Bruno Peron: Acordo de residência e latino-cosmopolitismo

A Colômbia aderiu ao existente Acordo sobre Residência Para Nacionais dos Estados Partes do Mercosul e Associados, subscrito em Brasília em 6 de dezembro de 2002. Naquele ano, os Estados Associados eram somente Bolívia e Chile. Logo o Acordo obteve adesão de Peru e Equador, em 2011, e Venezuela, em 2012. Todos os membros efetivos e associados do Mercado Comum do Sul pertencem ao Acordo sobre Residência.

É pouco expressivo o número oficial de 8 mil colombianos que residem no Brasil. Com a adesão de Colômbia ao Acordo, a migração de colombianos ao Brasil – e a legalização dos que já residem em território brasileiro – prescinde da comprovação de vínculos com instituição educativa ou laboral. O mesmo vale para brasileiros que queiram residir em Colômbia. Os que já estiverem no Brasil regularizarão a situação na Polícia Federal, enquanto os que pretendem vir farão o pedido no Consulado brasileiro daquele país.

Trabalhadores estrangeiros que não possuem documentos para exercer suas atividades legalmente sofrem com a falta de direitos (educação, saúde, auxílios, etc.) e liberdades
(entrada e saída do território, culto religioso, empreendedorismo, etc.). Constituem, muitas vezes, mão-de-obra imprescindível que paga tributos mas aufere poucos benefícios.

Com o tempo, a medida migratória tende a resultar em livre circulação de pessoas na América do Sul similarmente ao que ocorre na União Europeia. A globalização já não se resumirá mais à circulação de dinheiro e mercadorias, visto que as fronteiras entre países amigos e vinculados por acordos de integração têm-se enfraquecido para pessoas. Há, portanto, um espaço mais abrangente e fluido de circulação humana na América do Sul que, pouco tempo atrás, impedia-se por questões burocráticas e de desconhecimento recíproco.

Espera-se o aumento de comunidades estrangeiras nos países sul-americanos (colombianos no Brasil, brasileiros no Chile, etc.) com estas políticas migratórias. Por um lado, haverá maior migração de mão-de-obra altamente qualificada para os centros urbanos que careciam dela e, por outro, de trabalhadores que aceitarão qualquer emprego e um salário módico só para residir legalmente em determinada cidade tida por berço de oportunidades. É importante notar a movimentação destes trabalhadores, que preferem buscar emprego em países de melhores condições na América Latina que na América do Norte ou na Europa.

Já não se trata somente de resolver problemas municipais ou internos de cada país senão de articular conjuntamente medidas que tomem como objeto de políticas o espaço sul-americano e, por conseguinte, o espaço latino-americano. Lamentavelmente o México, importante país centro-americano, continua alheio a grandes projetos de integração latino-americanista porque seus dirigentes acreditam cegamente que seu padrão de desenvolvimento é "norte-americano" e não "latino-americano", ainda que seu povo clame o contrário.

Vislumbram-se dois avanços essenciais no Acordo sobre Residência: o primeiro é o de colocar numa balança continental questões que concernem aos países do Acordo (emprego, migração, adaptação, direitos), ao passo que o segundo prontifica a realização de um velho anseio de integração que, até então, tem-se feito com a troca de mercadorias em acordos comerciais. Quando muito, fala-se de um "espaço cultural latino-americano", onde há línguas e traços históricos comuns que insuficientemente se compartilham. Como exemplo, nenhuma canção de artistas argentinos e chilenos se ouve na rádio brasileira.

A migração leva obrigatoriamente o pouco que se conhece de um país a outro e desperta gostos e prazeres até então inexistentes, por exemplo, de um brasileiro pelo "vallenato" e outros ritmos colombianos. Uma política migratória como a do Acordo sobre Residência é eficaz a ponto de converter imagens que circulam dos outros em feitos de reconhecimento.

Os países do Acordo sobre Residência dispõem-se à construção de um cosmopolitismo latino-americano que se brinda com a migração de nacionais de países vocacionalmente integracionistas. Um dos efeitos de médio prazo é o intercâmbio de experiências que trará solução a muitos problemas de uma região irmã, mas politicamente instável.