País do beisebol, Venezuela se curva ao futebol

“Quem é Neymar?”, pergunta Jefferson Blanco, de 15 anos, morador do bairro caraquenho 23 de Enero – um dos mais pobres do país. “Ele é jogador da seleção do Brasil? Não conheço direito o time, mas posso te dizer quem são todos os jogadores da Vinhotinto”, responde sorridente o menino, que guarda certa semelhança física com o franzino jogador santista.

Por Mariana Terra, em Opera Mundi

 
As paixões mudaram na Venezuela, como comprova Jefferson. Se antes o beisebol dominava preferências e os poucos amantes do futebol precisavam adotar uma segunda seleção, como a do Brasil, Espanha ou Itália, durante as Copas do Mundo, agora a Vinhotinto, como é carinhosamente chamada a equipe venezuelana, é sinônimo de orgulho e confiança. Gradativamente substitui o bastão pela bola nos campos venezuelanos. “Vamos ganhar do Brasil no próximo Mundial”, alerta Jefferson, sem soltar um riso sequer.

Antes tradicional saco de pancadas, a Vinhotinto virou febre nacional justamente pelos impressionantes resultados alcançados em tão pouco tempo. O principal momento, até hoje, foi o quarto lugar na Copa América de 2011, na Argentina. Chegou às quartas-de-final de final batendo o Chile, enquanto o Brasil tombava diante do Paraguai, que acabou se tornando também o algoz venezuelano na semifinal. Mesmo derrotados em sua tentativa de disputar a final do torneio, os jogadores da Venezuela foram recebidos como campeões em Caracas.

Para Nicolás “Miku” Fedor, de 26 anos, membro da seleção e jogador do Getafe, da Espanha, o momento-chave para a mudança no futebol venezuelano foi o 3 a 0 contra o Uruguai em 2004, nas eliminatórias para a Copa de 2006 – a partida ficou conhecida na Venezuela como o Centenariazo.
["Miku" Fedor, uma das estrelas da seleção venezuelana, joga no Getafe da Espanha]
“Nesse dia houve uma mudança de mentalidade, vimos que era possível ganhar desses times”, afirma o jogador.

Integrante desse grupo exitoso, o jogador venezuelano Rafael Acosta, de 23 anos, aponta o investimento no esporte como outro elemento fundamental para a evolução em campo.
“A percepção de que a Venezuela não tem força no futebol mudou. De oito anos para cá a qualidade cresceu muito, principalmente com as escolinhas de futebol. Agora se entende que o futebol vem das bases, das crianças”, explica.

“Miku” pontua que a profissionalização do futebol caminhou junto com o desenvolvimento econômico da Venezuela nos últimos anos. “O futebol acompanhou o crescimento de toda a sociedade. O esporte cresceu não só em nível internacional, como nacional. Isso porque a renda aumentou. Se um jogador, ou se qualquer trabalhador é bem pago, seu nível de trabalho e compromisso são muito maiores”, defende.

Beisebol x futebol

A empolgação com a seleção nacional contagiou até Hugo Chávez, um aficionado pelo beisebol, mas que frequentemente se manifesta durante os jogos por meio de sua conta no Twitter. Mas o presidente não está sozinho.
Uma pesquisa feita pelo Gis XXI (Grupo de Pesquisa Social Siglo XXI), em outubro de 2011, mostrou que é evidente o aumento do interesse dos venezuelanos pelo futebol, especialmente entre os mais jovens.
[Rafael Acosta: "A percepção de que a Venezuela não tem força no futebol mudou"]
Vinte e nove porcento deles afirmam que praticaram o esporte no último ano, enquanto o índice nacional foi de 17%. O beisebol ficou em segundo, com 15% das preferências dos jovens e 15% da fatia nacional.

Na mesma pesquisa, questionados se estavam “muito de acordo” ou somente “de acordo” com a frase “com o êxito da seleção nacional agora a Venezuela é Vinhotinto”, 95% dos jovens escolheram a primeira resposta, enquanto o montante nacional somou 89%.
Todavia, à pergunta “outros esportes viram moda, mas o beisebol é o esporte nacional da Venezuela”, 93% dos jovens responderam “muito de acordo” e todas as faixas etárias, 94%.

No entanto, na opinião de “Miku”, é questão de tempo para que o futebol se torne a paixão nacional número um. “Há mais crianças federadas em futebol do que em beisebol atualmente na Venezuela. A Federação Venezuelana de Futebol, os clubes e a própria sociedade têm um papel fundamental nisso”, destaca o jogador.

Na esteira dessa “febre”, a marca de material esportivo Adidas, responsável pelo uniforme da seleção, preparou uma campanha publicitária que aflorou as emoções na nação bolivariana. No filme, o primeiro feito para a Vinhotinto, uma criança viaja até o Brasil de ônibus e no percurso narra seu amor pela seleção canarinho, especialmente por Kaká. “Queria ser meio-campo como você, fazer os gols que você faz”, conta o menino.

Já maravilhado com as praias cariocas, ele diz a Kaká que todos os dias pratica para ser como ele: “você para sempre será o meu preferido”. Até que a declaração de amor vira um agradecimento – e uma despedida. Já em frente a uma casa, o menino retira sua camisa do Brasil e por baixo, está a da Venezuela. A antiga é colocada em uma carta de correio. “Você é o melhor, mas fico com as cores da minha verdadeira paixão”, se justifica.

A peça publicitária foi bastante elogiada na Venezuela e computa atualmente mais de um milhão de acessos no canal da marca no YouTube. Em um país polarizado politicamente é indiscutível que a “Vinhotinto” poderia facilmente se tornar alvo de disputas, porém, o efeito é exatamente o contrário, como confirma Acosta: “O futebol une ainda mais a Venezuela. Alguém pode ser de um partido político, ser negro ou branco, mas quando começa a partida, a harmonia é definitiva.”

Investimentos

O entusiasmo com o futebol reflete o novo fôlego esportivo depois que Chávez chegou ao governo e decidiu fazer da educação física um instrumento de inclusão social. O desfecho institucional dessa decisão é a Lei Orgânica para o Esporte, criada em 2011, que determina objetivos como a massificação da atividade e a criação de um fundo nacional para seu financiamento, sob controle do Estado.

O investimento público anual em esportes, entre 1992 e 1998, equivaleu a 3,75 milhões de dólares, segundo dados do governo. Nos primeiros onze anos da administração Chávez, entre 1999 e 2010, essa cifra saltou para 131,7 milhões – multiplicando por 35 as verbas desembolsadas pelos antigos governos.

Como parte dessa política, foi criada, em 2002, a Missão Barrio Adentro Deportivo, um programa que universaliza o direito à atividade física nas comunidades mais pobres, com equipamentos e professores. Também foi fundada, em 2006, a Universidade Esportiva do Sul, no estado Cojedes, que prepara treinadores e gestores no setor para todo o país.

Aos poucos, inspirando-se na experiência cubana e apoiada por vários convênios com a ilha caribenha, a Venezuela vai criando um sistema de pirâmide desportiva, que alia a democratização na base da sociedade (especialmente nas escolas) com uma cadeia de etapas superiores que vão selecionando e preparando atletas até o topo, onde se encontram os esportistas de alto rendimento, escolhidos para disputar os grandes campeonatos e jogos olímpicos.