Artigo – O Rumo é claro: Pelegrino e Olívia

Por Haroldo Lima*

Salvador tem tradição de eleitorado progressista. Quando ainda existia a ditadura e ser de “oposição” podia levar à cadeia, à tortura e à morte, Salvador foi chamada de “capital da Oposição”. A sua gente era contra o Governo brasileiro se comportar como vassalo dos EUA; insurgia-se contra o regime dos desmandos, da censura, das prisões arbitrárias, tortura e assassinatos; protestava ante o arrocho que saqueava os trabalhadores; reagia quando a tirania queria impor sua vontade aos estudantes, à intelectualidade, aos religiosos de todas as religiões; defendia os empresários que queriam se livrar da política que não deixava crescer quem não se subordinasse ao governo.

Uma grande frente anti-ditatorial cresceu em Salvador. O pessoal conhecido como “de esquerda” sempre esteve aí, mesmo que subdividido em alguns grupos. Além de lutar com desassombro, esse pessoal apontava os rumos da luta, Salvador vai agora ao segundo turno da eleição de 2012, para eleger seu prefeito. E sente-se um esforço por não se esclarecer o que está em disputa, por se borrar as fronteiras que distinguem uma candidatura de outra, como se não houvesse história, e como se a história, muitas vezes regada com sangue, devesse ser esquecida. Procura-se exacerbar alguns problemas e se esconder outros, para que tudo pareça confuso, embaçado, e as diferenças fiquem escondidas. Ante esta enganação com que, às vezes de boa fé, pretende-se confundir o povo, a esquerda não pode tergiversar.

Venho de um período que já vai se distanciando, por isso que é bom ser lembrado. Já antes do golpe de 1964, com nossas vibrantes marcas juvenis, desfilávamos com as bandeiras das “reformas de base”, da “terra para quem nela trabalha”, da “educação não é privilégio”, da Petrobrás. Perfilamo-nos na oposição à ditadura no primeiro dia de sua existência. Quando esta radicalizou e começou a adotar métodos fascistas, entramos na clandestinidade, como muitos outros, para escapar da besta fera que prendia, torturava e matava.

No meu caso, passei dez anos em vida clandestina, correndo o Brasil de norte a sul, tramando a resistência, organizando a resistência, preparando a resistência. Diferentes setores da esquerda faziam esse esforço. Participei da antiga AP, da qual sou um dos fundadores, AP que se incorporou ao PCdoB, que deu na guerrilha do Araguaia. Depois veio prisão, torturas, dez anos de condenação, vinte anos de direitos políticos suspensos. Mas a resistência cresceu, veio a Anistia, que me tirou da cadeia três anos depois de preso, que abriu as portas de todas as cadeias políticas brasileiras, trouxe o pessoal que estava nas catacumbas e no exílio.

Agora, uma constatação. Da mesma maneira que houve as vítimas da ditadura, houve os que dela se aproveitaram, mandavam e desmandavam e, de passagem, se enriqueciam. Aqui na Bahia esse pessoal foi capitaneado por Antonio Carlos Magalhães, que montou um verdadeiro império político e econômico, numa época em que o Supremo Tribunal Federal nem sonhava em poder julgar os bandos que ficavam milionários à sombra das baionetas.
O tempo foi passando, uma frente oposicionista ampla foi construída, não só com a esquerda, mas com setores e personalidades democráticas de diversas origens e pusemos fim à ditadura.

Em nível nacional, a luta pelo fim da ditadura criou as condições para o surgimento de um partido de grande apelo popular, o Partido dos Trabalhadores, que tinha um líder de grande tirocínio e carisma, um torneiro mecânico chamado Lula.

Quando esse torneiro, depois de três tentativas, conseguiu encabeçar uma frente suficientemente ampla e chegar à Presidência da República, uma situação nova se criou no país. O novo governo redirecionou as grandes metas nacionais. De vassalo dos EUA, o Brasil passou a ser uma Nação independente, soberana, respeitada. De país humilhantemente monitorado pelo FMI, passou a ser Nação que direciona sua economia com suas próprias forças. De terra onde grassava, sem traumas, a fome e a exclusão social, a uma terra onde se combate a fome e se toma medidas enérgicas para a inclusão.

