30 anos: Brasileiros rememoram Massacre de Sabra e Chatila

Com a realização de um debate e a exibição do filme “Valsa com Bashir”, ativistas dos movimentos anti-imperialistas e de solidariedade internacional reuniram-se em São Paulo nesta terça-feira (18) para rememorar o massacre de 3.500 palestinos nos campos de refugiados de Sabra e Shatila, no Líbano. O episódio ocorreu em 16 e 17 de setembro de 1982. O massacre foi executado por milícias falangistas libanesas com o apoio dos ocupantes sionistas israelenses, comandados por Ariel Sharon.

A atividade foi organizada pela Federação das Entidades Árabes (Fearab), a Federação das Entidades Palestinas (Fepal), o Comitê pelo Estado da Palestina Já, a Bibliaspa e a Revista Zunái.

Sob a coordenação da Dra. Claude Hajjar, da Fearab, a mesa do debate foi constituída pelo jornalista Nataniel Braia, editor internacional do jornal Hora do Povo, a jornalista Lúcia Helena Issa, e Emir Mourad, secretário-geral da Fepal.

Nataniel Braia lembrou a passagem do Ano Novo Judaico, para mostrar a contradição entre, de um lado, as preces judaicas, com valores nobres como o amor ao próximo, a compaixão e a generosidade e, de outro, o ódio, a intolerância e a violência que os sionistas israelenses demonstram em sua luta contra os árabes em geral e os palestinos em particular. Ele disse que por trás da violência do Estado israelense estão os interesses e a ideologia neocolonialistas e denunciou que Israel se converteu em uma grande base militar estadunidense no Oriente Médio.

Braia concluiu sua fala fazendo um chamamento à luta e à solidariedade: “A maior homenagem que podemos fazer às vítimas do massacre de Sabra e Shatila é lutar contra o imperialismo e o sionismo, pela soberania nacional e a autodeterminação dos povos”.

A jornalista Lúcia Helena Issa relatou sua experiência nos acampamentos de refugiados de Sabra e Shatila que visitou nos últimos três anos. Fez um depoimento sobre as precárias condições de vida das 13 mil pessoas que ali residem, sentindo permanentemente “o cheiro da morte”. Ela destacou que a palavra mais ouvida é “Nakba” (catástrofe), usada pelos palestinos para designar o significado da expulsão de suas terras pelos sionistas israelenses. E observou que a figura mais presente ainda hoje é o líder palestino Yasser Arafat, morto em 2004. Sua foto está nas ruas, vielas e nas casas.

Lúcia Helena Issa está escrevendo o livro Filhas da Esperança, em que conta a história dos acampamentos de Sabra e Shatila pelo olhar de meninas e mulheres palestinas.

O dirigente da Fepal Emir Mourad, último a tomar a palavra, disse que é preciso “não esquecer” o massacre de Sabra e Shatila, assim como todos os crimes de lesa-humanidade. Ele considera Ariel Sharon um “criminoso de guerra, que cometeu crimes contra a humanidade”.

Segundo Emir Mourad, Sabra e Shatila não foi o único massacre cometido pelos sionistas israelenses contra os árabes e palestinos. Foi talvez o mais simbólico de uma enorme lista. “O massacre de Sabra e Shatila faz parte do plano e da estratégia dos sionistas de promover o holocausto dos palestinos, uma estratégia de ocupação territorial, limpeza étnica e genocídio”.

Mourad, que além de dirigente da Fepal é um estudioso da história da Palestina e dos assuntos políticos do Oriente Médio, destacou a identidade entre o sionismo, o colonialismo, o racismo e o apartheid. Disse ainda que os sionistas promovem sistematicamente a destruição da história, da cultura e da identidade nacional do povo palestino e ainda são falsificadores da história na medida em que apresentam Ariel Sharon e outros líderes israelenses como defensores da paz e os palestinos como terroristas.

