o centro ser devolvido à população.

Sul21: Como a senhora se posiciona em relação ao debate sobre o funcionamento dos bares na Cidade Baixa? A prefeitura foi bastante criticada pelas interdições realizadas pela SMIC.
Manuela D’Ávila: Isso está relacionado com a forma que vemos a cidade. No nosso programa, essa questão está vinculada ao estímulo das vocações de cada bairro. Cada região da cidade tem que ser observada sob seu viés econômico e sobre como o território vai ser ocupado para render os melhores frutos à população. Com relação à Cidade Baixa, acredito que há necessidade de aquele bairro ser legalizado. A SMIC erra quando adota a tônica de “como fechar um empreendimento” e não de “como tornar esse empreendimento legal”. Eu já me reuni com a associação de moradores da Cidade Baixa e conversamos sobre o projeto deles – ao contrário do que algumas pessoas divulgam, como se fosse do poder público municipal – que é “Cidade Baixa em Alta”, que trabalha com vetores de desenvolvimento para a cultura do barro aliados à limpeza, à segurança e às condutas para que ele continue sendo um bairro boêmio e cultural. Nos últimos seis meses, houve uma queda de 70% dos frequentadores do bairro. Então cerca de 60 comerciantes criaram uma ação. Cada um contribui com R$ 150 por mês e fazem ações, como as Esquinas Embriagadas de Cultura, com intervenções artísticas e horário para ser cumprido. Isso cria movimentação. A proposta deles é genial, mas é o que a prefeitura deveria fazer: a busca da regularização dos empreendimentos e a regra do convívio harmonioso entre a população que vive ali e os empreendedores, que garantem emprego e segurança. Quando houve a queda de 70% de frequentadores, houve aumento da violência. Essa iniciativa é muito legal, é a cara da nossa cidade, surge de baixo para cima, com a população se organizando para resolver o problema. Mas isso também aponta que havia uma solução que poderia ter sido feita pelo poder público.

Sul21: Qual vai ser a orientação dada a SMIC no seu governo?
Manuela: A SMIC precisa se transformar numa secretaria de desenvolvimento, não de punição. A fiscalização é apenas uma das partes do desenvolvimento. Para ele acontecer, precisa se dar todas as oportunidades para que alguém invista na cidade, tanto um dono de bar ou casa noturna, quanto um empresário da construção civil. O problema da SMIC não acontece só na Cidade Baixa. A lógica como a SMIC se organiza para funcionar e seu ordenamento gira em torno de como agir para fiscalizar. A cidade legalizada é uma premissa, mas desenvolvimento não é só fiscalização, é também estímulo a empreendimentos. A Cidade Baixa é o bairro boêmio da cidade, assim como o Moinhos de Vento é o bairro do glamour.Cada região tem uma vocação e, ao invés da punição, devemos incentivar, inclusive tributariamente, esse tipo de empreendimento.

Sul21: Como a senhora pretende resolver os problemas da saúde de Porto Alegre? O Instituto Municipal de Estratégia em Saúde da Família (IMESF) é a melhor solução?
Manuela: Defendo o conceito do IMESF por uma questão muito simples: é o formato – não o melhor, nem o ideal – que consegue, dentro da nossa realidade, responder à necessidade que Porto Alegre tem de ampliação do número de equipes de saúde da família. Do ponto de vista teórico, defendo o conceito do IMESF. Se tu me perguntares como ele está sendo implementado, eu diria que é com a lentidão e o improviso que caracterizam essa administração municipal. De todos os candidatos, sou a única que concorreu na eleição passada. Naquela ocasião, minha pauta das equipes de saúde da família era exatamente a mesma, porque o aumento não foi significativo. A meta é 300 equipes novas, o que significa aumentar em 170, mas é preciso também garantir que as outras 130 tenham médico. Está cheio de unidades de saúde da família sem médico em Porto Alegre. A decisão acontecida no ano passado, quando o prefeito, para acabar de maneira veloz com a greve dos médicos, diminuiu a jornada deles e aumentou a dos enfermeiros e de outras categorias, é a prova do improviso da nossa gestão. Diversos profissionais da área da saúde que merecem tratamento isonômico ficaram trabalhando sem ter um médico junto. Quebrou um sistema que foi tratado por fatias.

