Chomsky: Romney e Obama evitam Meio Ambiente e guerra nuclear
Agora que o espetáculo da eleição presidencial está a chegar ao seu clímax, é útil perguntar como as campanhas políticas estão a abordar os temas mais cruciais que enfrentamos.
Por Noam Chomsky, no La Jornada
Publicado 11/10/2012 20:43
A resposta é singela: estão a abordar mal ou não estão, simplesmente. Neste caso, surgem algumas perguntas importantes: porquê e o que podemos fazer a esse respeito? Esses são dois temas de suma importância, porque o destino das espécies está em jogo: desastre ambiental e guerra nuclear.
O primeiro aparece regularmente nas primeiras páginas. Em 19 de setembro, por exemplo, Justin Gillis reportou, no The New York Times, que o degelo dos glaciares do Ártico já terminou, este ano, mas não antes de ultrapassar o recorde do ano anterior, e de fazer soar o alarme sobre o rápido ritmo de mudança climática da região.
O degelo é muito mais veloz do que haviam previsto os sofisticados modelos computacionais e o mais recente relatório da ONU sobre aquecimento global. Os novos dados indicam que o gelo durante o verão poderá desaparecer em 2020, com graves consequências. As estimativas previam o desaparecimento do gelo do Ártico no verão somente em 2050.
Os governos, no entanto, não responderam à mudança climática com qualquer urgência maior para limitar as emissões de gases de efeito estufa, escreve Gillis. Ao contrário, a sua resposta principal tem sido planear a exploração dos minérios recentemente tornados acessíveis no Ártico, inclusive a perfuração para extrair mais petróleo; quer dizer, acelerar a catástrofe.
Esta reação demonstra uma extraordinária disposição para sacrificar as vidas de nossos filhos e netos em troca do lucro de curto prazo. Ou, quem sabe, uma igualmente notável disposição para fechar os olhos e não ver o perigo iminente. Isso não é tudo. Um novo estudo do Monitor de Vulnerabilidade Climática apontou que a mudança climática causada pelo aquecimento global está a desacelerar a produção económica mundial em 1,6% ao ano e conduzirá a uma duplicação dos custos de produção nas próximas décadas. O estudo foi amplamente divulgado em toda a parte, mas os norte americanos foram poupados dessa notícia inquietante.
Os posicionamentos de democratas e republicanos sobre o tema clima foram analisados na edição de 14 de setembro da revista Science. Num caso raro de bipartidarismo partidário, ambos os partidos pedem que pioremos o problema. Em 2008, ambos os programas de governo tinham dedicado certa atenção à forma como o governo deveria abordar a mudança climática.
Hoje, o tema quase desapareceu da plataforma republicana, a qual, no entanto, exige que o Congresso tome rápidas providências para evitar que a Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sua sigla em inglês), criada pelo presidente Nixon em dias mais sensatos, regule a emissão dos gases de efeito estufa. E devemos flexibilizar a proteção ambiental do Alaska, de modo a permitir a perfuração e a exploração de todos os recursos norte americanos que foram concedidos por Deus. Não podemos desobedecer ao Senhor, afinal de contas.
O programa também declara que devemos restabelecer a integridade científica às nossas instituições públicas de pesquisa e retirar os incentivos estatais ao financiamento da pesquisa: termos cifrados do conhecimento científico climático.
O candidato republicano Mitt Romney, visando escapar do estigma do que entendia há anos ser a mudança climática, declarou que não há consenso científico, assim como que deveríamos apoiar mais debates e investigações científicas; mas não ações, exceto para agravar mais os problemas.
Os democratas mencionam na sua plataforma que existe um problema e recomendam que deveríamos trabalhar com vista a um acordo para estabelecer limites às emissões, em uníssono com outras potências emergentes. Mas isso é tudo.
O presidente Barack Obama enfatizou que devemos conseguir 100 anos de independência energética aproveitando a técnica de fratura hidráulica, e outras tecnologias, sem se perguntar como o mundo sobreviverá depois de um século das práticas atuais.
