Igor Fuser: Feitiço contra feiticeiro

Tal como ocorreu no Afeganistão, onde a Al Qaeda (de Osama Bin Laden) foi treinada pela CIA para combater os soviéticos, o feitiço mais uma vez se virou contra o feiticeiro.

Por Igor Fuser, em Brasil de Fato.

Após semanas de rebuliço em torno do filme A Inocência dos Muçulmanos, muita gente se pergunta por que algo tão pequeno provocou tamanha fúria. Uma segunda indagação: até que ponto os Estados Unidos podem ser considerados culpados por um filme que ridiculariza Maomé? 

Para entender os fatos, é preciso levar em conta que os muçulmanos, na sua maioria, vivem em países da periferia do capitalismo, submetidos há mais de um século às potências do Ocidente. No início foi o domínio colonial e, depois, o imperialismo, agora disfarçado de “globalização”. É natural que sintam prejudicados pela distribuição desigual do poder e da riqueza no mundo.

Esse sentimento difuso de perda e abuso acaba se associando a elementos de identidade cultural, em especial à religião. Quando ocorrem episódios de ofensas públicas ao Islã, como há seis anos a publicação de charges antimuçulmanas na Dinamarca, a raiva acumulada vem à tona de forma explosiva. Indiretamente, o governo dos EUA é culpado, sim, pelo que ocorreu.

Primeiro, pelo apoio irrestrito que dá a Israel e às políticas agressivas e expansionistas do sionismo, em prejuízo dos árabes da Palestina (e é bom lembrar que o filme foi financiado por sionistas estadunidenses). Segundo, pelo papel dos EUA à frente das potências que exercem o domínio ocidental no Oriente Médio. Finalmente, por difundir uma visão preconceituosa que associa o islamismo e os árabes em geral ao terrorismo.

Uma ironia nos atuais ataques a instalações diplomáticas ocidentais é que os agressores são fundamentalistas islâmicos que os EUA arregimentaram recentemente como aliados contra regimes árabes seculares na Líbia e, agora, na Síria. Após décadas demonizando o islamismo político, a Casa Branca se associa a essa corrente no combate aos regimes que representam o que restou do decadente nacionalismo árabe. Tal como ocorreu no Afeganistão, onde a Al Qaeda (de Osama Bin Laden) foi treinada pela CIA para combater os soviéticos, o feitiço mais uma vez se virou contra o feiticeiro.