Diário do Rio

1 de abril de 1898

Por Olavo Bilac

Olavo Bilac

Santo Deus! Decididamente a velhice já está aqui comigo – pelo que, a propósito de tudo, só me enche o coração de saudades…

Primeiro de abril! – antigamente o burguês que, no despertar, abria na manhã de hoje uma folha, – sentia logo os cabelos eriçados de espanto, – lendo, em uma, notícia medonha catástrofe, – desabamentos, naufrágio, mortes sem número, ferimentos a rodo, sangue espadanando em cachoeira: sabendo, por outra, que se descobrira uma tenebrosa conspiração cujo fim era fazer a cidade saltar, minada de dinamite; vendo, em outra, que aparecera na baía da Guanabara um monstro antediluviano, um icthyossauro espantoso, que com um só movimento de cauda esquarrosa desmantelara um navio de guerra; e ainda em outra folha encontrando a amedrontadora nova de que, segundo a previsão dos mais competentes astrônomos do mundo, era esperado o aparecimento de um cometa vagabundo, cujo rabo flamejante incendiaria e reduziria a cinzas a terra toda… E, aterrado, o burguês saiu a espairecer o seu terror, – até que um amigo, mofando, lhe dizia que todas as calamidades eram clássicos carapetões do primeiro de abril…

Ai de nós! Esse bom tempo não volta! A imprensa fluminense tem ido pouco a pouco despindo todas as suas cândidas vestes de primitiva ingenuidade. Hoje, a imprensa mais prática julga que é insuficiente escolher, entre trezentos e sessenta e cinco dias do ano, um que especialmente consagre a mentir.

Agora, os jornais mentem, com igual descaro, desde o dia do Ano bom até o dia de S. Silvestre, sem fadiga e sem pausa. Cada pequenina nota de reportagem é um peixe de abril que deixa vencidos, em tamanho e em cinismo, todas as velhas mistificações que faziam antigamente as delícias da população carioca… Há dez anos dizia-se com espanto: Vejam vocês! Aquela notícia do jornal era falsa. Hoje, diz-se, com espanto ainda maior: oh diabo! Aqui está uma notícia que não é falsa!
E haveis de ver que, para conservar de algum modo a tradição do primeiro de abril, os jornais decidirão reservar este dia clássico para divulgação das notícias verdadeiras.

Crônica publicada em O Estado de S. Paulo, 04/04/1898.

Do livro Imprensa e belle époque: Olavo Bilac, o jornalismo e suas histórias. Marta Scherer, Palhoça (SC), Editora Unisul, 2012