Livro sobre a Guerrilha do Araguaia é lançado na Bahia

Depois de dez anos de pesquisas em arquivos públicos e particulares, além de diversas viagens à região do Bico do Papagaio (confluência dos rios Araguaia e Tocantins), chega a Salvador, na próxima sexta-feira (21/9), o livro “MATA!” do jornalista Leonencio Nossa. O lançamento acontece às 9h, no auditório da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), em Ondina, onde o autor dará autógrafos e fará palestra sobre Jornalismo Investigativo e seus desafios.

Com depoimentos de mais de 150 pessoas e documentos inéditos, “MATA!” pode ser lido de diferentes maneiras. Entre as numerosas facetas do livro — reportagem, relato histórico, pesquisa antropológica, reflexão política — a mais espetacular é, sem dúvida, seu conteúdo inédito de documentos sobre a Guerrilha do Araguaia (1966-74). O autor reconstitui a trágica história da Guerrilha, compondo um monumental panorama de décadas de injustiças e violência na região amazônica.

Leonencio Nossa, premiado jornalista de O Estado de S. Paulo e autor de livros como “O rio” e “Homens invisíveis”, teve acesso exclusivo ao lendário arquivo pessoal do major Sebastião Rodrigues de Moura, o Curió, um dos protagonistas da repressão da ditadura militar à guerrilha. O autor revela pela primeira vez detalhes das torturas e assassinatos que vitimaram dezenas de pessoas na década de 1970 na região do Araguaia, entre militantes do PC do B e simpatizantes locais.

Por outro lado, o livro também se deixa ler como um arrebatador panorama histórico do Bico do Papagaio e do sudeste do Pará — que se transformam, a partir do relato de Nossa, numa espécie de microcosmo dos conflitos sociais e fundiários do país. MATA! percorre quase duzentos anos na história da região, incluindo tragédias recentes como a exploração de ouro em Serra Pelada e os massacres de sem-terra, para compor um verdadeiro épico da desordenada ocupação do território amazônico a partir do século XX.

Trecho do livro

Com 1m68 de altura, cabelos tingidos de dourado, relógio de ouro e calça branca, Curió andava a passos lentos pelas ruas empoeiradas. Ele não era mais imperador da Amazônia, título do tempo em que vistoriava o garimpo sem pôr os pés no chão. No cargo de prefeito, ainda benzia cabeças de crianças e idosos. Era chamado de Velho por quem o carregara nos ombros ou pelos opositores que tinham surgido.

[…]

Aqui, ele mandou na lábia e com pistola na cintura. Só aceitava conversar sobre a guerrilha num banco da praça Curió, rodeado de aliados e seguranças, que ficavam em pé e de braços cruzados. Descruzavam para aplaudi-lo nas respostas ríspidas. Cerca de cinquenta pessoas se aglomeravam. Ele escolhia o banco perto do som que tocava melody, um ritmo regional, para inviabilizar a “prova” da gravação. Terminava de falar quando aumentavam o volume. Eu tinha a impressão de que era algo combinado. Ele lamentava o barulho e ia embora com os simpatizantes. É do tipo que a gente só escuta.

Texto: Divulgação