E o país mudou. Retomou, com dificuldades, a senda do crescimento, o que não tem sido fácil, mas que atingiu 7,5% em 2010, para depois retroceder, num quadro em que “a crise dos ricos”, como disse Lula, prejudica todo mundo. De 12ª economia do mundo, em 2003, quando Lula assumiu o governo, com riscos de ir à 15ª posição, o Brasil disputa hoje com o Reino Unido a 6ª posição em escala mundial. Sua inflação saiu de 12,53% em 2003 e foi para 5,63% em 2010. Seu salário mínimo, que era de R$200 no início de 2003, irá, segundo o orçamento previsto para 2013, a R$670. O desemprego que ultrapassava os 12% não chega agora a 6%. Recentemente, a presidenta Dilma fez aqui o que nunca foi feito, desencadeou uma campanha contra os altos juros dos bancos e contra as tributações excessivas. Tudo isso levou ao resultado mais expressivo, ao dado mais simbólico: o país retirou da faixa de pobreza perto de 40 milhões de brasileiros, um contingente do tamanho da Argentina.

As elites reacionárias brasileiras nunca aceitaram que todas essas vitórias vieram a partir do governo de um operário e do qual participavam forças diversificadas, entre as quais, as que foram ferozmente perseguidas pelo regime ditatorial. Suas conjecturas acalentam desbancar essa “raça espúria” do governo, como disse o presidente de honra do DEM, o ex-senador Jorge Bornhausen. Seria o retrocesso, o retorno da velha política, dos velhos hábitos, o fim da inclusão social, do pensamento independente da Nação brasileira.

O que se passa em Salvador tem tudo a ver com isso. O DEM, partido do ACM Neto, partido do Bornhausen, que citei acima, do senador Demóstenes, banido há pouco do Senado, é o novo nome do PFL, que era a antiga ARENA, o partido da ditadura, onde pontificava o avô do Neto, o ACM. Este partido perdeu todas as eleições de capitais que disputou agora em 2012, exceto uma, Aracajú. Na edição de hoje, 26 de outubro, a Folha de São Paulo destaca que se o Neto ganhar em Salvador, o DEM sobrevive no Brasil, se não ganhar, não terá futuro.

E então, é o eleitorado de Salvador, que vai salvar o antigo partido da ditadura? Não, de forma alguma. Nessa eleição as forças progressistas de maneira geral, e a esquerda em particular, não podem deixar de esclarecer ao povo o que está em jogo: o retrocesso em Salvador, na Bahia e, pelo que diz hoje a Folha, no Brasil.

Entre Pellegrino e ACM Neto, as forças progressistas não podem ter dúvidas, nem tergiversar. As diferenças são enormes. O primeiro compõe o sistema de forças que está colocando o Brasil como importante Nação emergente e levando seu povo a uma vida minimamente digna. Além disso, é um dos melhores parlamentares da Bahia, um homem simples e batalhador, de honradez incontestável. O segundo se atrela aos planos mais retrógrados das elites brasileiras, a de desbancar do Poder as forças de origem popular que estão reconstruindo o Brasil. Na Bahia, será o retorno do carlismo, a política do avô, baseada no chicote e no dinheiro.

Essa é a discussão que precisa ser feita, a dos grandes rumos em disputa. Não quer dizer que tudo são flores do nosso lado, quer no nível federal quer no estadual, seja no trato da coisa pública seja na relação com os movimentos sociais. Mas não podemos perder a visão do rumo geral das coisas, hipertrofiando a importância de problemas localizados, que o tempo se encarregará de apurar melhor.

Em uma das eleições passadas aqui na Bahia, em que fui eleito deputado federal, a marca da minha campanha foi “Na Bahia a esquerda tem nome”. Na época, a esquerda tinha poucos nomes. Hoje tem muito mais. Mas, com a mesma firmeza de outros tempos, com a responsabilidade de lutar na direção certa e apontar essa direção para todos, a esquerda conclama, sem dúvidas: em salvador, agora, o voto é em Pellegrino e Olívia, para prefeito e vice.

*Haroldo Lima – engenheiro, ex-preso político, Deputado
Federal por vinte anos, ex-Diretor Geral da Agência Nacional