Sul21:  O seu programa frisa bastante a informatização da área da saúde. Como viabilizar isso na prática?
Manuela: Os investimentos na área de tecnologia caíram muito. A Procempa tem um número gigantesco de cargos em comissão (CCs). Temos o número, vindo de dentro da Procempa, de que chega a 150 CCs. Há o uso de não técnicos em áreas que são técnicas e há uma gestão absolutamente amadora na área da saúde. Aquele episódio do ponto facultativo é só uma prova disso. As pessoas se escandalizam, mas isso acontece todos os dias. Em 2012 as pessoas ainda buscam ficha de madrugada em Porto Alegre. Canoas tem menos dinheiro e menos capital humano e resolveu isso com a central telefônica, em parceria com uma das operadoras de telefonia. A central de consultas é uma parte e a informatização, outra. Mas nada foi feito em Porto Alegre. Os telefones ficam fora do gancho porque há uma linha só e não tem atendente nas unidades. Há uma gestão de improviso em Porto Alegre. A pergunta que eu fiz para o Fortunati no debate e ele não respondeu, talvez porque não soubesse, sobre o não investimento de R$ 150 milhões do Ministério da Saúde e da queda de 104 mil consultas de especialidades é uma prova disso. Há um desencontro entre o orçamento ofertado pelo governo federal e a necessidade do povo de Porto Alegre. Nós vocacionamos como uma das áreas de desenvolvimento para a cidade o tema do turismo de saúde. Não gosto desse nome, mas mundialmente o termo é esse. São pessoas que vêm se tratar na cidade nas altas complexidades. Então há um desencontro entre o que a cidade pode e o que a cidade tem.

Sul21: Então, na sua visão, a melhora da saúde passa essencialmente por resolver problemas de gestão?
Manuela:  É um conjunto de ações. É preciso ter uma gestão moderna e eficiente, que deve, em primeiro lugar, organizar o espaço de consultas e exames, e ter um trabalho gradativo de crescimento das equipes de saúde da família e de complementação daquelas que estão insuficientes. Existe uma outra questão que é a construção das quatro unidades de pronto-atendimento, com orçamento do governo federal, que já estão no plano e não são consultadas, e também da readequação das quatro já existentes. O pronto-atendimento da Vila Cruzeiro nem sequer tem pronto-atendimento mais. Dessas oito UPAs que Porto Alegre precisa para desafogar os leitos dos hospitais, nós temos quatro. E essas quatro não têm pronto-atendimento.

Sul21: Quais são os projetos para desafogar o trânsito e impulsionar os diferentes modais de Porto Alegre?
Manuela:  A cidade precisa ser pensada em primeiro lugar para as pessoas. Quem fala isso é uma candidata a prefeita que não tem nem carteira de habilitação porque nunca foi fã dos carros. As pessoas e a mobilidade urbana nas cidades são as minhas paixões. A Noruega e a Dinamarca têm planos de ruas para pedestres a longo prazo. Uma cidade precisa ter um plano para as ruas que serão de pedestres. A calçada é o elemento óbvio e Porto Alegre tem que debater se não quer delegar a responsabilidade das suas calçadas, em determinadas áreas, para a prefeitura, no que diz respeito à uniformidade, à garantia de acessibilidade, inclusive da largura da pedra. Tudo isso tem relação com a estética da cidade e não é um valor qualquer. Uma cidade como Porto Alegre, que quer explorar o turismo de eventos, tem que se preocupar com a estética, que não é um elemento secundário. Em segundo lugar, temos que ter um plano para ruas que serão de pedestres. Será que a Padre Chagas não pode ser uma rua de pedestre em dez anos? Esse é um exemplo absolutamente hipotético. Ali é uma rua que hoje só tem cafés, lojas e um trânsito insuportável. Poderia ser uma rua de pedestre, mas isso tem que ser organizado, porque as intervenções urbanas de rotas, de fluxos e estacionamento têm que ser pensadas para isso se concretizar.