Certo que há diferenças entre os partidos, a respeito do quão entusiasticamente marcharão os ratos para o precipício.
O segundo tema importante é a guerra nuclear, que também está nas primeiras páginas dos jornais, mas numa forma que assombraria um marciano que observasse as estranhas atividades na Terra.
A ameaça atual está, de novo, no Oriente Médio, especificamente no Irão: quer dizer, pelo menos segundo o Ocidente. No Oriente Médio, os Estados Unidos e Israel são considerados ameaças muito maiores.
À diferença do Irão, Israel nega-se a permitir inspeções ou a firmar o Tratado de Não-Proliferação Nuclear. O país tem centenas de armas nucleares e sistemas de lançamento avançado e um longo histórico de violência, agressão e ilegalidade, graças ao absoluto apoio norte americano. Se o Irão está a tentar desenvolver armas nucleares a espionagem dos EUA não sabe.
No seu relatório mais recente, a Agência Internacional de Energia Atómica disse que não se pode afirmar a ausência de material nuclear e de atividades não declaradas relativas com o enriquecimento de urânio no Irão; trata-se de uma forma indireta de condenar o Irão, como quer os Estados Unidos, na medida em que admite que a agência não pode acrescentar nada às conclusões da espionagem norte americana.
Portanto, ao Irão deve negar-se o direito de enriquecer urânio, que está garantido pelo Tratado de Não-Proliferação Nuclear, e é apoiado pela maior parte do mundo, inclusive pelos países não alinhados que recentemente estiveram reunidos em Teerão. A possibilidade de o Irão desenvolver armas nucleares surge na campanha eleitoral. (O facto de que Israel as tenha, não).
Duas posições se contrapõem: os Estados Unidos deveriam atacar o Irão se o país obtiver a capacidade de desenvolver armas nucleares de que dezenas de outras países desfrutam? Ou Washington deveria manter a linha vermelha mais indefinida?
A segunda postura é a da Casa Branca. A primeira é a dos israelitas belicosos e aquela aceite pelo Congresso dos Estados Unidos. O Senado votou 90 a 1 a favor da postura israelitas.
O inexistente no debate é a forma óbvia de mitigar ou de pôr fim a qualquer ameaça que se pudesse acreditar que o Irão representa: estabelecer uma zona livre de armas nucleares na região. A oportunidade está disponível facilmente: uma conferência internacional ocorrerá nos próximos meses para discutir este objetivo, apoiado por quase todo mundo, inclusive a maioria dos israelitas.
O governo de Israel, no entanto, anunciou que não participará até que haja um acordo de paz geral na região, que não é alcançável enquanto Israel persistir nas suas atividades ilegais nos territórios palestinianos ocupados. Washington mantém a mesma postura, e insiste que Israel deve ser excluído de qualquer acordo regional desse tipo.
Podemos estar a marchar para uma guerra devastadora, possivelmente até nuclear. Existem formas claras de superar essa ameaça, mas não serão adotadas, a menos que haja um ativismo público em grande escala que exija que a oportunidade seja aproveitada. Isso, por sua vez, é altamente improvável enquanto esses temas se mantiverem fora da agenda, não só no circo eleitoral, mas nos media e no grande debate nacional.
As eleições são operadas pela indústria das relações públicas. A sua tarefa fundamental é a publicidade comercial, que está desenhada para minar os mercados, criando consumidores desinformados que tomarão decisões irracionais; totalmente o oposto de como se supõe que funcionam os mercados, mas certamente familiar a qualquer um que tenha visto a campanha eleitoral na televisão.
É simplesmente natural que, quando chamada para operar eleições, a indústria adote os mesmos procedimentos em benefício de quem as paga, os quais necessariamente não querem ver cidadãos informados tomando decisões racionais.
Em todo caso, as vítimas não têm de obedecer. A passividade poderia ser o caminho fácil, mas dificilmente é honroso.
Fonte: Carta Maior. Tradução: Katarina Peixoto