Wikileaks mostra como os EUA vigiam os megaeventos

Durante os Jogos Olímpicos de Inverno em Vancouver, no Canadá, em 2010, o Consulado dos Estados Unidos distribuiu relatórios com informações sobre todas as suas suspeitas de risco à segurança nacional no país para mais de 30 órgãos do governo norte-americano – entre eles, a Casa Branca, o FBI, o Centro Nacional de Contraterrorismo e o Departamento de Defesa. Os textos descreviam com detalhes possíveis atos terroristas, incidentes e até mesmo manifestações.

Esse alto grau de vigilância norte-americana sobre o país que recebeu o megaevento foi revelado nos 16 documentos vazados pelo Wikileaks intitulados “Vancouver 2010 Winter Olympics: Situation Report” (Jogos Olímpicos de Vancouver 2010: Relatório de Situação). Os textos eram baseados em informações da polícia canadense em cooperação com serviços de inteligência norte-americanos. Protestos agendados e que já haviam ocorrido eram descritos com indícios de atuação terrorista na sessão “Questões de segurança”.

Nem uma partida de hockey entre EUA e Canadá foi poupada de observações. O report #11 afirma que o jogo poderia estimular a desordem pública: “As autoridades policiais locais estão preocupadas com a natureza potencialmente litigiosa do jogo entre Canadá e EUA e seu impacto na ordem pública. O local fica a quarteirões do distrito de entretenimento de Vancouver, dos corredores de pedestre e de vários hotéis”. Para prevenir possíveis distúrbios, a polícia local pediu às lojas que vendem bebidas alcoólicas fecharem mais cedo.

Os textos também mostram que os perfis de organizações e manifestantes nas redes sociais eram verificados e qualquer tipo de protesto considerado “anti-olímpico”, detalhado antes mesmo de acontecer. No report #3, por exemplo, o consulado alerta para futuras manifestações de grupos anarquistas: “Antecipação de atividade de protesto: ‘Outra [manifestação] ‘’2010 Autonomous Day of Action’ está prevista para segunda-feira 15 de fevereiro (…) pequenos grupos de anarquistas podem se envolver em atos de vandalismo e confronto com a lei”. E no report #12: “Uma manifestação intitulada ‘Games Over! Resistance Lives!’ (Os Jogos acabaram! A resistência vive!) está agendada para acontecer das 13h às 15h do dia 28 de fevereiro na intersecção entre as ruas Smithe e Cambie. O evento é anunciado como ‘um festival público barulhento para celebrar nossas comunidades e nossa resistência’. Essa manifestação está sendo organizada no site www.no2010.com”.

Outra ação citada em vários relatórios é a “Critical Mass Bike Ride”, uma bicicletada pacífica pelas ruas da cidade canadense. O report #10 diz: “Atividade de protesto antecipada: a próxima atividade marcada digna de nota é a ‘Critical Mass Bike Ride’ no dia 26 de fevereiro. Os ciclistas planejam se reunir no lado norte da Galeria de Arte de Vancouver, na rua Georgia, e pedalar pelas ruas de Vancouver”.

Nem a igreja passou desapercebida pelos olhos do grande irmão. O documento #7 alerta para um protesto organizado por membros da Igreja Unida do Canadá, estudantes católicos da Universidade da Colúmbia Britânica e estudantes universitários evangélicos, que marchariam no começo da tarde do dia 17 de fevereiro para destacar a forma como as Olimpíadas historicamente deslocam os pobres de suas casas.

Varas de pesca ameaçadoras

Já o documento número #2, enviado no dia de abertura dos Jogos de Inverno, diz que um cidadão norte-americano foi deportado depois que a polícia encontrou uma granada de mão inerte e literatura pornográfica em seu veículo: “Em entrevista ao FBI ele disse que estava emocionalmente perturbado e não tem vínculos com grupos domésticos de milícias”, explica.

No mesmo relatório, consta que um pacote suspeito foi identificado em um terminal de transporte aquático chamado Lonsdale Quay. O serviço foi suspenso até oficiais da Real Polícia Montada do Canadá utilizarem canhão de água para neutralizar a embalagem e constataram que a caixa continha varas de pesca e equipamentos.

Aqui não vai ser diferente

Como os documentos do WikiLeaks no Brasil já haviam revelado, mesmo antes da escolha do Brasil como sede das Olimpíadas de 2016, a segurança dos jogos já era um dos principais temas na pauta de reuniões bilaterias entre diplomatas e militares brasileiros e norte-americanos. Telegramas enviados pela embaixada americana em Brasília e publicados pelo Wikileaks revelaram que os EUA não só estavam preocupados com a segurança durante os megaeventos, mas queriam lucrar com isso. “Os EUA buscam cooperação militar, oportunidades comerciais e já preparam um aumento do seu pessoal no país” diz a comunicação diplomática.

Em 24 de dezembro de 2009, o Departamento de Defesa americano recebeu um relatório intitulado “Olimpíadas do Rio – O Futuro é Hoje”, assinado pela Ministra Conselheira da Embaixada Lisa Kubiske apontando oportunidades comerciais e militares: “O governo brasileiro compreende que enfrenta desafios críticos na preparação dos Jogos de 2016 e demonstrou grande abertura em áreas, como compartilhamento de informações, a cooperação com o governo dos EUA – chegando até a admitir que poderia haver a possibilidade de ameaças terroristas”, diz o documento.

O raciocínio que se segue demonstra que os relatórios emitidos em Vancouver não foram uma ação isolada: “além de preparar as oportunidades comerciais que os jogos vão oferecer às empresas norte-americanas, o governo dos EUA deveria se aproveitar do interesse do Brasil no sucesso olímpico para progredir na cooperação bilateral em segurança e troca de informações”.

O telegrama, de dezembro de 2009, diz que a missão americana já estava coordenando a ampliação de pessoal, estrutura e recursos, com suas agências em Brasília e no Rio de Janeiro – o que seria necessário para gerenciar o envolvimento dos EUA nos Jogos.

Os comitês populares e manifestantes brasileiros que se cuidem: estarão todos sob a mira do “Big Brother” durante os megaeventos. Ou será que já estão?

Fonte: Agência Pública