Sul21: A senhora é favorável à realização de uma licitação para contratar as empresas que administram as linhas de ônibus de Porto Alegre? Historicamente, nunca houve esse edital.
Manuela:  Não tenho uma opinião fechada sobre a licitação, que tem vários detalhes técnicos. O cálculo da tarifa de Porto Alegre é baseado numa lei do tempo do (ex-prefeito do PT) Olívio (Dutra), num outro momento do sistema de transporte, quando ocorreu a intervenção na Carris. Existem algumas cidades onde a tarifa não é mais calculada da mesma forma em função da estabilidade econômica. O elemento econômico é o construtor da planilha de custos. A estabilidade econômica nos dá outros mecanismos para auferir a variação da tarifa que poderiam ser adotados na cidade e ser regra. Assim, o aumento da passagem não dependeria de pactuações. Tivemos um aumento enorme na passagem de ônibus num ano e no ano eleitoral houve um aumento menor. A regra do jogo é política ou técnica?

Sul21:  A senhora está bem posicionada em todas as pesquisas de intenção de voto, aparecendo sempre empatada tecnicamente com o prefeito José Fortunati (PDT) ou na liderança. É possível vencer no primeiro turno?
Manuela: Eleição só se decide no dia que a urna é aberta. Pesquisa não é algo que surge do nada, tem critérios científicos, mas não avalio eleição assim. A eleição de Porto Alegre é muito difícil, sei bem contra quem disputo. São duas candidaturas que representam a máquina da administração pública, que foi utilizada de maneira bem eficaz, com imensas propagandas na televisão, nos rádios, nos jornais. Não tenho a pretensão de vencer no primeiro turno. Mas trabalharei até o último dia para ser a primeira prefeita de Porto Alegre. Julgo que é mais realista a hipótese do segundo turno.

Sul21: E o apoio do PT num segundo turno contra o Fortunati é algo que virá naturalmente?
Manuela:  É público o esforço que fizemos para que estivéssemos juntos no primeiro turno. Esse era o caminho que acreditávamos ser o mais adequado, inclusive pela afinidade de identidade que temos ao construirmos os governos de Lula, Dilma e Tarso. O PT tomou sua decisão… Sou amiga do Villaverde, respeito a candidatura dele e agora acho que estamos mantivendo um nível que considero adequado entre duas candidaturas de um mesmo campo, que não querem criar diferenças artificiais.

Sul21: Então a senhora conta com o apoio do PT se houver segundo turno contra Fortunati?
Manuela: Temos muito mais identidades do que diferenças. Tenho convicção de que tanto o Villa, quanto Tarso, Dilma e Lula pensam assim.

Sul21: Uma grande crítica política que se faz à sua campanha é o fato de a senhora ter tentando formar uma aliança com o PP, um partido que é herdeiro da Arena, que deu sustentação à ditadura militar – contra a qual integrantes do PCdoB lutaram durante a Guerrilha do Araguaia. Como a senhora avalia esse questionamento?
Manuela:  Aprendi muito nos seis anos que estou em Brasília. Aprendi que dentro de todos os partidos existem técnicos e políticos capazes de contribuir com o Brasil. Aprendi isso quando vi o presidente Lula governar com grandes líderes de outros partidos, incluindo o José de Alencar, que era um dos maiores empresários com uma trajetória bastante conservadora no país. Não se trata de buscar ou não o apoio do PP. Se trata de algo que aprendi e julgo correto, que são alianças baseadas em programas e em eixos para enfrentarmos na nossa cidade, em cima de problemas reais. Há necessidade de coalizão para isso. É um conceito, não uma busca pragmática. O pragmatismo se dá quando buscamos aliança com pessoas que estão no outro campo moral ao nosso. Isso eu jamais fiz, nem com partidos de esquerda, nem com de direita.

Sul21: O PCdoB é um partido pequeno em Porto Alegre e não conta com nenhum vereador atualmente em exercício na Câmara Municipal. A senhora acredita que, se for eleita, sua atual base aliada conseguirá ter o número de vereadores necessário para obter maioria?
Manuela: Discordo da tua premissa de que somos um partido pequeno. Crescemos muito, temos uma grande chapa de vereadores, diferente das outras eleições. PCdoB e PSB são o bloco político que tirou o governador Tarso Genro do isolamento em 2010. Juntos, somos um bloco político de tamanho significativo na vida institucional e política de Porto Alegre. Os parlamentares mais votados em Porto Alegre não são do PT. São eu, a Luciana Genro (PSOL), o Danrlei (PSD) e o Beto Albuquerque (PSB). Isso é uma mudança. A realidade da política não é cristalizada, ela muda. Tenho a convicção de que nós e nossos aliados, assim como as bancadas e os partidos que comporão o meu governo, seremos a maioria na Câmara.

Fonte: Sul 21