O dirigente da Fepal mostrou-se otimista e encerrou sua intervenção afirmando que desde a década de 1960, os palestinos conquistaram duas importantes vitórias históricas: a afirmação da identidade nacional e o reconhecimento do Estado palestino por 130 países. Em sua opinião, essas duas vitórias abrem caminho para a vitória histórica que está por vir – a conquista do Estado nacional independente, da Palestina livre.
A atividade contou com as presenças da presidenta do Conselho Mundial da Paz, Socorro Gomes, o vereador do PCdoB Jamil Murad, candidato à reeleição, os candidatos a vereador Khaled Mahasen (PCdoB) e Sérgio Cruz (PPL), o diretor da CTB Lejeune Mirhan, o representante do Partido Baath Sírio em São Paulo, Abdul Harim, e o editor do Portal Vermelho, José Reinaldo Carvalho.

Reproduzimos abaixo textos de colaboradores do Vermelho que, ao longo da última década de existência do Portal, relataram o que aconteceu em Beirute, na sinistra noite de 16 de setembro de 1982.

30 anos do Massacre de Sabra e Chatila, por Luciana Garcia

Três décadas se passaram do episódio considerado como um dos mais sangrentos do século 20. Mesmo diante de um crime de enorme proporção, são muito poucos que conhecem de fato a história das guerras do Líbano com todos os detalhes. Talvez esse seja o motivo pelo qual o cenário do que foram os campos de refugiados palestinos de Sabra e Chatila tenha tido poucas mudanças efetivas.

De acordo com diversos correspondentes internacionais que visitam esses locais hoje, os cerca de 13 mil refugiados que vivem em Chatila, além de conviverem com os traumas do passado, sobrevivem com um presente de miséria e abandono.

A mudança deve-se ao fato de que Sabra deixou de ser reconhecido como campo de refugiados, convertendo-se em um dos bairros mais miseráveis de Beirute, sem que haja reconhecimento desses locais como parte do país. Não há coleta de lixo e nem quaisquer serviços públicos, o que torna a situação de moradia e saúde muito mais alarmante do que se pode imaginar.

O pouco conhecimento se deve principalmente ao fato de haver poucos vestígios das lembranças do massacre de Sabra e Chatila. Mesmo diante do boicote israelense na época, as imagens ainda existentes em vídeos e fotografias, podem traduzir com fidelidade o desespero dos sobreviventes diante de centenas de corpos empilhados e ou enfileirados nas ruas estreitas de terra, cercadas por casas simples e muitos barracos.

Lembranças traumáticas vividas a partir da noite do dia 16 de setembro de 1982, no instante em que os refugiados palestinos foram surpreendidos com a iluminação de sinalizadores de fogo disparados no céu, clareando a noite. Nessa altura, a população dos campos não podia imaginar o que seriam as primeiras movimentações israelenses para proteger e garantir a entrada das forças falangistas (milícias da extrema direita cristã libanesa) nos campos de refugiados.

O medo e o terror foram imediatamente instalados, quando tanques israelenses Merkava cercaram a entrada e a saída dos campos. A partir daí, sob a cobertura das tropas ocupantes israelenses, as milícias falangistas deram início a 62 horas de pura violência contra a população civil palestina. Estima-se que esse episódio tenha tido no mínimo um saldo de 3 mil mortos, entre idosos, mulheres e crianças, em sua maioria.

Israel teria invadido o Líbano em represália ao assassinato de um embaixador de Israel em Londres por um palestino que supostamente vivia no campo de Chatila. Dentro desse mesmo contexto de guerra civil libanesa, o Exército israelense entra em acordo com os chefes das milícias cristãs para viabilizar a invasão dos dois campos de refugiados.

O agravante estaria na constatação de que poucos dias antes do atentado, Israel e Palestina haviam assinado um cessar fogo, intermediado por um enviado norte-americano, Philip Habib, que resultou no consentimento palestino pela saída de todos os integrantes da Organização de Libertação da Palestina (OLP) da capital libanesa. Fato que reafirma o massacre civil de uma população absolutamente indefesa.

Naquele instante, o então Ministro da Defesa de Israel, Ariel Sharon, não cumpriu o acordo e permitiu que a Falange entrasse nos campos e realizasse o massacre. Ao mesmo tempo, o Exército de Israel detinha o controle da entrada e saída dos campos. Testemunhas relataram que muitas mulheres grávidas e com crianças de colo foram sumariamente impedidas de saírem dos campos. Alguns dias após o massacre e ainda durante o cerco em Beirute, a OLP acusou Israel de empregar táticas semelhantes às utilizadas por Adolf Hitler contra os judeus, durante a Segunda Guerra Mundial.

