Olavo Bilac foi o intelectual da nascente pequena-burguesia

Marta Scherer analisa o papel da imprensa na modernidade conservadora do início do século 20 através das crônicas de Olavo Bilac (1865-1918).

Por Marcos Aurélio Ruy (*)

Marta Scherer

A jornalista catarinense Marta Scherer publica o livro Imprensa e belle époque: Olavo Bilac, o jornalismo e suas histórias, onde ressalta as qualidades do poeta parnasiano como cronista e realça a sua importância no debate do início da República brasileira, na qual prevaleceu o debate elitista e conservador, na busca de uma modernidade com olhos voltados para a Europa, deixando em segundo plano nossa herança africana e indígena.


Olavo Bilac

Já na apresentação, o professor e jornalista Laudelino José Sardá diz que “Olavo Bilac exerce no jornalismo o papel de refletir os momentos críticos de um país que ingressava no século 20, em plena efervescência política e cultural”, reconhecendo que a nascente “burguesia era produtora e consumidora de informações e críticas”. Isso num país recém-saído do escravismo que a classe dominante sonhava em “civilizar” impondo a cultura europeia em detrimento de nossas origens. Uma modernização que marginalizava a maioria da população mestiça, analfabeta, pobre e sem emprego.

Enquanto Lima Barreto transformava-se num dos grandes representantes do outro lado, lutando contra as opiniões elitistas, Bilac é um dos grandes representantes da elite conservadora moderna. Mesmo assim era representante da parte nacionalista dessa elite.

No prefácio do livro, o professor Antonio Dimas afirma que “a capital federal (o Rio de Janeiro era capital do Brasil na época) queria mostrar um país viável aos estrangeiros”, ou seja, um país “saneado” de suas origens, apegando-se às teses de branqueamento da população.

A República Velha tão criticada por Lima Barreto, traçava caminhos de transformações com acertos entre os setores da elite rural e agrária dominante, e a urbana e industrial que surgia. E refreando a participação popular, onde só os alfabetizados homens maiores de 21 anos podiam votar; isso significa menos de 20% da população.

Para a estudiosa Marisa Lajolo, Bilac era o “representante de uma pequena burguesia, de seus dramas e valores, sonhos e tropeços”. E, por isso, segundo Marta Scherer, “as crônicas de Olavo (Bilac) são documentos da maior importância e nos servem como sintomas da mentalidade brasileira no virar dos séculos 19 para o 20”. Evidentemente uma mentalidade moderna-conservadora, mas nacionalista, embora rejeitasse os traços populares de nossa cultura e de nossa vida.

Embora chamado “príncipe dos poetas”, Bilac foi menosprezado pelos modernistas de 1922, que fixou nele a imagem de “antiquado e conservador”. Entretanto, Olavo Bilac resistiu ao tempo, o que mostra seu valor literário e cultural. Suas crônicas, pouco conhecidas, refletem o momento do país, com sua transformação com olhos conservadores, racistas, que buscavam transformar o país numa Europa tropical, mas desprezando as qualidades do povo brasileiro.

Para o modernista Mário de Andrade “do ponto de vista ideológico, foi o poeta que melhor exprimiu as tendências conservadoras vigentes depois do interregno florianista. À política renovadora que animara alguns fautores da República seguiu-se um ufanismo estático e vazio, amante da tradição considerada em si mesma como beleza, Bilac, poeta dos nautas portugueses em sagres no Caçador de Esmeraldas será também o cantor cívico da bandeira, das armas nacionais e o didata hosanante das Poesias Infantis”.

Marta conta que para o estudioso de Bilac, Luís Augusto Fischer “o autor de Via láctea foi um perfeito exemplo do intelectual orgânico que Antonio Gramsci apresentou, ressaltando a necessidade o entendimento da obra de Olavo Bilac na compreensão da história nacional, como algo a que sempre se deve voltar”. Bilac também dá lições de sua visão de jornalismo que se industrializava na chamada belle époque e já denunciava o que hoje vemos correr solto nas páginas dos jornalões e revistas ditas “informativas”.

As crônicas de Bilac mostram todo o seu engajamento na transformação que o país vivia, não sendo nada antiquado, embora com uma visão conservadora das mudanças que se impunham no início do século 20, na nossa nascente República e na construção do capitalismo no país. Vale ler o livro de Marta Scherer para compreender o pensamento liberal conservador e compreender as diferenças de setores de nossa elite no Brasil contemporâneo. Olavo Bilac é um ótimo exemplo para essa tarefa.

(*) Colaborador do Vermelho

Livro

Imprensa e belle époque: Olavo Bilac, o jornalismo e suas histórias. Marta Scherer, Palhoça (SC), Editora Unisul, 2012