Os responsáveis pelo massacre nunca foram punidos. Ariel Sharon chegou a ser condenado pelas Nações Unidas, porém nunca foi penalizado de fato. Ao contrário, continuou exercendo impunemente sua carreira política em diversos cargos dentro do Ministério de Israel.

A impunidade e a injustiça estão absolutamente divulgados no chamado relatório da comissão Kahan, datado de 1983, documento pelo qual o jornalista Robert Fisk não se furtou em classificar o massacre como o resultado “da obsessão selvagem de Israel com o terrorismo”.

Em sua obra Pobre Nação ressaltou: “Os israelenses retrataram o documento como uma poderosa evidência de que sua democracia ainda brilhava como um farol sobre as ditaduras dos outros Estados do Oriente Médio” (Fisk, 2001, p. 518). Mesmo diante dessa constatação, ao analisar o texto desse documento oficial, é possível concluir que se trata, acima de tudo, de um documento extremamente falho e tendencioso em seu conteúdo. A começar com o título: sobre “os eventos nos campos de refugiados”, ao invés de qualificá-lo como massacre, sem ao menos mencionar a palavra palestino.

O apoio de Israel ao massacre, por Lejeune Mirhan

Israel ocupou o Líbano e o sul do país, por diversas vezes, desde a proclamação de sua existência em 14 de maio de 1948 por Ben Gurion. O episódio de 1982 tem um caráter e uma lembrança especial. Os dias que se transcorreram o massacre que vamos relatar aqui, tem início no dia 14 de setembro desse ano. O cristão e então presidente do Líbano, Bachir Gemayel é assassinado a tiros num atentado. Falanges e milícias cristãs se enfurecem e radicalizam. Bachir, como se soube, defendia abertamente um acordo de paz com Israel.

Quem comandava a ocupação do Líbano por Israel era ninguém menos do que o general Ariel Sharon, ex-primeiro ministro, hoje um morto-vivo, em coma há mais de seis anos. Verdade seja dita, não foram os soldados diretamente que perpetraram o massacre. Mas, o fizeram com as mãos de libaneses inescrupulosos, das falanges de extrema direita e pró-sionistas.

Os tanques israelenses deram total cobertura. Cercaram esses dois acampamentos de refugiados palestinos. Israel forneceu até os sinalizadores que iluminaram os acampamentos à noite para que cerca de 600 milicianos entrassem nos campos.

Milhares de famílias de palestinos moravam nessas localidades. Durante toda a noite do dia 16 de setembro e o dia todo do dia 17 ouviu-se tiros e explosões. Era o início do massacre. E o massacre foi o mais cruel que se pode ver em toda a história dos massacres que israelenses e cristãos fizeram contra palestinos. Relatos idôneos da Cruz Vermelha Internacional dão conta de mulheres brutalmente estupradas e depois esquartejadas.

Sharon sofreu na verdade a sua maior derrota política com esse episódio. Mesmo sendo ministro da Defesa de Israel, acabou tendo que se afastar e alguns dias depois do episódio, onde se estimam tenham morrido mais de três mil jovens, mulheres, crianças e velhos, uma manifestação de 400 mil pessoas pedia punição, em Telavive, pedindo a saída de Sharon. O ex-ministro nunca foi punido por isso, pela sua responsabilidade direta no massacre. Nem ele, nem o general Rafael Eitan, que era mancomunado com os cristãos libaneses de direita.

O então primeiro Ministro de Israel era Menachem Béguin, já morto. Ele mesmo um dos autores de outro famoso massacre a uma aldeia palestina, mas há 60 anos, em 1947, em abril, que se chamava Deir Yassim. Nesse caso morreram “só” 250 palestinos. Béguin entende do assunto. Mas, por pressão popular e por decisão de uma comissão de investigação interna do governo, Béguin acabou tendo que afastar Sharon – conhecido após o episódio como "açougueiro de Beirute" –, que amargou 15 anos de ostracismo político, retornando apenas em 1998 e agora vivendo de forma vegetativa em coma.

Veja o trailer do filme Valsa com Bashir: